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É a economia (e a saúde), estúpido!

Muito além do calorão, crise climática já está se tornando uma crise econômica, com impactos sobre energia e agricultura

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17 de novembro de 2023
06:00
Este artigo tem mais de 1 ano

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Toda semana eu penso em temas para tratar aqui nesta coluna que fujam um pouco do noticiário – com o perdão do trocadilho – literalmente quente, em um esforço de não apenas olhar para o que aconteceu, mas de fazer uma análise mais prospectiva sobre o que está por vir. Tenho falhado miseravelmente. Escrevendo este texto em meio à quarta onda de calor dos últimos meses, fica difícil raciocinar sobre qualquer outra coisa ou mesmo manter o espírito esperançoso de que dias melhores virão. Sejamos, então, pragmáticos. 

Não preciso repetir o que 116 milhões de pessoas que estão vivendo sob alerta máximo de calor estão sentindo na pele nos últimos dias, com temperaturas batendo recordes (e sensações térmicas beirando o absurdo), mas queria destacar um outro tipo de notícia que começou a pipocar nas últimas semanas: 

  • Calor faz consumo de energia bater recorde;
  • Calor começa a impactar inflação e ameaça preço de alimentos e tarifa de energia;
  • Eventos climáticos extremos e seguidos impõem prejuízo bilionário ao agro;
  • Celulares e TVs podem ficar mais caros com seca na Zona Franca de Manaus.

Ou seja, já está pegando no bolso. E se tem uma coisa que empreendedores, empresários e políticos não gostam é de crise econômica. 

Não é de hoje que se alerta que a emergência climática, mais do que um problema ambiental, vai ser (já está sendo, na real) um baita problema econômico. Só para ficar em um exemplo mais recente, o Banco Mundial divulgou um relatório em maio calculando que eventos extremos como secas, tempestades e inundações em cidades já estão causando perdas no Brasil de cerca de R$ 13 bilhões por ano.

A estimativa é que entre 800 mil e 3 milhões de brasileiros podem ser empurrados para a extrema pobreza até 2030 em decorrência dos impactos desses eventos.

Esse tipo de estudo costuma ser bem noticiado pela imprensa, mas eu não tenho bem certeza se ele é capaz de causar um impacto nos leitores, seja porque trata de projeções futuras, seja porque faz um balanço de eventos do passado dos quais em geral ninguém lembra mais. 

A diferença para o noticiário recente me parece ser justamente o timing. Estamos reportando em tempo real a deterioração econômica e estrutural provocada pela mudança climática e pela nossa total falta de adaptação a ela. 

Veja o exemplo do agronegócio, que teve perdas de R$ 33,7 bilhões só neste ano em decorrência da instabilidade climática. Ao mesmo tempo que o setor está alavancando o PIB do Brasil, em especial da região Centro-Oeste, é esta, também, a área do Brasil onde se estima que haverá o maior aquecimento das próximas décadas. São cidades do Mato Grosso, do Mato Grosso do Sul e da Bahia que estão entre as mais quentes da atual onda de calor. Não dá para imaginar que toda essa pujança vai se manter se o planeta continuar aquecendo.

Agora veja o círculo vicioso perigoso da questão energética. Está quente demais, impossível ter conforto térmico (e saúde, para ser honesta) sem ar-condicionado, todo mundo liga os aparelhos ao mesmo tempo, gerando um pico de consumo de energia. Bem verdade que a maior parte da nossa geração de eletricidade é por fontes renováveis, mas o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) resolveu acionar também algumas usinas termelétricas para suprir a demanda recorde. 

Bem, térmicas são movidas a combustíveis fósseis, que emitem os gases de efeito estufa, que aquecem ainda mais o planeta. E, assim, vamos nos complicando cada vez mais. Agora imagina as ondas de calor em países que não têm uma matriz elétrica limpa e aumentam o consumo de luz com ar condicionado. É resolver o calor por um lado para piorá-lo por outro.

Seria possível buscar outras alternativas. Uma reportagem superinteressante da Folha de S.Paulo mostrou como a cidade de São Paulo, ao longo dos anos, “abandonou técnicas construtivas que reduzem a exposição do interior do imóvel à luz solar e, por isso, diminuem a necessidade de sistemas de refrigeração com alto consumo de energia”. É preciso voltar a aplicar essas técnicas.

Fora que o maior consumo de energia e o acionamento das térmicas levam a um aumento da conta de luz, piorando a desigualdade social. Só conta com ar condicionado quem pode pagar. Quem não pode não só passa calor, como pode ficar doente. No último fim de semana, a cada duas horas, uma pessoa precisou de atendimento médico na rede pública do Rio por causa do calor extremo.

Os mais vulneráveis, como sempre, são os idosos. Um relatório publicado pela revista médica Lancet nesta terça-feira (14) alertou que as mortes relacionadas ao calor de pessoas com mais de 65 anos aumentaram 85% em todo o mundo na última década, na comparação com a última década dos anos 1990.

O Lancet Countdown aponta que no ano passado a humanidade esteve, em média, exposta a 86 dias de altas temperaturas potencialmente perigosas para a saúde. E estima que o número de mortes relacionadas ao aumento das temperaturas pode crescer quase cinco vezes até a metade do século.

Os autores não poupam críticas à inação de governos, empresas e bancos que são acusados de “negligência” por continuar investindo em petróleo e gás ao mesmo tempo que os desafios e os custos da adaptação aumentam e o mundo se aproxima de danos irreversíveis. Sem uma mitigação profunda e rápida para combater as causas profundas das alterações climáticas, dizem, a saúde da humanidade corre um grave risco.

No Brasil, como noticiamos esta semana aqui na Agência Pública, já estamos passando, em média, mais de 50 dias ao ano sob ondas de calor.

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