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Javier Milei também seguiu o manual de Steve Bannon

Assim como Trump e Bolsonaro, novo presidente da Argentina é um populista digital

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21 de novembro de 2023
18:12
Este artigo tem mais de 1 ano

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Com uma larga vitória sobre o rival Sergio Massa, de 55% a 44% dos votos – quase a exata porcentagem da eleição de Jair Bolsonaro em 2018 – Javier Milei torna-se mais um expoente da extrema direita radical a assumir um país no continente através do voto popular. Assim como nos agora longínquos anos da eleição de Bolsonaro, houve, sim, campanhas de desinformação impulsionadas pela sua equipe, mas isso não significa que elas tenham tido impacto decisivo.

Como me explicou a pioneira do fact-checking na América Latina, a jornalista Laura Zommer, diretora-geral do site Chequeado, fatores como o desastre da economia e a crescente pobreza foram muito mais importantes. “Sim, vimos e detectamos desinformação durante a campanha – que afetou ambos os candidatos. No entanto, não temos nenhuma evidência que isso tenha influenciado na definição das eleições”, diz ela.

Isso não significa, claro, que o mais novo fenômeno da ultradireita global tenha fugido à regra do movimento de “populismo conservador” preconizado por Steve Bannon, estrategista de Donald Trump e aliado de Eduardo Bolsonaro. Pelo contrário: muitos dos fatores-chaves que geraram o bolsonarismo e o trumpismo estão presentes nesta onda.

A primeira delas, como já apontei muitas vezes por aqui, é: Milei também é um populista digital.

“Assim como aconteceu na primeira campanha de Bolsonaro, Milei é um candidato digital, com uma massa de gente que o apoiava nas redes, no TikTok, com apelo principalmente a homens jovens. E o peronismo era mais analógico”, diz Laura Zommer.

Sabendo usar os fatores que impulsionam mensagens nas redes sociais – o ódio, o escândalo, a repulsa – Milei cresceu ao se tornar figura carimbada em programas de TV argentinos propondo não apenas teses econômicas radicais, mas xingando todo mundo. Seu maior trunfo talvez tenha justamente dessacralizar (quase) todos os grandes símbolos do imaginário argentino, do papa Francisco (“é o representante do maligno na Terra”) até Maradona (“Mardedroga”), além de ter abandonado o seu time Boca Juniors para torcer para o Riverplate. Literalmente um “vira-casacas”: talvez não haja maior anti-herói para o público argentino.

Ao mesmo tempo, assim como todos os ascendentes autocratas que navegam nas paixões digitais, Milei tem um apelo específico para o público masculino, e jovem. Sabemos que nos últimos anos uma das poucas coisas que avançou na Argentina foram os direitos das mulheres, depois de uma luta heroica das feministas que do movimento Ni Una a Menos, que conseguiram, depois de muitos protestos e mobilização, legalizar o aborto no país. As demonstrações de machismo e misoginia de Milei são muitas, e talvez muito bem calculadas, uma vez que sua principal mentora política é sua irmã, a quem chama de “meu chefe”. Também não é a toa que Milei prometeu, de um lado, tentar voltar a proibir o aborto, e por outro, eliminar o ministério das Mulheres.

Cada país tem o Bolsonaro que merece, eu poderia dizer, como maneira de explicar que, em cada contexto, florescem as características locais do “macho” que sente ter perdido seu lugar social para os recentes avanços do movimento feminista.

Bolsonaro é o macho que se vale da dualidade “virilidade e impotência” como apontou a socióloga Silvia Viana em conversa para essa coluna, aquele tiozão do churrasco que chama para a briga e sai correndo por covarde; Trump é o self-made-man, o empresário narcisista que cresce na vida usando todas as trapaças que o capitalismo lhe permite. Milei, segundo descreve o marqueteiro Fernando Cerimedo no Podcast “Sem Controle”, do El País, “Milei um pouco é como o amigo que diz ‘são todos ladrões’, ‘têm que ir todos a merda’”, diz. “E as pessoas também pensam assim”.

