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Entre as mãos manchadas de petróleo do presidente Getúlio Vargas, que se tornou símbolo da campanha “O petróleo é nosso”, em 1952, e as mãos de Lula igualmente sujas de óleo comemorando a descoberta do pré-sal, em abril de 2006, o mundo mudou a ponto de entender como ameaça aquilo que era promessa de riqueza.
A emergência climática se impôs como desafio decisivo para a humanidade e a queima dos combustíveis fósseis como fonte de energia, o principal fator do aumento da temperatura média global – que fez de julho de 2023 o mês mais quente da história.
“Sabemos produzir energia limpa, por que insistir em combustível fóssil?”, disse a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, em reportagem da Agência Pública sobre os Diálogos Amazônicos – o debate com 24 mil pessoas que precedeu a Cúpula da Amazônia, realizada nesta semana em Belém.
As jornalistas Giovana Girardi e Anna Beatriz Anjos, que estiveram no encontro com forte presença indígena e de comunidades tradicionais da Amazônia, destacaram o fim da exploração de petróleo na Amazônia como centro das exigências da sociedade civil.
Também anteciparam que, ao contrário das aspirações do encontro, a cúpula que reuniu oito países da Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia (OTCA) não assumiria o compromisso de acabar com a exploração de petróleo na Amazônia em seu documento final. Nem mesmo o desmatamento zero, meta já assumida pelo Brasil, foi consenso entre os países da Amazônia, apesar do risco iminente de ponto de não retorno que corre a floresta (sobre isso, leiam a coluna de hoje de Giovana Girardi).
O silêncio do presidente Lula sobre o tema só não foi mais eloquente do que o discurso do presidente Gustavo Petro, que constrangeu os presentes com a coerência absoluta de sua argumentação em defesa da eliminação da exploração de petróleo na Amazônia. Já na tarde de segunda-feira (dia 7), ao chegar ao encontro, quando foi inquirido por um repórter sobre o petróleo na foz do Amazonas – que teve seu licenciamento negado pelo Ibama em maio passado –, Lula cortou a conversa: “Você acha que eu vim aqui para discutir isso agora?”, reagiu, segundo reportagem do Estadão.
No episódio de maio, os jornais apressaram-se a noticiar uma cisão no governo que culminaria com a saída de Marina Silva, que pouco depois sofreu a perda de atribuições do ministério com a aprovação da MP da Esplanada no Congresso, alimentando os boatos. Não aconteceu nada. O movimento se repetiu agora, de forma mais localizada, mas Marina continua dando declarações serenas, falando de respeito à ciência e à avaliação ambiental, e Lula evita o assunto. Ao que tudo indica, o Ibama mantém sua posição.
Com razão. Como mostramos em uma série de reportagens de campo sobre o chamado novo pré-sal, que vai da costa do Amapá ao Rio Grande do Norte, a exploração de petróleo na região – além de extemporânea, diante da necessidade de reduzir drasticamente a queima de combustíveis fósseis – ameaça o equilíbrio de um ecossistema delicado, de gigantescos corais, berçários de diversas espécies – e a maior extensão de manguezais do mundo.
Riquezas que hoje valem bem mais do que as mãos sujas do “petróleo é nosso”. Que o presidente Lula mantenha a sinceridade no debate e ouça Marina Silva, a ciência, os povos da Amazônia. Nem tudo é possível conciliar, presidente. A Amazônia preservada pode ser nosso maior legado para o mundo. É hora de lavar as mãos nas águas do rio.