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Vídeos ensinam calibragem, manutenção e operação de modelos de armas furtadas e ficaram públicos nas redes por 3 anos

Reportagem
25 de outubro de 2023
04:00
Este artigo tem mais de 1 ano

Logo após a revelação do furto de 21 metralhadoras do arsenal de guerra do Exército em Barueri (SP), militares colocaram panos quentes no caso ao afirmar que as armas desaparecidas estariam “inservíveis” e só funcionariam após manutenção. Em junho de 2020, porém, o próprio Exército publicou abertamente nas redes sociais uma série de vídeos didáticos com técnicas de manutenção e uso de um dos modelos furtados no último dia 10 de outubro – capaz de disparar 550 tiros de alto calibre por minuto – e ninguém foi responsabilizado pelo conteúdo, que deveria ser de uso interno dos militares. 

Os vídeos ficaram públicos por mais de três anos em contas oficiais do Exército no Facebook e YouTube, sem qualquer restrição, como revelado pelo site Sociedade Militar. Com acesso ao material, removido das redes sociais pelo atual comando militar dias após o crime em São Paulo, a Agência Pública apurou quem eram os oficiais responsáveis pela obra – por comandarem batalhões e grupamentos que elaboraram os vídeos, afinal.

Vídeo publicado em contas oficiais do Exército ensina a montar, desmontar e fazer manutenção de metralhadora do mesmo modelo das armas furtadas em São Paulo

Militares de brigadas e batalhões subordinados ao Comando Militar do Sul, no Rio Grande do Sul, produziram as videoaulas ensinando modos de calibragem, manutenção e operação para metralhadoras Browning .50 – modelo cobiçado pelo crime organizado e que estava entre as armas levadas do arsenal militar em São Paulo. À época da produção dos vídeos didáticos, o Comando Militar do Sul estava sob responsabilidade do general Valério Stumpf Trindade, chefe do Estado-Maior do Exército até abril passado, quando ele passou para a reserva.

Os vídeos consultados pela Pública mostram que a iniciativa foi liderada pelo 3º Grupamento Logístico do Exército, que publicou o conteúdo em seu perfil no Facebook no dia 29 de junho de 2020. À época, o grupamento era comandado pelo então coronel de cavalaria Marcelo Lorenzini Zucco – irmão do deputado federal Zucco (Republicanos-RS), que presidiu a recente CPI contra o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) no Congresso.

Coronel de cavalaria Marcelo Lorenzini Zucco

Ainda no governo Bolsonaro, o militar Zucco virou comandante da 1ª Brigada de Infantaria de Selva, em Roraima. Era ele, afinal, quem comandava tropas na mesma região onde o garimpo avançou como nunca contra os indígenas Yanomami.

Em 2022, Marcelo Zucco foi cobrado durante uma audiência no Congresso por supostamente não combater efetivamente o garimpo ilegal, como relatado pelo observatório De Olho nos Ruralistas. Zucco voltou para o Comando Militar do Sul recentemente, quando foi nomeado como adido do Comando em maio passado, já no governo Lula.

General Valério Stumpf Trindade

O único militar que aparece nomeado nos vídeos é o major Jonas Chaves de Almeida, que foi promovido a tenente-coronel ainda no governo Bolsonaro, em 23 de agosto de 2022, como mostra o Diário Oficial da União. À época, ele era chefe de armamento do 3º Grupamento Logístico do Exército, organização subordinada à 3ª Região Militar e ao Comando Militar do Sul.

Os vídeos consultados pela Pública mostram que a iniciativa foi liderada pelo 3º Grupamento Logístico do Exército

Em um dos vídeos, o militar explica que “o Exército Brasileiro conta com três modelos distintos de metralhadora .50” e que, juntamente com o 19º Batalhão de Infantaria Motorizado, o 3º Grupamento Logístico faria “os vídeos de instrução apresentando as diferenças e as formas de manejo e preparação para o tiro” dessas armas.

