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Festas de Recife, Olinda, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo terão dinheiro de casas de apostas

Reportagem
25 de fevereiro de 2025
18:47

O Carnaval no Brasil já virou terreno das casas de aposta. As bets, como são chamadas as empresas que movimentaram cerca de R$ 240 bilhões de brasileiros em 2024, segundo estimativas do Banco Central do Brasil (Bacen), já se uniram às cervejarias e hoje injetam dinheiro em algumas das maiores festas do país.

No Recife, a casa de apostas Esportes da Sorte anunciou que será patrocinadora oficial do Galo da Madrugada, considerado o maior bloco carnavalesco de rua do mundo. A empresa divulgou que irá bancar um carro alegórico especial e a apresentação do cantor Michel Teló. Mesmo agora, antes do Carnaval, a decoração dos espaços destinados às apresentações já contam com o logo da bet, que faz menção também a referências locais, como a La Ursa. Neste ano, a Esportes da Sorte está bancando um show do cantor João Gomes no palco do Marco Zero, no dia 28.

A Agência Pública questionou a prefeitura do Recife sobre o valor do patrocínio da bet – que não é divulgado nas comunicações oficiais. Contudo, até a publicação, a assessoria da prefeitura não respondeu. A reportagem procurou também a comunicação da Esportes da Sorte, que não revelou o valor. A assessoria da bet reconheceu que essa é terceira vez que a empresa é patrocinadora master do Carnaval da cidade.

Há pouco mais de um mês, a Esportes da Sorte estava impedida de operar no Brasil, pois tinha entrado na lista do Ministério da Fazenda de bets irregulares. Em janeiro deste ano, a empresa conseguiu liberação da Justiça para operar, em um processo que tramita em segredo.

No ano passado, em setembro, a casa de apostas foi alvo da Operação Integration, da Polícia Civil de Pernambuco, por suposto esquema de lavagem de dinheiro e prática ilegal do jogo do bicho. Na época, 16 pessoas foram presas. Entre elas, o dono da Esportes da Sorte, Darwin Filho, a advogada e influenciadora Deolane Bezerra e sua mãe, Solange Bezerra. O cantor e empresário Gustavo Lima também foi indiciado. No inquérito policial consta que a organização criminosa usaria várias empresas de eventos, publicidades, casas de câmbio e seguros para lavagem de dinheiro por meio de depósitos e transações bancárias.

Além de no Recife, a Esportes da Sorte está no tradicional Carnaval da vizinha, Olinda. A empresa tem ações por todo o sítio histórico, por onde desfilam as troças, blocos, maracatus e principais agremiações da folia. De acordo com a Secretaria de Patrimônio e Cultura de Olinda, há cerca de 1,5 mil blocos cadastrados. Postagens no site e nas redes sociais da prefeitura mostram a logo da Esportes da Sorte em todos os posts de divulgação do Carnaval 2025 da cidade.

Por que isso importa?

  • As bets, como são chamadas as casas de apostas, estão dominando as festas de Carnaval pelo Brasil, mas os valores investidos não são divulgados, nem pelas prefeituras nem pelas empresas.

A reportagem questionou também a assessoria de imprensa da prefeitura de Olinda sobre os valores dos patrocínios, que respondeu apenas que “irá receber R$ 15 milhões de patrocínio pelo Carnaval”, sem discriminar quanto será pago pela Esportes da Sorte.

Além do Recife e Olinda, a Esportes da Sorte está patrocinando 17 trios do Carnaval de Salvador, dez blocos em São Paulo e um bloco de pré-Carnaval no Rio de Janeiro.

Bet Bahia

Em Salvador, no dia 21 de fevereiro, o prefeito Bruno Reis (União Brasil) e a vice-prefeita e secretária de Cultura, Ana Paula Matos (PDT), anunciaram a programação do Carnaval deste ano – além da lista de patrocinadores. Entre as nove empresas confirmadas, como Zé Delivery, 99 e Mercado Pago, está também a Bet Nacional, que tem como “garoto-propaganda” o jornalista Galvão Bueno. Ao menos desde o ano passado, a casa de apostas tem patrocinado festividades na capital e no estado, como o ano novo da cidade.

A reportagem questionou a prefeitura sobre o valor do patrocínio, que não respondeu até a publicação.

Além do patrocínio junto à prefeitura, as bets estão bancando os camarotes do Carnaval de Salvador. No ano passado, a casa de apostas Bora Jogar foi a patrocinadora oficial dos camarotes da capital baiana. No site, eles divulgavam uma promoção exclusiva de Carnaval, em que era preciso depositar um valor inicial a partir de R$ 50 para receber 20 tentativas no jogo. Além disso, o jogador recebia um voucher-surpresa exclusivo a cada cinco depósitos do valor mínimo.

Já neste ano, a Pública descobriu que os patrocinadores masters serão divididos entre a H2Bet e a cervejaria Petra. Produzida pela FunPlace, os preços dos ingressos para os seis dias de festa são de R$ 21 mil para homens e R$ 15 mil para mulheres. Entre os patrocinados, também está a BYD, montadora de carros elétricos da China que foi denunciada pela Pública por maus-tratos a operários chineses na fábrica da Bahia e por vigiar os funcionários após a denúncia.

