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COP28 marca ‘o começo do fim’ dos combustíveis fósseis

Depois de duas semanas dramáticas em que parecia que não haveria acordo, era dos fósseis pode estar começando a declinar

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13 de dezembro de 2023
16:28

Tradicionalmente, esta coluna é publicada no site às sextas-feiras, e a correspondente newsletter é enviada às quintas-feiras, ao 12h. Contudo, nesta semana, estamos publicando a coluna de forma extraordinária nesta quarta-feira, porque a COP acabou hoje e temos muito a contar sobre ela. Texto ainda mais quentinho que o tradicional. Para receber as próximas edições, inscreva-se aqui.

DUBAI – Nos corredores da 28ª Conferência do Clima da ONU (a COP28), em Dubai, na última segunda-feira (11) à noite, a sensação era de que tinha sido jogado um balde de água fria na cabeça de todo mundo que pedia, havia duas semanas, por uma decisão dos países de colocar um fim ao uso dos combustíveis fósseis. Cerca de 42 horas depois, o humor tinha mudado e representantes de quase 200 países aplaudiam de pé que havia se chegado a um acordo considerado histórico.

O documento final da conferência, batizado com o pretensioso nome de “Consenso dos Emirados Unidos”, pode até não propor, com todas as letras, o abandono de petróleo, carvão e gás natural. Mas recomenda que os países contribuam com os esforços globais para que, de modo alinhado com a meta de conter o aumento da temperatura a 1,5 ºC, se faça a “transição para a saída dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos de uma maneira justa, ordenada e equitativa, acelerando as ações nesta década crítica, de modo a atingir o zero líquido até 2050, em linha com a ciência”. 

É o mais perto que se conseguiu chegar da demanda feita pelos países mais vulneráveis às mudanças climáticas, por cientistas e ambientalistas, que pediam a eliminação gradual dos combustíveis fósseis – o phase out, em inglês. Apesar de não ter sido adotada essa expressão mais ambiciosa (ficou transitioning away no documento), a decisão foi comemorada como vitória. É a primeira vez que uma conferência do clima resolveu atacar o maior causador do problema que elas buscam solucionar. Até então, concentrava-se em esforços mais amplos para reduzir emissões, mas não se fazia menções explícitas sobre as fontes.

Eu e minha colega Anna Beatriz Anjos, que acompanhou as negociações desde o primeiro dia, ouvimos de alguns negociadores que, no final das contas, as duas expressões (phase out e transitioning away) em inglês acabam tendo um significado prático muito parecido, mas o primeiro tinha virado “tóxico” demais e ninguém mais iria aceitar. 

“Embora não tenhamos virado a página da era dos combustíveis fósseis em Dubai, este resultado é o começo do fim”, resumiu o secretário-executivo da Convenção do Clima da ONU (Simon Stiell). “O mundo precisava encontrar um novo caminho. Juntos, confrontamos as realidades e colocamos o mundo na direção certa. Demos-lhe um plano de ação robusto para manter o 1,5 ºC ao nosso alcance”, afirmou o presidente da COP28, Sultan al-Jaber. “Temos uma linguagem sobre combustíveis fósseis no nosso acordo final.”

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, que chefiava a delegação brasileira na cúpula, também comemorou a saída encontrada. “Porque a ciência já estabeleceu esse diagnóstico [de que é preciso eliminar os combustíveis fósseis] há 31 anos [quando foi realizada a Rio-92]. Mas nós ficamos só cuidando da febre, cuidando da dor de cabeça, cuidando de outras coisas [mas não atacando o problema]”, me disse após o martelo ser batido.

Havia uma forte pressão, principalmente dos países-ilha – que estão na linha de frente dos eventos extremos e do aumento do nível do mar –, para que o resultado fosse muito mais ambicioso e realmente decretasse o fim dos combustíveis fósseis, com um cronograma que começasse a ser cumprido pelos países desenvolvidos e só depois pelos em desenvolvimento.

Logo depois de Al-Jaber listar tudo o que considerou como avanço nesta COP, Anne Rasmussen, negociadora de Samoa – um dos países-ilha –, fez um pronunciamento incisivo, dizendo que o processo falhou com essas nações. “Nos referimos à ciência ao longo de todo o texto, mas nos abstemos de chegar a um acordo para tomar as medidas relevantes, a fim de agir em conformidade com o que a ciência diz que temos de fazer. Não é suficiente fazermos referência à ciência e depois fazermos acordos que ignoram o que a ciência nos diz que precisamos fazer”, afirmou.

Anne se referia ao fato de que a ciência é muito clara em dizer que é preciso chegar ao pico das emissões globais já em 2025, o que nos dá pouco tempo para ir “transitioning away” – eu imagino essa construção como ir se afastando de algo devagarinho. Para o Observatório do Clima, rede brasileira de ONGs relacionadas ao clima, o resultado é “importante, inédito, mas ainda insuficiente para garantir o que o presidente da COP28, Sultan Al-Jaber, chamou de “estrela-guia” da negociação, o objetivo de estabilizar o aquecimento em 1,5 ºC”.

