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Documentos ligam Daniel Noboa a offshore que é acionista de empresa flagrada em esquema de tráfico de cocaína

Reportagem
1 de abril de 2025
17:51

O atual presidente do Equador e candidato à reeleição, Daniel Noboa, é dono da empresa que é sócia majoritária de uma exportadora flagrada em um escândalo de tráfico de cocaína para Europa, apontam documentos. A droga era enviada em embalagens de banana e foi alvo de três interceptações da polícia nacional equatoriana. 

De acordo com papeis vazados pelo Pandora Papers, investigação do Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ, na sigla em inglês), Noboa e um de seus irmãos, John Noboa, aparecem como sócios-proprietários da Lanfranco Holdings S.A, empresa offshore com base no Panamá, um paraíso fiscal. 

Por sua vez, a Lanfranco é a acionista majoritária, com 51% das ações, da Noboa Trading Co, empresa flagrada por traficar cocaína para a Europa ao menos três vezes.

A conexão entre essas empresas reveladas agora pela Agência Pública com exclusividade colocam Noboa – que busca sua reeleição em um segundo turno acirrado no dia 13 de abril – no centro da denúncia de tráfico de drogas, reveladas inicialmente pela Revista Raya.

Por que isso importa?

  • A família de Noboa é dona de um dos maiores grupos empresariais do país, atuando na exportação de bananas e no controle de portos.
  • Daniel Noboa é o presidente mais novo da história recente do Equador, filho de Álvaro Noboa Pontón, empresário e político equatoriano.

“Exportou bananas misturadas com drogas”, acusou adversária política

Durante o debate presidencial de 23 de março, em Quito, Noboa foi questionado por sua adversária no segundo turno, Luisa González, sobre uma acusação de que a empresa Noboa Trading, controlada pela sua família, “exportou bananas misturadas com drogas”. O CEO da Noboa Trading é Roberto Ponce Noboa, primo do presidente. 

O presidente não negou a acusação, mas tentou se eximir de qualquer responsabilidade no crime. “Eu não sou o dono, mas membros da minha família estão envolvidos nessa empresa. A Noboa Trading cooperou em cada um dos casos, e isso foi esclarecido perante o Ministério Público. Isso, portanto, absolve qualquer funcionário da Noboa Trading de qualquer irregularidade.” No entanto, documentos revelam que não é bem assim. 

As supostas irregularidades que envolvem o mandato de Noboa se arrastam desde sua eleição em 2023. Noboa foi eleito sem ter declarado que é sócio de uma empresa, no caso a Lanfranco, em paraíso fiscal, o que é proibido por lei no país. Agora, os dados mostram que a Lanfranco é sócia majoritária da Noboa Trading, offshore com sede no Panamá. 

De acordo com a Superintendência de Companhias, Valores e Seguros do Equador, a Lanfranco detém 51% das ações da Noboa Trading. E ainda de acordo com documentos vazados pelo Pandora Papers, Noboa e seu irmão, John, seriam os verdadeiros donos da Lanfranco.

“Confirmamos que os beneficiários finais da sociedade acima referida são meus filhos Daniel Roy Gilchristi Noboa Azin e John Sebastian Maximilian Noboa Azin, já que estou deixando a sociedade para eles, sem que eles tenham conhecimento expresso disso no momento”, diz um dos documentos com data de 10 de junho de 2015, endereçado por Álvaro Noboa Ponton ao escritório de advogados Alemán, Cordero, Galindo & Lee (Alcogal), com sede no Panamá.

Esse vínculo de Noboa e um de seus irmãos com a Lanfranco Holdings S.A foi revelado com exclusividade na Folha de S.Paulo, às vésperas da eleição de 2023. 

Em outra série de documentos do Pandora Papers aos que a Pública teve acesso para esta reportagem, aparece a cópia dos passaportes de Daniel Noboa e seus dois irmãos, cartas bancárias certificando o vínculo deles na instituição financeira e um documento assinado por eles certificando a empresa ALCOGAL como sua representante legal. 

A Pública solicitou uma entrevista com o presidente equatoriano, tanto aos assessores da Secretaria de Comunicação, quanto diretamente à vice-presidente Cynthia Gellibert. No entanto, até o fechamento desta reportagem, não obtivemos respostas.

