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Lobby do petróleo vai além do negacionismo e atua para barrar alternativas limpas

Estudo revela as estratégias da indústria fóssil para atrasar e enfraquecer as fontes renováveis e os carros elétricos

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12 de julho de 2024
06:00
Ouça Giovana Girardi

Giovana Girardi

12 de julho de 2024 · Estudo revela as estratégias da indústria fóssil para atrasar e enfraquecer as fontes renováveis e os carros elétricos

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Que a indústria do petróleo e do gás, sabendo por décadas que a queima de combustíveis fósseis poderia aquecer catastroficamente o planeta, agiu deliberadamente para negar as mudanças climáticas já é um fato consolidado que deveria entrar para os anais da ganância corporativa contra a humanidade. Eles sabiam e deixaram o circo pegar fogo mesmo assim.

Agora uma nova pesquisa revela como essa atuação foi muito além de negar a ciência climática, gerar dúvidas e desinformar sobre o problema – técnica, aliás, que fez escola e foi adotada, por exemplo, pelo agronegócio. A indústria de petróleo e gás vem agindo sistematicamente há mais de 50 anos para enfraquecer e atrasar tudo o que poderia ser alternativa aos fósseis e a própria transição energética para fontes mais limpas.

O relatório aponta que pelo menos desde 1967 três das mais poderosas associações da indústria de petróleo e gás nos Estados Unidos e na Europa – American Petroleum Institute (API), FuelsEurope e Fuels Industry UK – têm adotado um mesmo manual de narrativas contra as energias renováveis ​​e os veículos elétricos.

O trabalho intitulado “Como a indústria do petróleo manteve o domínio através da influência política” foi divulgado nesta quinta-feira, 11, pelo InfluenceMap, um think tank global sem fins lucrativos que analisa como os negócios e as finanças estão impactando a crise climática. Segundo a investigação, os lobistas do setor se valeram, e ainda se valem, de três estratégias principais que compõem o “manual de narrativas”:

  • O “ceticismo sobre as soluções”, que minimiza sistematicamente o impacto positivo e a viabilidade das fontes alternativas de energia e alega que elas seriam ou desnecessárias ou inviáveis. Por essa estratégia, os lobistas lançam dúvidas sobre a eficácia dessas fontes, ao mesmo tempo que enfatizam os desafios e as incertezas.
  • A “neutralidade das políticas públicas”, por meio da qual eles se opõem a políticas que promovam exclusivamente alternativas aos combustíveis fósseis e deixam nas mãos do mercado e dos consumidores a decisão de adotar tecnologias com baixas emissões. 
  • “Viabilidade financeira e segurança energética”, em que a indústria sublinha que é importante manter fornecimentos de energia seguros e rentáveis e que somente os combustíveis fósseis e o motor a combustão atenderiam a essa necessidade. Mudar para alternativas tecnológicas é enquadrado por eles como um risco significativo.

O relatório do InfluenceMap lembra que as estratégias da indústria do petróleo vão todas na contramão do que recomenda o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. O último relatório do IPCC, lançado em 2022, por exemplo, frisa que a transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis é provavelmente a principal medida que podemos adotar para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e é plenamente viável. 

Os lobistas, no entanto, insistem no contrário. O trabalho resgatou um depoimento da API ao Congresso dos EUA em 1967, que dizia: “Nós, na indústria petrolífera, estamos convencidos de que, quando um carro elétrico puder ser produzido em massa e comercializado, não desfrutará de qualquer vantagem significativa do ponto de vista da poluição do ar. As emissões dos motores a combustão já terão sido controladas há muito tempo”. 

O tempo passou, o carro elétrico se tornou viável, as emissões dos motores a combustão não foram resolvidas, mas o discurso não mudou. Em janeiro de 2023, em depoimento perante a Audiência Pública Conjunta do Senado do Estado de Nova York, o representante da API disse estar preocupado com políticas que incentivam os veículos elétricos porque eles podem “falhar em reduzir adequadamente as emissões”.

“Esperar que a indústria do petróleo e do gás se torne ecológica é pedir ao ator errado que faça a coisa errada. O contínuo “envolvimento” dos investidores com as empresas petrolíferas para que invistam em tecnologias verdes é uma distração que está condenada ao fracasso”, disse Dario Kenner, professor visitante da Universidade de Sussex e autor da pesquisa que embasou o relatório do InfluenceMap.

Especialista no lobby da indústria de petróleo e gás, Kenner é autor do livro Elite poluidora e membro da Climate Social Science Network, que reúne estudiosos especializados em pesquisa de obstrução climática. Para ele, “quem ainda investe na indústria do petróleo e do gás está, na verdade, reforçando conscientemente o poder político desta indústria para pressionar os governos a minar as políticas que aceleram as energias renováveis ​​e a eletrificação dos transportes”.

O trabalho não avaliou o Brasil, mas o papo dos lobistas gringos soa bastante familiar aos argumentos que escutamos internamente. Defensores de gás natural por aqui adotam frequentemente a estratégia da segurança energética a seu favor e contra o crescimento das fontes eólica e solar. 

E estamos vendo algo parecido com o debate sobre a tributação dos carros elétricos – se bem que o lobby, nesse caso, é outro aqui no Brasil: o do etanol. Na regulamentação da reforma tributária em pauta no Congresso, esses veículos acabaram caindo na categoria do chamado “impostos do pecado” – planejado para incidir com uma tarifa maior sobre produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. 

A alegação é que as baterias causam danos ao ambiente. Verdade que a extração de petróleo e gás natural também entrou nessa categoria, mas, com isso, não haverá incentivos para os elétricos, que não emitem gases de efeito estufa – e só por isso são considerados uma importante ferramenta para o combate ao aquecimento do planeta. Já o carvão mineral, o combustível fóssil mais poluente de todos, acabou ficando de fora da taxação.

O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) não fica muito atrás do que faz a API, que, aliás, anunciou recentemente uma “parceria estratégica” com sua contraparte brasileira. O IBP prega que aumentar a exploração de combustíveis fósseis no país é o que vai financiar a transição energética no Brasil. Sempre vale lembrar, porém, que, globalmente, apenas 1% dos investimentos em fontes renováveis de energia teve origem nas petroleiras. 

Para Kenner, em todo o mundo esse argumento é uma grande balela. “Já sabíamos que a indústria do petróleo e do gás financiou a negação das mudanças climáticas depois de seus próprios cientistas terem descoberto que os seus produtos contribuíam para as alterações climáticas. O que este novo dossiê mostra é que é pouco provável que estas empresas alguma vez mudem de rumo. Quando as empresas existentes enfrentam dificuldades para incorporar uma nova tecnologia às suas tecnologias principais, normalmente fazem lobby contra o novo rival. São as novas empresas mais ágeis que impulsionam as novas tecnologias, e não os operadores históricos”, disse.

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