“Nos próximos vídeos desta série, iremos verificar com mais detalhes todos os cuidados e os procedimentos a serem adotados com cada um dos modelos do armamento”, afirma ainda o major, ao fim do conteúdo – com 4 minutos e 34 segundos de duração. O Exército só tirou o material de suas redes sociais após a notícia sobre o furto das metralhadoras, o pior do tipo registrado desde 2009, dentre as quais havia 13 metralhadoras Browning .50.

Oficiais foram promovidos ou para a reserva

Como anunciado pelo major Jonas nos vídeos, além de ser exibido por meio das logomarcas oficiais dos grupamentos e batalhões, o material teve apoio de outros braços do Comando Militar do Sul.

A série de vídeos sobre a metralhadora Browning .50 foi feita com apoio do Comando da 3ª Região Militar, então liderado pelo general de divisão Riyuzo Ikeda; do 19º Batalhão de Infantaria Motorizado, do então coronel Marcos Paulo Moreira da Silva; e do 3º Batalhão de Suprimento, do então tenente-coronel Jason Silva Diamantino.

Atualmente, o ex-comandante da 3ª Região Militar Riyuzo Ikeda trabalha como gerente de programa estratégico no Departamento de Educação e Cultura do Exército no Rio de Janeiro.

General de divisão Riyuzo Ikeda (à esq)

Riyuzo Ikeda foi nomeado para o cargo no Rio de Janeiro em 21 de setembro passado pelo atual comandante do Exército, general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva. O militar trabalha no regime de Prestação de Tarefa por Tempo Certo – manobra usada à exaustão durante o governo Bolsonaro para conceder bônus salarial a militares que iam para a reserva. Conforme o Portal da Transparência, seu salário-base gira em torno de R$ 18 mil.

O ex-comandante do 19º Batalhão de Infantaria Motorizado coronel Marcos Paulo Moreira da Silva, por sua vez, entrou para a reserva remunerada do Exército em novembro de 2022, de acordo com o Diário Oficial da União. O militar passou à reserva “a pedido”, ou seja, por vontade própria, mantendo seu salário – pouco mais de R$17 mil, segundo o Portal da Transparência.

Coronel Marcos Paulo Moreira da Silva (à dir), ex-comandante do 19º Batalhão de Infantaria Motorizado

O ex-comandante do 3º Batalhão de Suprimento Jason Silva Diamantino segue na ativa, tendo sido promovido já no governo Lula ao cargo de coronel intendente. Atualmente, ele trabalha como diretor de contabilidade no Comando do Exército em Brasília, segundo o Diário Oficial da União, com vencimentos mensais na casa dos R$17 mil – conforme o Portal da Transparência.

Ex-comandante do 3º Batalhão de Suprimento Jason Silva Diamantino

A Pública perguntou ao Exército qual era a justificativa para disponibilizar tais conteúdos ao público em geral por mais de três anos. Além disso, questionou se a divulgação dos vídeos foi autorizada pelos comandantes das organizações militares envolvidas no caso e se o atual comandante da Força, general Tomás Miné Ribeiro Paiva, achava correta a decisão de manter tais vídeos abertos na internet por mais de três anos. 

Em resposta, o Centro de Comunicação do Exército disse que os vídeos eram destinados aos oficiais do Comando Militar do Sul, “em virtude das peculiaridades e cuidados com o aquele tipo de armamento”, e que os conteúdos “foram removidos atendendo às orientações de segurança”.

Os militares disseram ainda que estariam tomando ações para “evitar que outros materiais dessa natureza voltem a circular”, sem mais detalhes. O Exército também não informou se algum procedimento interno de investigação foi – ou será – aberto para apurar responsabilidade de oficiais da ativa e da reserva pelo caso.

Edição:
Reprodução
Sargento Pires/Comando Militar do Sul
Ministério de Minas e Energia
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Exército Brasileiro
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