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Governo do Amazonas renova contrato milionário com revendedora da Starlink, apesar de suspeita em acordo anterior

Reportagem
19 de março de 2025
04:00

Uma revendedora brasileira da Starlink, de Elon Musk, tem fechado contratos milionários com o governo do Amazonas – e conseguido estender e aumentar o valor desses acordos ano após ano. Segundo a Agência Pública apurou, nos primeiros meses de 2025, o governo do Amazonas alterou pela 34ª vez um contrato de R$ 42,9 milhões com a Via Direta Telecomunicações. Duas semanas depois, o governo fez uma alteração num segundo contrato com a mesma empresa, ainda mais caro: de R$ 203 milhões.

Anteriormente, a Via Direta, com a DMP Design Marketing e Propaganda, já havia conseguido ao menos 27 alterações num terceiro contrato de mais de R$ 18 milhões, assinado em 2015, no qual o Tribunal de Contas do Estado (TCE-AM) já havia apontado “suspeita de ilegalidades”. Esse acordo também foi alvo de uma ação civil de improbidade administrativa, que segue ainda em tramitação, movida pelo Ministério Público Federal do Amazonas (MPF-AM) em 2020.

Juntando os três contratos, o governo já teria se comprometido a pagar R$ 263,9 milhões para as empresas.

A Via Direta fornece o serviço de acesso à internet via satélite da Starlink, de Elon Musk, que é usado para transmitir as aulas nas escolas públicas localizadas em áreas remotas do Amazonas. O dono da empresa é Ronaldo Lázaro Tiradentes, ex-deputado estadual do Amazonas (PPR), ex-secretário de Comunicação do governo de Amazonino Mendes (PPR) e dono do grupo de rádio e TV Tiradentes (89,7). Ele é dono também da DMP.

Ao menos desde 2015, a empresa tem fechado negócios com diversos governos. A Via Direta se apresenta como a primeira revenda autorizada da Starlink no Brasil e diz atuar no Paraná, Pará e Bahia. Em 2025, a empresa esteve na Paraíba durante a primeira Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), evento que reúne secretarias estaduais de todos os estados do Brasil. No site da Starlink, a empresa aparece como revendedora autorizada na América Latina e Caribe.

A Pública apurou também que, segundo o balanço mais recente, o capital social da empresa triplicou, saltando de R$ 3,5 milhões para R$ 13 milhões em apenas um ano, entre 2022 e 2023.

Por que isso importa?

  • A Starlink é a principal provedora de internet banda larga por satélite no Brasil, segundo dados da Anatel, e cada vez mais usada por governos estaduais e municipais.

A reportagem procurou Ronaldo Tiradentes para esclarecer as possíveis denúncias de irregularidades dos contratos da Via Direta com a Secretaria de Educação do Amazonas. Questionamos as sucessivas alterações milionárias de preços nos contratos através dos aditivos. Não obtivemos resposta até a publicação desta matéria.

As idas e vindas de contratos milionários

O contrato mais antigo da Via Direta com o governo do Amazonas que a reportagem encontrou foi assinado em 2015. Na época, a empresa fechou um acordo no valor de R$ 14 milhões. O valor em tramitação atual desse acordo aumentou para R$ 18,5 milhões, após aditivos.

Segundo o Ministério Público de Contas, a empresa teria descumprido o prazo da licitação e extrapolado os valores dos termos de aditamento. O procurador de contas Carlos Alberto de Souza Almeida solicitou ao TCE-AM que suspendesse o repasse da verba da Secretaria de Estado de Educação do Amazonas (Seduc) para o pagamento dos serviços prestados pela empresa. Isso porque, conforme a legislação, um contrato público só pode ser renovado por, no máximo, cinco anos – a Via Direta justificou a prorrogação devido à pandemia.

Na época, o sócio-administrador da Via Direta, Ronaldo Tiradentes, utilizou do seu grupo de rádio e TV para criticar o procurador de contas. O caso chegou à 8ª Vara Cível e de Acidentes de Trabalho do Tribunal de Justiça do Amazonas como difamação. Na sentença, o juiz Mateus Rios decidiu que o empresário “extrapolou o seu direito constitucional de expressão, causando abalo à honra e imagem do procurador”. Apesar de ter solicitado a retirada das ofensas, os conteúdos permanecem publicados também nas redes sociais de Tiradentes.

Em 2020, a empresa conseguiu um novo contrato. No projeto básico desse acordo, a empresa apontava 1.070 antenas e dois servidores que já teriam sido instalados no Estado para atender escolas municipais e estaduais em municípios como Uarini, Urucará e Urucurituba.

Firmado inicialmente em R$ 25,3 milhões, o acordo foi assinado pelo então secretário de Educação Luís Fabian Barbosa e Tiradentes. Na data, ficou acordado que os serviços prestados teriam duração de um ano, podendo ser prorrogada. Essa prorrogação já aconteceu ao menos sete vezes. Com isso, o valor final pulou para R$ 42,9 milhões.

Apesar de a assessoria do Núcleo de Gestão de Contratos e Convênio da Seduc ter informado à reportagem a “impossibilidade da duplicidade de objetos durante um mesmo período”, a reportagem descobriu que, em 2024, foi firmado um novo contrato da Via Direta com a secretaria, inicialmente no valor de R$ 203 milhões, para prestação de serviços de entrega, manutenção e distribuição de kits de fornecimento de internet via satélite para 613 escolas localizadas em áreas rurais do estado. Atualmente esse contrato conta com sete aditivos, sendo o último assinado em 17 de fevereiro deste ano, informando que o governo do estado já pagou R$ 6,4 milhões pelos serviços prestados.