É uma figura de apelo popular, com quem os argentinos se identificam, e que opera, também, em dar voz a uma minoria que se sente reprimida em sua liberdade de dizer o que pensa. Destruir consensus, ser iconoclasta, ajuda não apenas a ganhar atenção nas redes – o ódio é o que mais gera clicks, views e ratings seja a cada aparição dele na TV, seja a cada postagem ou história absurda sobre clonar cães ou coisas que o valha. O uso das redes sociais o ajuda, portanto, a criar um “movimento” sem massa, movimento que dá identidade àqueles que o seguem, criando a ilusão de que são maioria. Cria-se uma “identidade”, pertencimento. Alguns meios já começam a falar sobre um “mileísmo”.

Para a ascensão de Milei, foi fundamental a aliança com influenciadores que cresceram durante a pandemia questionando o duríssimo regime de quarentena imposto pelo governo de Alberto Fernandes – e que não impediu, diga-se, mais de 120 mil mortos, levando a Argentina a ser um dos países com a maior taxa de mortes pela covid, proporcionalmente. São nomes como Iñaki Gutiérrez, de 22 anos, que tem mais de 5 milhões de seguidores no TikTok e que hoje administra a conta de Milei na rede.

O negacionismo científico, portanto, também está no DNA do populismo de Milei, assim como a denúncia do “marxismo cultural” e do “avanço do comunismo” – todos esses são “talking points” retirados do manual de Steve Bannon.

Mas talvez não haja ponto mais revelador do alinhamento com o movimento de Bannon do que os sussurros de “fraude eleitoral” que foram espalhados pelo anarcocapitalista e seus apoiadores do primeiro turno das eleições argentinas, e que se desenhavam, já, como talvez a maior ameaça pós-eleição, se Milei não tivesse ganhado.

Como já relatamos aqui na Agência Pública, Fernando Cerimedo, o marqueteiro da campanha, é o mesmo argentino que mentiu sobre fraude nas urnas brasileiras em um live que fez no seu canal Derecha Diario no começo de novembro do ano passado – o que levou à 1ª suspensão do seu canal no Brasil. O mesmo Cerimedo, semanas antes, havia pago uma viagem de Eduardo Bolsonaro a Buenos Aires, onde o apresentou para Milei e outras figuras da extrema direita argentina.

Pois, pouco depois do primeiro turno das eleições argentinas, Milei disse que “houve irregularidades de tal magnitude que colocaram o resultado em dúvida”. O site Chequeado elencou e desmentiu diversas alegações de fraude que estariam correndo naquele primeiro turno, de cédulas rasuradas a boatos sobre urnas com faixas vermelhas.

A caminho do segundo turno, a coligação de Milei, La Liberdad Avanza, subiu o tom. A coligação afirmou que a Gendarmaria Nacional, principal força de segurança do país, teria alterado “o conteúdo das urnas e a documentação” para favorecer Massa no 1º turno. A irmã de Milei, Karina, chegou a enviar uma carta a respeito para um tribunal eleitoral, mas a coligação afirmou que a fonte preferia “permanecer anônima”. A Justiça eleitoral pediu explicações, e o advogado da coligação voltou atrás.

Mesmo assim, os comentários sobre fraude passaram a ser mais frequentes, a ponto da Câmara Nacional Eleitoral, o TSE argentino, ter que convocar uma reunião para a véspera do pleito, no sábado, 18 de novembro, com os representantes das campanhas de Massa e de Milei – no seu caso, a sua própria irmã – onde se pediu “preservar a convivência democrática”.

Não foi preciso pagar pra ver. O povo argentino deu uma ampla vitória a Milei, que encara agora o mesmo desafio de Trump e Bolsonaro – manter-se radical e ser um péssimo presidente para garantir que seu movimento siga vivo, ou tornar-se um político de verdade e governar o seu país.

Seja o caminho que escolher, se há uma coisa que aprendemos nos últimos anos é que haverá, sem dúvida, uma ampla gama de oportunistas que vão aderir ao seu governo e o apoiar, não importa o quão maluco e prejudicial ele seja para a democracia argentina.

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