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Inspirado em investigação da Agência Pública, projeto propõe mais prazo a ações reparatórias sobre crimes sexuais

Reportagem
7 de dezembro de 2023
12:00
Este artigo tem mais de 1 ano
Especial Caso K

Ouça agora o podcast Caso K – A história oculta do fundador da Casas Bahia.

Em abril de 2021, a Agência Pública publicou uma série de reportagens revelando que o fundador das Casas Bahia, Samuel Klein, teria mantido uma rede de exploração sexual de meninas e mulheres por três décadas – sem jamais ser incomodado nem pela polícia, nem pela justiça, nem pela imprensa. Foram dezenas de entrevistas com vítimas e ex-funcionários das Casas Bahia que indicam que os abusos aconteciam até dentro da sede da empresa, em São Caetano do Sul (SP). Samuel Klein morreu em 2014 impune, sem nunca ter sido condenado por nenhuma das acusações. 

Malu*, com 43 anos, é uma das dezenas de vítimas entrevistadas pela Pública. Ela contou como teria sido abusada pela primeira vez aos nove anos de idade, em 1987, em uma residência de veraneio do empresário em Santos (SP). Se Malu* decidisse entrar na justiça à época, teria dificuldades pelo curto prazo de prescrição — o Código Civil prevê que vítimas têm até três anos para entrar com ações de reparação de qualquer tipo. Em relação às vítimas menores de 16 anos, o prazo fica suspenso até que elas atinjam essa idade e então valem os mesmos três anos previstos em lei. 

Diante das dezenas de relatos colhidos pela Pública, a deputada Sâmia Bomfim (PSOL) propôs, em 2021, o PL 4186, que propõe aumentar de três para 20 anos o prazo para ações reparatórias sobre crimes sexuais contra crianças e adolescentes. O projeto foi aprovado em votação simbólica na Câmara nesta quarta-feira (6) e vai agora ao Senado, com chance de alterar o código civil dando mais tempo para as vítimas buscarem indenização. 

Fachada das Casas Bahia, com placa de seu fundador Samuel Klein. Em entrevista, Sâmia Bomfim (PSOL) reiterou que os casos envolvendo Samuel Klein motivaram a proposta
Em entrevista, Sâmia Bomfim (PSOL) reiterou que os casos envolvendo Samuel Klein motivaram a proposta

Como mostrou a Pública, a norma atual dificultou que Francielle Wolff Reis, uma das mulheres que acusam Samuel Klein de abuso durante a adolescência, obtivesse reparação. Seu pedido foi negado por uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo em 2021. A sentença dos desembargadores Costa Neto e Ademir Modesto de Souza argumentou que o prazo para que Francielle entrasse na justiça contra seu suposto agressor tinha estourado, declarando o caso prescrito sem julgar os fatos. Segundo a sentença, o prazo de três anos para recorrer à justiça havia acabado cerca de dois meses antes de Francielle ter iniciado o processo, em 2013. 

“É muito triste porque a gente sofre abuso, tem medo e aí quando se encoraja já não tem mais direitos”, disse Francielle à época. Ela relata ter sido submetida a uma rotina de violações sexuais por dois anos, de 2008 até janeiro de 2010 quando sua mãe descobriu os abusos e quebrou o ciclo de violência. Francielle conta que no ano seguinte fez uma denúncia na Delegacia da Mulher de Carapicuíba (SP) e durante um ano tentou conseguir um advogado público para entrar com um processo contra Samuel Klein, conhecido como ‘rei do varejo’. Por falta de recursos financeiros e problemas de saúde mental, Francielle e a mãe contam que só conseguiram um advogado que topasse iniciar a ação cerca de dois anos depois, dando entrada no processo em março de 2013, quando ela tinha 19 anos, três anos e dois meses após o último abuso relatado.

PL foi inspirado em denúncias da Pública

Sâmia Bomfim (PSOL) reiterou em entrevista à reportagem após a aprovação do projeto que os casos envolvendo Samuel Klein motivaram a proposta. “Um dos aspectos que nos chamou a atenção nesse caso é o prazo muito curto para que as vítimas possam pedir reparação. Porque nesse caso, ele [Samuel Klein] já faleceu. Então ele não pode ser preso, mas ele deixou uma fortuna imensa, inclusive para o seu filho. E, por conta de um prazo tão pequenininho, vítimas como elas, mas tantas outras, não conseguem e lutam por um mínimo de justiça”, disse.

A deputada lembrou ainda que grande parte dos casos de violência sexual no Brasil são contra menores. Ela defendeu que o prazo atual não é suficiente, já que parte das vítimas só se sentem encorajadas a denunciar os crimes depois de se tornarem adultas. “Eu acho que é importante porque aqui a gente sempre aprova muitos projetos relativos à violência contra a mulher, mas a maioria deles é para mulheres adultas. São poucos os projetos voltados para as crianças e adolescentes. A gente fala daquelas que, na verdade, são a maioria das vítimas de abuso, que nem sempre estão na atenção do poder público”, destacou.

O projeto foi votado em função do Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, comemorado no Brasil, desde 2007, em 6 de dezembro. A sessão foi presidida pelas deputadas Maria do Rosário (PT-RS) e Soraya Santos (PL-RJ). Os deputados que estavam presentes no plenário receberam das colegas laços brancos, símbolo da campanha. Além do PL 4186/2021, a bancada feminina na Câmara também articulou a aprovação de projetos que visam combater a violência contra a mulher, como o que permite o uso de tornozeleira eletrônica para agressores e a criação do “Protocolo Não é Não”, para atender vítimas de violência sexual ou assédio em espaços de lazer, como bares e restaurantes.

Caso Klein vai virar série em Podcast

Durante os cinco meses de investigação, entre outubro de 2020 e abril de 2021, quando a primeira reportagem da série foi publicada, a equipe de reportagem ouviu mais de 40 fontes, entre mulheres que acusam Samuel Klein de crimes sexuais, advogados e ex-funcionários da Casas Bahia e da família, consultou processos judiciais e inquéritos policiais, teve acesso a documentos, fotos, vídeos de festas com conotação sexual e declarações de próprio punho das denunciantes, além de gravações em áudio que indicam que, ao menos entre o início de 1989 e 2010, Klein teria sustentado uma rotina de exploração sexual de meninas entre 9 e 17 anos dentro da própria sede da Casas Bahia, no centro de São Caetano do Sul, e em imóveis de sua propriedade situados na Baixada Santista e no município de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. 

O empresário teria organizado um esquema de recrutamento e transporte de meninas, com uso de seus helicópteros particulares, que teria contado até mesmo com a participação de seus funcionários, para festas e orgias acobertadas com pagamentos às meninas e familiares com dinheiro e produtos das lojas espalhadas pelo país.

Mas o que foi revelado em 2021 era só a ponta do iceberg. E com o apoio de leitoras e leitores, a Pública vai lançar no próximo ano uma série em podcast sobre o caso Klein. Na campanha de arrecadação de recursos realizada neste ano, mais de 1700 pessoas se mobilizaram para ajudar a viabilizar o projeto por concordarem que essa história não pode ser esquecida.

José Cícero da Silva/Agência Pública

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