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Conter aquecimento global a 1,5 °C requer ação coletiva sem precedentes

Relatório que mede lacuna entre ações e o que precisaria ser feito aponta que temperatura pode subir até 3,1°C

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25 de outubro de 2024
06:00

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O que você pensaria se estivesse diante de um problema que, para ser resolvido, requeresse uma ação sem precedentes? Algo que você até sabe como fazer, conhece as medidas necessárias, mas que demandaria um nível de esforço, dedicação e de recursos que você nunca empenhou antes? Ah, claro, e em um tempo bem curto também.

Imagino que soe assustador. Agora pense que, sem resolver isso, seu futuro próximo vai ficar ainda mais difícil. Eu diria que, em algumas situações, até impraticável. Você não tem certeza, exatamente, do que pode acontecer a você pessoalmente, mas o leque de possibilidades é todo muito ruim. No mínimo, você pode enfrentar certo desconforto, algumas perdas, coisas de que você gosta podem não ser mais acessíveis ou até desaparecer. No pior cenário, talvez sua vida esteja em perigo. Sua família, sua casa.

É mais ou menos esse o ponto em que se encontra a humanidade diante da emergência climática. Os países sabem muito bem o que precisa ser feito, já concordaram com isso, mas vêm enrolando, enrolando, tomando ações muito tímidas, ainda sem impacto significativo para uma guinada de rumo. O resultado: emissões ainda em alta (bateram o recorde de 57,1 bilhões de toneladas de carbono no ano passado) e aquecimento global acelerado.

Este é o momento do vai ou racha. Só vamos evitar um aumento “catastrófico” das temperaturas se houver uma mobilização massiva e imediata, especialmente dos países do G-20, conduzidos neste ano justamente pelo Brasil.

Esse é o tom de um relatório divulgado nesta quinta-feira (24) pelo Programa para o Meio Ambiente da ONU. O Gap Report (ou Relatório sobre a Lacuna de Emissões) apresenta todo ano um raio X de quanto gás estufa estamos lançando na atmosfera e a lacuna entre as ações que estão sendo tomadas para reduzi-las versus o que seria necessário para conter o aumento da temperatura dentro do que foi acordado pelos países – a 1,5 °C em relação aos níveis pré-industriais. 

Isso é o que foi combinado há quase nove anos, no Acordo de Paris. Mas desde que o mundo decidiu agir coletivamente para tentar conter o aquecimento global, as condições do planeta só pioraram. A lacuna não diminui. De acordo com o Gap Report, a continuidade das políticas atuais vai levar a temperatura média da Terra a subir para 3,1 °C até o fim do século. 

Agora pense que o mundo já está enfrentando ondas de calor, tempestades e secas muito severas com o aquecimento que já provocamos. Nos últimos 15 meses, em 14 deles a temperatura bateu o limiar de 1,5 °C. Os cientistas dizem que ainda não dá para afirmar que esse limite já foi ultrapassado de modo sustentado. 

Ou seja: não quer dizer que o Acordo de Paris já era. Ainda. Mas pode ser questão de apenas mais alguns anos. Por isso o tom de urgência. Porque “cada fração de grau que possa ser evitada conta para salvar vidas, proteger economias, evitar danos, conservar a biodiversidade e a habilidade de rapidamente voltar a baixar a temperatura caso o limite realmente seja ultrapassado”, como frisa Inger Andersen, diretora-executiva do Programa da ONU para o Meio Ambiente, na introdução do relatório.

O relatório indica que, para segurar o aquecimento global nesse patamar de 1,5 °C, as emissões mundiais precisam cair 42% até 2030 na comparação com o que era emitido em 2019. Até 2035, a queda tem de chegar a 57%.

Mas, como desde o Acordo de Paris as emissões cresceram, a tarefa ficou mais difícil. Entre 2022 e 2023, por exemplo, o aumento foi de 1,3%. O que significa que, para alcançar essa meta nos próximos 11 anos, a queda de emissões precisaria ser de 7,5% por ano. Daí que vem a conclusão de que o esforço necessário é sem precedentes.

“Isso exigirá a superação de formidáveis ​​barreiras políticas, de governança, institucionais e técnicas, bem como um aumento sem precedentes no apoio prestado aos países em desenvolvimento, juntamente com uma reformulação da arquitetura financeira internacional”, aponta o relatório.

Isso significa rever os compromissos adotados em Paris de modo substancial, que é o que se espera que seja feito até o começo do ano que vem, antes da 30ª Conferência do Clima da ONU, a COP30, em Belém.

As promessas atuais [de reduções das emissões] não estão nem perto desses níveis, o que nos coloca no caminho, no melhor cenário, de um aquecimento global de 2,6 °C neste século. O que vai necessitar de uma remoção futura dispendiosa e em grande escala de dióxido de carbono da atmosfera para reduzir o excesso”, escreve Andersen. “Essencialmente, precisamos de uma mobilização global numa escala e ritmo nunca vistos.”

Quando ela fala nesse aquecimento de 2,6 °C, se refere ao total cumprimento de todas as metas já apresentadas pelos países. Só que nem elas ainda estão sendo cumpridas e já precisam ser revistas para cima. Esse novo ajuste de contas é o que se espera que seja concluído no ano que vem no Brasil, por isso tanta atenção tem sido dada para a COP30.

E, apesar de todos os países terem de colaborar, o foco da cobrança está nos países do G20, que juntos respondem por 77% das emissões globais. Entre eles, os seis maiores emissores globais (China, Estados Unidos, Índia, União Europeia – contando juntos os 27 países do bloco –, Rússia e Brasil) somam 63% das emissões do planeta.

Nesta tarde, em Washington, haverá uma reunião da Força-Tarefa para Mobilização Global contra a Mudança do Clima do G20, onde devem ser apresentados compromissos em adaptação, mitigação e financiamento climático. Difícil imaginar que venha algo muito significativo. Mas o lançamento do Gap Report na mesma data bem podia servir para dar um chacoalhão no pessoal. A ver.

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