A decisão referente à energia foi o resultado mais simbólico do chamado Global Stocktake (GST) – o balanço global de tudo que foi feito (ou não) desde a adoção do Acordo de Paris, em 2015, e a definição de estratégias para fechar as lacunas, a fim de colocar o planeta nos trilhos para esquentar menos do que já aqueceu. Há oito anos, quando cada país foi convidado a oferecer sua contribuição para resolver o problema, já se sabia que as metas combinadas eram insuficientes para isso. E o cenário do planeta só piorou desde então.

A crise climática se instalou de modo estridente entre nós. 2023 vai fechar como o ano mais quente do registro histórico, cerca de 1,2ºC acima da temperatura média antes da Revolução Industrial. A expectativa é que chegaremos a 1,5ºC já na próxima década, e a ciência é muito clara em dizer que só vamos conseguir parar por aí se as emissões de gases de efeito estufa caírem 43% até 2030, chegando ao zero líquido até 2050. Esse conceito implica em ter estratégias para compensar emissões que ainda estiverem ocorrendo, com restauração florestal, por exemplo, ou outras tecnologias.

Desse modo, era imprescindível atacar o problema. É a queima dos combustíveis fósseis a responsável por cerca de 70% das emissões globais de gases de efeito estufa. Mas no evento que se convencionou chamar de COP do petróleo – por ocorrer nos Emirados Árabes, um dos maiores produtores do combustível do mundo –, e diante da pressão forte de outras nações petroleiras para que não se chegasse a nenhum acordo nesse sentido, as expectativas eram muito baixas. 

Fora todo o trabalho de mais de 2 mil lobistas da indústria do petróleo que estavam por lá tentando influenciar todo mundo.

Na segunda semana da cúpula, que começou em 30 de novembro, o ânimo em torno do tema cresceu, depois de surgirem diversas propostas para que o phase out fosse incluído no balanço global. A alternativa proposta pela presidência, no entanto, para tentar conciliar os interesses diversos, era fraca demais. E chegou-se a temer que pudesse não haver um acordo. Isso comprometeria as próximas etapas de negociação climática, inclusive a COP30, que será realizada em Belém, em 2025. 

Daqui a dois anos, com base no que foi indicado no balanço global, os países terão de apresentar novas metas, as chamadas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs), mais ambiciosas que as de 2015 e alinhadas com o objetivo de manter a temperatura em 1,5ºC. Para isso, deixar fortes recomendações sobre os caminhos para chegar lá eram tão importantes. 

Afinal, o Acordo de Paris já tinha uma meta de temperatura: ficar bem abaixo de 2ºC, com esforços para ficar em 1,5ºC. De lá para cá, porém, não só a ciência falou em alto e bom som: 2ºC vai dar ruim demais; como ficou evidente que os planos dos países eram singelos demais para o desafio.

Em Dubai, os países concordaram em criar uma espécie de grupo de trabalho de agora até Belém, passando por Baku (Azerbaijão), onde vai ocorrer a COP do ano que vem, para estabelecer o mapa do caminho para traçar a missão 1,5ºC – proposta feita pelo Brasil.

Além de pedir que os países façam a transição para além dos fósseis, há recomendações para se triplicar o uso de energias renováveis e duplicar a eficiência energética até 2030 e acelerar o uso de tecnologias de zero ou baixas emissões.

Uns dias antes da COP terminar, um diplomata brincou que talvez a gente pudesse ver o milagre de Dubai – em relação justamente à descrença que se tinha de que haveria algum acordo mais substancioso na COP28. “Vai que?” Milagre talvez seja forte demais não tenha rolado, mas fiquemos, então, com uma expressão que a Marina cunhou. Ela não queria que houvesse uma “pororoca de pressão” em Belém, caso nada ficasse resolvido agora.

“Desde o começo, todo trabalho que o Brasil vem fazendo é no sentido de que a gente possa assimilar esse tema inadiável em relação ao combustível fóssil no percurso das três COPs: a COP28, a COP29 e a COP30. Nós não queremos uma pororoca de pressão na COP30 de algo que não foi sendo assimilado ao longo do processo”, disse a ministra em uma conversa com a sociedade civil na segunda-feira.

Perguntei para a Marina se ela achava que agora não vai ser uma pororoca. “Vamos ver como vai ser a COP29.” Vai ser quando vão ser decididos os chamados “meios de implementação”, como se diz no jargão cheio de siglas e palavrinhas próprias das conferências do clima. Em português claro: falta dinheiro e isso precisa ser acordado no ano que vem, para que aí sim os países possam dizer o que, na prática, eles vão fazer.

Pois é. As coisas, quando se fala no esforço hercúleo para combater a tragédia climática que estamos vivendo, nunca estão realmente resolvidas e sempre tem a próxima COP pela frente, tudo com avanços sempre muito incrementais. Há quase exatos oito anos, em 12 de dezembro de 2015, era fechado o tão aguardado Acordo de Paris. Eu estava lá, vi colegas jornalistas se abraçando com lágrimas nos olhos, assim como diplomatas, ministros, ambientalistas. Era uma sensação de: uhu, salvamos o mundo. Ainda estamos salvando o mundo. E ele ainda precisa ser salvo.

*A jornalista Giovana Girardi viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade (iCS).

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