Os documentos do Pandora Papers são de 2015. Não há registros na base de dados coletada em 2021 pelo ICIJ que indiquem que o presidente deixou de ser o proprietário da Lanfranco antes de assumir a presidência do país. Sendo assim, a posse de uma  empresa em paraíso fiscal seria ilegal perante a lei equatoriana, o que poderia colocar em questão a legalidade de seu mandato presidencial.

A Lanfranco também detém a maioria das ações das principais empresas que compõem o conglomerado Noboa no Equador. São elas: são: a Companhia Agrícola Rio Ventanas S.A. (Carivesa), Agrimont S.A., Honorasa S.A., Industrial Bananera Álamos S.A., Agrícola La Julia S.A., Bananera Las Mercedes S.A., Manufacturas de Cartón, Companhia Agrícola Angela Maria S.A. e Companhia Agrícola Loma Larga Sociedad Anónima.

Juntas, essas empresas geram uma receita de 450 milhões de dólares, segundo a Superintendência de Companhias, Valores e Seguros do Equador, valor que integraria o patrimônio do atual presidente e de seu irmão, mas que não foram declarados quando ele se candidatou à presidência por ser ilegal manter empresas em paraísos fiscais. 

No Equador, segundo a Receita Federal local, metade do capital dos principais contribuintes provém de outros países. Deste total, 70% são transferidos através de operações realizadas em paraísos fiscais. O império bananeiro construído pelo pai do presidente, Álvaro Noboa, deve aos cofres públicos mais de 93 milhões de dólares em impostos. 

A trama da cocaína traficada para a Itália

O escândalo envolvendo os Noboa com o narcotráfico – antecipado durante o debate presidencial – veio à tona após a publicação de uma investigação da Revista Raya, dia 26 de março. Na reportagem, o jornalista Andrés Durán afirma que a Noboa Trading foi flagrada em um esquema de tráfico de cocaína que tinha como destino a Croácia e a Itália. 

No total, de acordo com a reportagem, foram apreendidos quase 600 quilos de cocaína no Equador nos contêineres da Noboa Trading. A primeira apreensão foi em 2020, em meio à pandemia de covid-19. Uma operação da Polícia Nacional equatoriana e da Unidade de Inteligência Aeroportuária (UIPA) apreendeu cerca de 160 quilos de cocaína escondidos em sacos de bananas que tinham como destino final a Croácia. 

Em 2022, o esquema foi mais sofisticado: cerca de 320 quilos da droga foram encontradas no sistema de refrigeração do container, uma operação que implicou a implantação da droga por meio da abertura do sistema de refrigeração da estrutura criada para que as bananas não apodreçam durante o transporte até o destino final.  De acordo com reportagem da Revista Raya, o supervisor do carregamento das exportações da Noboa Trading era José Luis Rivera Baquerizo. 

Ainda de acordo com a reportagem, o funcionário foi preso e logo foi libertado após a intervenção do advogado Edgar Lama Von Buchwald, que no momento era assessor de Noboa, então deputado. De lá pra cá, a relação entre Von Buchwald e Noboa se fortaleceu. O então assessor e advogado se tornou ministro de Saúde no governo de Noboa. 

Em 2024, já durante a presidência de Noboa, a Polícia Nacional voltou a interceptar carregamento de droga nos contêineres da Noboa Trading. Dessa vez, foram apreendidos cerca de 76 quilos de cocaína escondidas no teto do container que seria enviado à Europa. 

Outro ponto importante: o conglomerado Noboa tem controle da cadeia de produção, não utilizam agentes terceirizados. A família Noboa é dona da fazenda produtora,  controla a produção e colheita da banana, o transporte — cada veículo é monitorado por GPS — até a entrega às autoridades portuárias. Até as caixas de papelão para o transporte da banana pertencem à família presidencial. E parte dos portos do país – que são privatizados – são controlados também pelos Noboa. 

Fernando Carrión, especialista em segurança e narcotráfico, acredita, no entanto, que narcotraficantes teriam contaminado as exportações da família Noboa. “Pela prática que tem o narcotráfico de contaminação das exportações, seria difícil dizer que a família do presidente esteja vinculada diretamente com o trânsito da droga. A contaminação pode acontecer em qualquer etapa”, afirma. 