De acordo também com a Seduc, “o contrato de 2020 é um novo contrato oriundo do Pregão eletrônico nº 853/2020-CSC ao qual possui o mesmo objeto, por isso para a celebração do CT 189/2020 foi rescindido o CT 98/2015 para não haver duplicidade de objetos durante o mesmo período”. 

No Pará, transmissão de aulas levou a protesto indígena

Não é somente no Amazonas que a Via Direta tem oferecido produtos da Starlink para o governo. Neste ano, no Pará, foi lançado no dia 18 de fevereiro o programa Lab Pai D’Égua, uma iniciativa de modernização do ensino público, incluindo a instalação de antenas Starlink para garantir internet via satélite em escolas de áreas remotas. O programa inclui também distribuição de kits para os alunos, fornecimento de equipamentos multimídia, como televisores, notebooks e nobreaks e expansão do Programa Dinheiro na Escola Paraense (Prodep), permitindo a compra de kits de robótica. 

“Esse é o maior investimento já feito pelo Governo do Pará para modernizar o ensino público. Além dos equipamentos, estamos garantindo conectividade em todas as nossas escolas, seja por fibra óptica ou internet via satélite”, explicou o secretário de Educação, Rossieli Soares, ao portal de notícias local Dol Carajás.

Antes disso, em janeiro, as redes sociais da Via Direta haviam republicado um vídeo de junho de 2024 do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), agradecendo a entrega de 1,6 mil antenas às escolas quilombolas e ribeirinhas do estado. “No dia de hoje, nós alcançamos a marca de 100% das escolas do Pará conectadas à internet, por meio de um contrato que o estado faz com a Starlink, que permitirá que cada escola possa ter uma antena da Starlink e com isso nós possamos estar com cobertura 100%”, disse o governador no vídeo.

O governo comprou 1.650 antenas, que foram instaladas nas 898 escolas públicas da rede estadual. A contratação custou R$ 340 milhões, segundo o governo. A ocasião contou com a participação de estudantes de diversos municípios, que receberam das mãos do governador um kit de internet da Starlink, revendido pela Via Direta no estado. 

De acordo com a Secretaria de Educação do estado, “o valor se refere às 1.650 antenas da Starlink e corresponde ao período integral de 5 anos de contrato, o que equivale ao valor mensal de R$ 5,6 milhões e anual de R$ 67,2 milhões”. O órgão ressalta que em 2024, nos sete meses de contrato, a Seduc pagou apenas 45% do valor previsto para o período”.

Neste ano, em janeiro, após seis meses do anúncio da compra das antenas da Starlink pelo governo, cerca de 300 indígenas ocuparam o prédio da Seduc. A Pública acompanhou os protestos, motivados por uma lei aprovada no final do ano passado, que, segundo as lideranças indígenas, ameaçava programas de ensino voltados às comunidades rurais, ribeirinhas, quilombolas e indígenas, colocando em risco o acesso à educação em áreas remotas. 

Segundo os indígenas, professores seriam retirados da modalidade presencial nesses lugares, sendo substituídos por aulas gravadas pelo Centro de Mídias da Educação Paraense (Cemep), iniciativa criada por Rossieli que substituiu o antigo Sistema Educacional Interativo (SEI), para expandir o ensino telepresencial. As aulas seriam transmitidas através dos sinais de satélite de internet fornecidos pela Via Direta por meio das antenas da Starlink.

A lei foi revogada, após um mês de ocupação, voltando às regras que estavam  em vigor até 19 de dezembro de 2024. Por unanimidade, os 31 deputados da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) votaram a favor da revogação.

Um revendedor das antenas Starlink no Brasil

O ano de fundação da Via Direta, 1990, coincide com o mesmo ano em que Ronaldo Tiradentes foi empossado como deputado estadual no Amazonas pelo Partido Progressista Reformador (PPR), que, criado por Paulo Maluf, no futuro se fundiu com o Partido Progressista (PP). No ano de 1997, Tiradentes se tornou secretário de Comunicação do segundo mandato do governador e amigo Amazonino Mendes (PPR). 

Nas redes sociais, ele se autointitula “CEO da primeira revendedora autorizada da Starlink no Brasil”. Nas últimas semanas de janeiro, Tiradentes publicou fotos na entrada da SpaceX, empresa do ramo aeroespacial de Musk. “Hoje foi dia de reunião produtiva com a Starlink para tratar de novos projetos de conectividade no Brasil”, escreveu na legenda. 

Não é só de antenas que consistem os negócios de Tiradentes. O empresário é também sócio-administrador direto de outras sete empresas. Quatro são do setor de comunicação: a Design Marketing e Propaganda (DMP), Amazônia Sound, Amz e Amazônia Produções e Publicidade. Duas são ligadas ao setor varejista e eletroeletrônico: a RT Importação de Artigos Eletro Eletrônicos e a Comercial Tiradentes. A sétima atua na telemedicina e distribuição de exames, a Telesul Serviços e Soluções de Diagnóstico por Imagem.

Todos os empreendimentos possuem participação societária da esposa, Kia Tiradentes, e dos filhos, Ronaldo Arão e Ruy Tiradentes.

O empresário é também apresentador do programa diário Notícias da Semana, do grupo de TV e rádio Tiradentes (89,7), fundado em 2011 no Amazonas. Em 2021, a emissora obteve concessão para expandir a rádio nos municípios de Itacoatiara, Manacapuru, Coari, Carauari, Tefé, Humaitá e Tabatinga, no interior do estado. Antes disso, ele já havia sido diretor-presidente da Rádio CBN (91,5), em que foi apresentador do programa CBN Manaus.

Edição:
Euzivaldo Queiroz/Seduc
Divulgação Starlink
Divulgação Seduc AM
Marco Santos / Ag. Pará
Marco Santo / Ag. Pará
Reprodução Ronaldo Tiradentes

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