Bets apostam no Carnaval sudestino

Não é só nos estados do Nordeste que as bets têm patrocinado grandes eventos culturais.

No Rio, a Superbet é uma das patrocinadoras do Carnaval 2025. Contudo, a participação da casa de apostas nos camarotes das escolas de samba gerou disputa. A Liesa, a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio, vetou a exposição das marcas das bets nos abadás e nos espaços externos aos camarotes. Gabriel David, o presidente mais jovem da Liga, é filho do bicheiro Anísio Abraão David, que já foi preso três vezes por lavagem de dinheiro. A reportagem procurou a assessoria da Liesa, que não retornou até a publicação.

Segundo informações originalmente publicadas no portal LeoDias, o camarote N1, o mais caro do Sambódromo da Sapucaí, havia firmado um contrato publicitário de mais de R$ 2 milhões com uma casa de apostas. A Pública procurou o portal, que confirmou a retirada da notícia do site. Atualmente, o site recebe patrocínio da Viva Sorte Bet.

Neste ano, além do Carnaval do Rio, a Superbet Nacional irá colocar dinheiro em sete grandes campeonatos do futebol brasileiro: Copa do Nordeste, Baianão, Sergipano, Cearense, Capixabão, Gauchão e Carioca. Desde o ano passado, os times do Fluminense e do São Paulo são patrocinados por contratos milionários que chegam a R$ 42 milhões fixos no caso do time carioca, e R$ 52 milhões no do paulista. Os valores podem variar a depender do desempenho que obtiverem nos campeonatos. A bet coloca dinheiro também no The Town, um grande festival de música em São Paulo, sem revelar os valores.

Em São Paulo, um dos maiores blocos da cidade, o Casa Comigo, é patrocinado pela primeira vez pela bet Cassino. Novamente, os comunicados do acordo não divulgam valores. A reportagem questionou a assessoria de imprensa da prefeitura de São Paulo, que ainda não respondeu.

Já no sambódromo do Anhembi Morumbi, na Zona Norte da cidade, e na Fábrica do Samba e num camarote, a Galera bet será a patrocinadora. O contrato firmado prevê que por quatro anos, até 2027, a empresa vai financiar a festa. Antes disso, a marca já esteve presente como parceiro no camarote Bar Brahma do sambódromo, onde as escolas de samba do grupo especial se apresentam.

Já em Belo Horizonte, um dos maiores blocos, o Baianas Ozadas, não terá patrocínio de bets neste ano, segundo a Pública apurou com integrantes do grupo. No ano passado, de acordo com reportagem do Tempo, 26 blocos receberam apoio da Bet7K. O grupo chegou a vestir o símbolo do bloco, uma baiana, com a logo da casa de apostas.

CPI das bets só depois que o Carnaval passar

Em outubro do ano passado, o Ministério da Fazenda, que é quem regula o mercado de apostas de quota fixa (o nome técnico para as bets), bloqueou sites de quase 2 mil empresas consideradas irregulares pelo governo. Na época, o governo acionou a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que pediu o bloqueio dos sites junto às operadoras de internet.

Além disso, o governo proibiu que as empresas aceitem pagamento de apostas por meio de cartões de crédito. Também é proibido que crianças e adolescentes utilizem as plataformas de apostas.

Reportagem do Portal Lunetas republicada pela Pública, mostrou que estudantes adolescentes estão se endividando e alguns têm usado a verba de R$ 200 do programa Pé-de-Meia em jogos de azar, como versões do famoso Jogo do Tigrinho. 

Segundo levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 1,8 milhão de brasileiros se tornaram inadimplentes por conta de apostas em bets. O estudo aponta que as famílias com menor renda foram as mais afetadas.

Em novembro do ano passado, o Senado instalou a CPI das Bets para investigar as empresas, “além da possível associação com organizações criminosas envolvidas em práticas de lavagem de dinheiro, bem como o uso de influenciadores digitais na promoção e divulgação dessas atividades.”

Nesta terça, 25 de fevereiro, a CPI das bets foi adiada e deve retomar os trabalhos apenas depois do Carnaval. A relatora da comissão, a senadora Soraya Thronicke (Podemos), disse estar sofrendo ameaças do crime organizado e pressões internas dentro da casa. “Estou sentindo toda dificuldade de trabalhar, fazendo meu relatório em absoluto sigilo”, falou a senadora, que afirmou estar andando com escola e carros blindados. Após o Carnaval, a comissão vai convidar influencers para discutir.

As bets foram autorizadas a atuar no Brasil durante o final do governo de Michel Temer (2018), quando o ex-presidente sancionou a Lei 13.756, que fala sobre os produtos de arrecadação das loterias. 

Edição:
Valter Pontes / Secom PMS
Divulgação Riotur
Edilson Rodrigues/Agência Senado

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