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Mário Sarrubbo, secretário nacional de segurança, explica quais as obrigações dos estados para usarem equipamento

Entrevista
13 de janeiro de 2025
12:00

No morro do São Bento, em Santos, no Litoral Paulista, oito policiais militares realizavam uma incursão, em 6 de novembro do ano passado, quando supostamente envolveram-se em uma troca de tiros com dois adolescentes, de 15 e 17 anos. Ambos foram baleados e o mais velho morreu. Em meio aos disparos, Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos, que não era alvo da ocorrência, foi atingido por uma bala que supostamente saiu da arma dos PMs. A criança foi socorrida, mas não resistiu aos ferimentos. Os policiais não usavam câmeras corporais. 

Em fevereiro do mesmo ano, Ryan Santos havia perdido o pai para a Operação Verão, que matou 56 pessoas e se tornou a mais letal da história do estado, desde o massacre do Carandiru, em 1992. Até março de 2024, ainda durante a operação, dos 31 supostos confrontos com mortes analisados pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), apenas seis tinham as imagens completas das câmeras.

Quase dois meses após a morte da criança santista, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Alberto Barroso, determinou que a PM de São Paulo utilizasse câmeras corporais em grandes operações e em comunidades vulneráveis.

O estado de São Paulo tem hoje 10.125 câmeras em operação e está em fase de testes com novos equipamentos. “A Polícia Militar informa que as novas câmeras corporais terão acionamento obrigatório, podendo ser realizado também de forma remota. Qualquer policial que não cumprir os protocolos estabelecidos para o uso do equipamento será responsabilizado”, informou a Secretaria de Segurança Pública (SSP) à Agência Pública.

Em maio de 2024, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) publicou uma portaria com diretrizes para o uso das câmeras corporais em integrantes dos órgãos de segurança pública nas esferas municipal, estadual e federal. No entanto, Amazonas e Goiás não pretendem adquirir o equipamento. Ao todo, 13 estados ainda não têm câmeras ou ainda estão no processo de comprá-las. 

Mário Sarrubbo, secretário nacional de Segurança Pública, vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) conversou com a Pública e apontou os motivos que podem levar os governadores a não adotarem o uso das câmeras corporais. Ele diz que políticos como Ronaldo Caiado, governador de Goias, que são contra os equipamentos, jogam com um “eleitorado que desconhece a eficiência que as câmeras trazem para o trabalho do policial […] Portanto, é uma fala muito mais política do que técnica”, critica.

Por que isso importa?

  • A Secretaria Nacional de Segurança Pública tem regras para uso de câmeras por policiais e financia esses equipamentos para os estados.
  • O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, chegou a dizer em 2022 que retiraria “com certeza” o equipamento do uniforme dos policiais.

Ele defende que São Paulo está no caminho de colocar mais câmeras nos policias, até mesmo porque está inscrito no edital do governo federal para a compra desses equipamentos. O secretário também afirma que as polícias Federal e Rodoviária Federal serão obrigadas a usar câmeras.

A assessoria de imprensa do Ministério da Justiça informou que monitora toda e qualquer operação policial, mas que não tem o poder de julgar os resultados das ações. 

Estados que ainda não implementaram câmeras
  • Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Piauí, Sergipe e Tocantins. 

Secretário, na sua visão, por que há governadores que resistem à implementação das câmeras corporais em seu efetivo de segurança pública? 

É um grande problema de desconhecimento. Em primeiro lugar, da portaria [do Ministério da Justiça e Segurança Pública] do uso das câmeras corporais.

Em segundo lugar, há um grande desconhecimento dos resultados que as câmeras corporais produzem em termos de segurança pública. As estatísticas, os estudos e o que está informando e justificando a política do Ministério da Justiça pelas câmeras corporais, é justamente o fortalecimento da ação policial, da carreira do policial militar, principalmente, porque o policial trabalha com mais segurança, ele trabalha de forma mais transparente.

Então, até o cidadão que está sendo abordado tem um comportamento diferente quando ele sabe que está sendo abordado por alguém que usa câmera corporal. [Também] há que se destacar que isso tem qualificado de forma muito significativa a prova do processo penal, porque essas imagens, de abordagem, apreensões policiais, ações policiais, elas vão para o processo criminal e, em elas sendo retratadas no processo criminal, o resultado é a realidade no processo, trazendo mais justiça. 

Portanto, só não está utilizando quem desconhece essas regras e quem conhece as regras e mesmo assim não quer, [talvez] ele não esteja tão bem intencionado nesse processo como a gente gostaria.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), que está inelegível, disse durante o Seminário Internacional de Segurança Pública, em maio de 2024, em Brasília, que não usaria câmeras corporais em seu efetivo policial, mas em presos sob regime semiaberto. Como o MJSP recebe esse posicionamento? 

Eu vejo, na verdade, como um posicionamento político. O governador Ronaldo Caiado fala para um segmento do eleitorado que desconhece a eficiência que as câmeras trazem para o trabalho do policial. Portanto, é uma fala muito mais política do que técnica. É uma fala para uma determinada parcela do eleitorado, lamentavelmente, politizando um tema que não é de governo, não é um tema de Estado. É um tema que trata da vida das pessoas, da vida inclusive do próprio policial que nós queremos [também] proteger. 

Mas o Ministério da Justiça pensa em discutir a implementação das câmeras corporais ou até mesmo adotar um posicionamento mais rígido com os governadores que ainda resistem?

