Em relatório publicado nesta terça-feira (15), a Controladoria Geral da União (CGU) identificou irregularidades e possíveis prejuízos aos cofres públicos em ações do Programa Abrace o Marajó, criado durante a gestão da senadora Damares Alves (Republicanos) no extinto Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, no governo Bolsonaro. As perdas podem ser de mais de R$ 2,5 milhões, segundo relatório de avaliação. O programa, uma das principais bandeiras da atual senadora, foi criado para combater a vulnerabilidade social, econômica e ambiental nos 16 municípios do Arquipélago do Marajó, no Pará.
A CGU apontou que os projetos, ações e iniciativas do Abrace o Marajó não foram concluídos dentro do prazo, “dificultando a consecução do objetivo de programa de ampliar o alcance e o acesso da população marajoara aos direitos individuais, coletivos e sociais”. A participação da sociedade civil também foi prejudicada, na avaliação da Controladoria.
Entre os 12 dos 133 projetos, ações e iniciativas — que são chamados de PAIs — dentro do Plano de Ação do ‘Abrace o Marajó’, analisados pela CGU, apenas três foram implementados. Nos demais, um foi parcialmente realizado; sete não foram cumpridos e um apresentou irregularidades na execução. Este último foi a obra de saneamento básico de Salvaterra (PA), que não dispõe de um sistema de coleta e esgoto sanitário.
Orçada em R$ 5,7 milhões, a obra em Salvaterra deveria beneficiar 9,7 mil pessoas no município, segundo dados do painel de monitoramento do programa, mas não foi concluída no prazo previsto, que era maio de 2021. As vistorias da CGU identificaram um percentual de 56% de conclusão das obras, embora a prefeitura de Salvaterra sinalize que os serviços executados já consumiram o total do orçamento. O prejuízo estimado é de R$ 2,5 milhões. Esse valor pode ser maior “considerando o impacto social junto à população de Salvaterra, devido à obra já apresentar um atraso acumulado de mais de seis anos em relação à previsão inicial”, diz o relatório.
O relatório da CGU recomendou a apuração da responsabilidade sobre a utilização total dos recursos antes da finalização do projeto.
Projetos não saíram do papel
Segundo a CGU, outras iniciativas do ‘Abrace o Marajó’ também não saíram do papel. Uma delas foi a Casa da Mulher Brasileira, em Breves, no arquipélago do Marajó. Com orçamento de R$ 823 mil, o equipamento de combate à violência contra a mulher ainda não tem contrato assinado. A previsão de entrega era julho de 2022.
O relatório aponta que o governo federal chegou a emitir notas de empenho de mais de R$ 800 mil para a Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos, do governo do Pará. Em contrapartida, a secretaria deveria entrar com outros R$ 808 mil, totalizando mais de R$ 1,6 milhão para a casa.
De acordo com o relatório, o governo chegou a realizar o edital para a obra em agosto de 2022. Contudo, ainda não teria sequer ocorrido a assinatura do contrato com o vencedor do edital. A CGU também não conseguiu encontrar comprovação de que as transferências do governo federal, que seriam feitas via Caixa, teriam de fato ocorrido.
A Casa da Mulher Brasileira foi uma das principais apostas do governo de Dilma Rousseff (PT) para o enfrentamento da violência contra a mulher no Brasil. Ela funciona como um centro de atendimento multidisciplinar para mulheres vítimas de violência. Em 2019, a Agência Pública mostrou que Damares não estava usando na prática o orçamento para o CGU aponta irregularidades e prejuízos aos cofres públicos em programa de Damaresprojeto.
A senadora Damares Alves foi procurada, mas ainda não respondeu os questionamentos da reportagem.
A CGU também apontou divergências entre os orçamentos apresentados no plano de ação do Abrace o Marajó, os valores indicados no painel de monitoramento do programa e os custos identificados na auditoria. Essas divergências são apontadas em, pelo menos, sete ações: o programa Mais Luz para Amazônia; a construção, ampliação ou reforma de creches, pré-escolas, escolas, quadras esportivas e coberturas de quadras esportivas; a obra de saneamento básico de Salvaterra; o projeto Famílias Fortes (que capacitaria agentes municipais para ensino à distância); ações de saúde para as populações ribeirinhas das áreas remotas do Arquipélago do Marajó; a Casa da Mulher Brasileira; e o programa de investimento na aviação regional.
Outro problema apontado pela CGU é que o Ministério de Damares não checava as informações do painel de monitoramento do Abrace o Marajó. O monitoramento funcionava assim: o governo coletava mensalmente dados das instituições parceiras sobre o andamento dos projetos, inclusive do que foi gasto do orçamento e o que foi entregue. Contudo, segundo a CGU, o Ministério não verificava se as informações enviadas estavam corretas. Isso levou, por exemplo, a mais de cem registros de projetos em execução com status “em execução”, porém sem nenhuma informação sobre o que foi entregue.
A CGU também identificou um período no qual o monitoramento não aconteceu. Durante quase um ano, de maio de 2021 até fevereiro de 2022, não há registros da alimentação de dados pelos parceiros.
Segundo a CGU, o programa não adotou monitoramento a partir de sistema de indicadores. O objetivo geral do Programa Abrace o Marajó era melhorar o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), medida que indica três dimensões do desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda. Para a CGU, no entanto, o indicador não é válido para o programa, já que não permite medir o desempenho e resultados. O relatório de avaliação ainda diz que não foi possível analisar os resultados de indicadores e metas já que eles não foram definidos.
O Abrace o Marajó envolvia recursos na ordem de R$ 720 milhões, segundo o Plano de Ação 2020-2023. O atual governo apontou superficialidades nas ações realizadas pelo programa, que foi descontinuado e substituído pelo Cidadania Marajó.