Tráfico & bananas

O tráfico de drogas em contêineres de bananas do Equador não é uma novidade. Mais da metade de toda a cocaína apreendida na Europa é encontrada em containers da fruta. De acordo com um relatório da Comissão Europeia, 57% dos contêineres de bananas exportados pelo Equador para a Europa chegam contaminados com cocaína. E mais da metade da cocaína apreendida no Equador também é transportada em carregamento de bananas.

Uma resposta óbvia seria um maior rigor na fiscalização, mas na avaliação do analista político Franklin Ramirez, professor de sociologia da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) em Quito, desde a presidência de Guillermo Lasso, antecessor de Noboa, há uma estrutura de conivência, agora herdada pelo atual governo, entre o crime organizado e o Estado equatoriano. “Não há vontade nem do Executivo, nem da Fiscalía (Procuradoria Geral da República) de ativar o dispositivo institucional para investigar a triangulação entre o crime organizado, lavagem de dinheiro e instituições financeiras tanto do Equador como nos paraísos fiscais”, afirma Ramirez. “É evidente que a lavagem de dinheiro está vinculada com o narcotráfico”, acrescenta. 

Para Fernando Carrión, a explicação está no desmonte do Estado equatoriano. “Desde 2017, com a saída do presidente Rafael Correa, prevaleceu a lógica do Estado mínimo. O aparato estatal foi reduzido, e o orçamento destinado à segurança e ao combate ao narcotráfico foi drasticamente diminuído”, afirmou Carrión.  

Reportagens apontam que o Equador se transformou em um centro de distribuição de drogas para a Europa. Esse novo protagonismo do crime organizado equatoriano coincide com a assinatura dos acordos de paz na Colômbia, em 2016. Com a dissolução das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), a pressão sobre os grupos paramilitares, que também controlam o tráfico de cocaína, e o deslocamento das dissidências da guerrilha para novas zonas de conflito desorganizaram a rota de tráfico estabelecida até então. 

O país também se tornou o mais violento da região. Entre 2015 e 2019, a taxa era de 5,8 homicídios por 100 mil habitantes. No entanto, a partir de 2020, houve um aumento exponencial da violência, com o índice quase quintuplicando e alcançando 38,8 homicídios por 100 mil habitantes em 2024, segundo a organização Insight Crime. Em comparação com o Brasil, a violência no país vizinho é mais do que o dobro da observada aqui: em 2024, o Brasil registrou 18,21 homicídios por 100 mil habitantes.

Direita latinoamericana

Noboa faz parte dos governos de direita da América Latina que mantêm, ou pretendem, consolidar uma relação estreita de alinhamento político com Donald Trump nos Estados Unidos. A poucos dias da eleição presidencial, a CNN revelou um suposto plano de Noboa para militarizar o Equador com a instalação de uma base militar que permitiria o livre fluxo de tropas dos Estados Unidos para combater a criminalidade. 

Em encontro com Trump em Mar-a-Lago, na Flórida, no dia 29 de março, Noboa diz que conversaram sobre “cooperação em segurança”. 

Se concretizado o plano, não será a primeira vez que militares dos Estados Unidos recebem carta branca para operar no território equatoriano. Em 1999, durante o governo do então presidente Bill Clinton, Washington instalou uma base militar na província de Manta, no Pacífico equatoriano. Mas a empreitada não durou muito tempo. A base militar foi desmantelada em 2009, durante o governo do presidente de esquerda Rafael Correa (2007-2017), que se opunha à presença militar dos EUA em seu território. A presença de militares estrangeiros era, e continua sendo, ilegal de acordo com a nova Constituição aprovada durante o governo Correa. 

O segundo turno da eleição presidencial está previsto para o domingo, 13 de abril. A disputa será entre Noboa, candidato à reeleição, e Luisa González, herdeira política de Correa, do Movimento Revolução Cidadã. 

Edição:

Atualização às 19h de 2 de abril de 2025
Incluímos o nome do jornalista Andrés Durán, da Revista Raya

Matheus Pigozzi/Agência Pública
Reprodução/Pandora Papers/ICIJ
Reprodução/Pandora Papers/ICIJ

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