O ministro Enrique Ricardo Lewandowski é alguém do diálogo. Ele foi forjado no diálogo e na democracia […]E os governadores têm dialogado.

Nós vimos a mudança de posicionamento, por exemplo, do governador de São Paulo [Tarcisio de Freitas], que era expressamente contrário às câmeras e hoje se diz favorável, apresentando, participando inclusive de certames aqui no Ministério da Justiça, sempre se habilitando para receber investimentos em câmeras corporais. 

O governo do estado de São Paulo foi um dos que usou verba do Fundo Nacional de Segurança para aquisição de câmeras corporais?

O Governo de São Paulo, num dos nossos programas, nós fizemos um edital [programa para aquisição de câmeras corporais], ele foi habilitado preliminarmente nesse edital, agora estamos na fase da conferência dos requisitos, mas o Governo de São Paulo aderiu sim e tem intenção, mostrou aí claramente, concorrendo neste certame e preliminarmente sendo habilitado.

É uma demonstração clara de que pretende investir nas câmeras corporais, e aumentar o número de câmeras, o percentual de policiais que passam a usar as câmeras corporais.

Desde que o Guilherme Derrite assumiu a Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP) de São Paulo, indicado pelo governador Tarcísio, o estado assiste o aumento no número de mortes por intervenção policial. Em 2023, foram 504 mortes e até novembro de 2024 somam-se 749, o que representa um aumento de 48% em 11 meses, mesmo com parte do efetivo usando câmeras. Como o MJSP enxerga esse cenário? 

São Paulo está caminhando para um número maior de câmeras corporais, aderindo ao programa do Governo Federal e do Ministério da Justiça, justamente pela intenção do governador e a diminuição da letalidade.

Então, a gente acredita que haverá um cenário mais positivo para o estado de São Paulo nessa questão da letalidade. Esse é um problema que não acontece só em São Paulo, acontece em outros estados do Brasil. E nós precisamos caminhar, até porque nós temos aqui no Ministério da Justiça mais firme convicção de que não é o aumento da letalidade policial que vai melhorar os índices ou mesmo a sensação de segurança das pessoas. Eu acho que a construção de uma polícia menos letal é a construção de uma polícia mais democrática e mais efetiva. 

Gosto sempre de dizer que uma operação policial de sucesso é aquela em que o criminoso é preso com sua integridade física preservada e levado à justiça com provas rígidas, concretas e seguras.

A Operação Verão, a mais letal desde o massacre do Carandiru (1992), completa um ano. E a grande pergunta que se faz é por que parte significativa dos agentes não usava câmeras corporais durante as ocorrências. O Ministério da Justiça monitora como as mortes ocorreram? 

Nós acompanhamos a repercussão de qualquer operação. Não por outra razão, por esta e por todas as outras questões que envolvem o Brasil com aumentos de letalidade em vários estados de letalidade policial.

E a intenção do governo agora, aderindo a um dos programas aqui do Ministério da Justiça, me parece aumentar de forma substancial. Então a nossa expectativa, eu insisto, não só para São Paulo, mas também para os demais estados do Brasil, é que a gente diminua a letalidade e melhore a qualidade da segurança pública no Brasil como um todo.

Secretário, uma colega presenciou uma abordagem hostil da PM de São Paulo, nesta quarta-feira, 8 de janeiro, a caminho da redação. Ela interveio e se surpreendeu ao ser informada que um dos policiais começaria a gravação naquela hora. Tem alguma supervisão para policiais que não cumprem os regimentos para a utilização do equipamento? 

Na verdade, a portaria do Ministério da Justiça estabelece pelo menos 16 situações em que é obrigatório o acionamento da câmera e todo o Estado que utilize recursos do governo federal, do Fundo Nacional de Segurança Pública, para investimento em câmeras corporais, necessariamente tem que criar regimentos internos, regras, etc.

E tal, e que o policial não se adeque a essas 16 situações, não cumprindo uma dessas 16 situações, o policial tem que ser punido.

Então, a regra é essa, que é usar a verba federal para aquisição de câmera corporal em qualquer dos três programas que existem aqui no âmbito do Ministério, suas regras internas [dos estados], regimentos internos e tudo mais, os policiais são obrigados a acionar as câmeras em pelo menos 16 situações, que praticamente são todas as situações rotineiras do dia-a-dia de um policial militar.

O policial não obedeceu a regra, está com a câmera corporal e tem que ser punido, e essa punição tem que ser severa para isso.

E essa punição é feita pelo Estado? 

Ela tem que ser feita pelo Estado, mas evidentemente o Ministério fiscaliza se isso está acontecendo.

As Polícias Federal e Rodoviária Federal, que são órgãos diretamente subordinados ao Ministério da Justiça, não utilizam as câmeras corporais, em sua maioria.

Eles vão utilizar. Eles estão obrigados a utilizar. […] Eles querem isso, tanto Polícia Federal como Polícia Rodoviária Federal. E a perspectiva é que nos próximos meses essa questão avance de forma significativa nessas duas corporações.

Então pra eles não é opção, para eles é, na verdade, obrigatória, porque eles fazem parte da estrutura do Ministério. 

Edição:
Rodrigo Marfan/MJSP
Divulgação Agência Pará
Reprodução Governo do Estado de SP
Reprodução Governo do Estado de SP

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