Buscar
Coluna

Qual vai ser a manchete da COP30, embaixador?

O que podemos esperar de resultados da conferência do clima em Belém, ainda cercada de incertezas

Coluna
4 de abril de 2025
06:00

Quer receber os textos desta coluna em primeira mão no seu e-mail? Assine a newsletter Antes que seja tarde, enviada às quintas-feiras, 12h. Para receber as próximas edições, inscreva-se aqui.

Na última semana, tive a oportunidade de conversar por duas vezes com o embaixador André Corrêa do Lago, que preside a Conferência do Clima da ONU que vai acontecer em Belém em novembro, a COP30. Na sexta (28), em entrevista que ele concedeu à Agência Pública, e na segunda (31), quando ele participou do programa Roda Viva, da TV Cultura.

Entre incertezas ainda sobre o que podemos esperar como resultados da conferência, fiz uma pergunta meio em tom de brincadeira: “Quando acabar a conferência, qual vai ser o título das matérias? COP do Clima no Brasil termina com…?”. 

Corrêa do Lago pensou um pouco e respondeu: “A primeira coisa seria ‘COP termina com o fortalecimento do multilateralismo climático’. A volta da confiança. Isso já é uma coisa boa como manchete, não?”.

Só devolvi a pergunta: “O que o senhor acha?”.

E ele já me respondeu rindo: “Você está achando meio sem graça, né? Vou ter que inventar alguma coisa mais interessante.”

Esse trecho mais descontraído da conversa pode parecer enigmático e até pouco ambicioso, mas revela vários dilemas dessa cúpula tão cercada de altas expectativas. Corrêa do Lago desejar um “fortalecimento do multilateralismo” e uma “volta da confiança” não é trivial. De fato, se a COP no Brasil conseguir isso vai ser um feito e tanto se considerarmos o contexto geopolítico atual.

Do ponto de vista das próprias conferências anuais, o clima, com o perdão do trocadilho, já estava meio morno – e não no bom sentido (de abaixar a temperatura de um planeta em franco aquecimento). A COP do ano passado, em Baku, jogou um balde de água fria nas expectativas de que dali sairia um compromisso robusto de financiamento climático – o grande entrave dos esforços para combater as mudanças climáticas.

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Não só não se chegou ao valor desejado, de 1,3 trilhão de doláres – os países se comprometeram a mobilizar apenas 300 bilhões de doláres –, como não se equalizou muito bem quem paga essa conta e quais são as condições desse financiamento (se doação, se empréstimo, por exemplo). O texto indica que os recursos podem vir de uma “ampla variedade de fontes, públicas e privadas, bilateral e multilateral, incluindo fontes alternativas”. 

Diluindo as responsabilidades, fica mais difícil cobrar se os recursos não forem atingidos. Por outro lado, não há clareza se o dinheiro será repassado, em sua maioria, na forma de doação, o que ameaça aumentar o endividamento dos países mais pobres. 

Os humores azedaram. Muita gente engrossou uma crítica, que já não vem de hoje, de que o modelo das conferências, em que as decisões só são alcançadas por consenso entre todos os 196 países signatários da Convenção do Clima da ONU (UNFCCC), poderia já não ser o mais adequado para resolver a emergência climática. 

Em um determinado momento, quando o fim da conferência já estava atrasado em quase 48 horas, representantes dos países menos desenvolvidos e das nações insulares – os mais ameaçados pelo aquecimento global –, chegaram a sair andando de uma sala onde se tentava chegar a um acordo. Não aceitavam os termos que estavam na mesa e não se sentiam representados. 

Não foram poucos os que acharam que talvez as COPs já não tenham mais condições de entregar algo significativo. Quadro que ficou ainda pior com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, que imediatamente tirou o país de campo e ainda bagunçou o coreto da geopolítica mundial, promovendo um reordenamento de forças na ordem global que aumenta o risco de novas guerras. Nada pior para tirar o foco das atenções para o clima.

Não é à toa, portanto, que desde o ano passado representantes do governo brasileiro à frente da COP30 defendem que já não é mais hora de negociar, mas de implementar o que foi decidido. Colocar a roda de ações para girar e enfrentar para valer o maior inimigo comum da humanidade.

Esta foi a mensagem principal de uma carta enviada aos outros países e a toda comunidade nacional e internacional envolvida com esses esforços. No texto, Corrêa do Lago pediu um mutirão contra a crise climática. Que todo mundo, não apenas os governos federais, mas também os subnacionais, o setor econômico e a sociedade civil fizessem a sua parte. Justamente para que se fosse além das COPs, além desses compromissos acordados a duras penas, e por isso mesmo pouco ambiciosos e, que, apesar de avançarem ano a ano, são sabidamente limitados. 

Faz sentido. Mas, isso posto: o que é implementação? Como, de fato, a COP30 pode desencadear esse mutirão? Teremos, por exemplo, a definição de um caminho concreto para o fim dos combustíveis fósseis, cuja queima é a principal responsável pelo aumento da temperatura do planeta? Teremos um compromisso mais claro de quem faz o quê, quando e como? O que esse mutirão quer construir?

No Roda Viva, o colega Rafael Garcia, do Globo, resumiu a angústia: “Ao final da COP, o que poderemos cobrar, o que vai ser a métrica do sucesso da conferência no Brasil? Tem algum parâmetro objetivo?”. Corrêa do Lago disse que “vai ter, mas ainda não foi anunciado”. Que ainda é preciso consultar vários países, que não é uma decisão só do Brasil, que é preciso ver quais “direções eles estão dispostos a tomar”. E afirmou também que é preciso ter uma “visão realista do que é possível conseguir”. “Mas realista ambiciosa.”

Ele reforçou ainda que somente neste fórum das COPs, onde se preza pelo multilateralismo, todos os 196 países têm a mesma voz e o mesmo poder de veto. O embaixador disse gostar de uma ideia que ouviu, de que esta tem de ser uma COP transformadora. 

“Uma COP que realmente mostre que entramos numa outra etapa. Muitas vezes as pessoas estão comparando esta com outras COPs. Mas o mundo já ultrapassou 1,5 °C, os eventos extremos estão cada vez mais frequentes. Nós não podemos continuar pensando que a referência da COP é um documento burocrático que vamos conseguir aprovação no final dessas discussões. Acho que a gente tem que ir muito além e é indo muito além que a gente vai conseguir reconquistar a importância que a mudança do clima tem que ter nas discussões internacionais”, disse Corrêa do Lago em resposta a Garcia.

O como fazer isso é que ainda não está claro. São muitas perguntas em aberto. Ao mesmo tempo que cientistas alertam que há evidências de que o aquecimento global está acelerando.

No começo da semana passada, Corrêa do Lago estava em Berlim participando do Diálogo Climático de Petersberg – evento anual promovido pela Alemanha em conjunto com o anfitrião da COP do ano, no caso, o Brasil. Um dos convidados foi o cientista sueco Johan Rockström, que vem, pelo menos desde 2009, alertando que as atividades humanas estão comprometendo uma série de condições do planeta.

Segundo ele, “ultrapassar 1,5 °C de aquecimento – um nível que nossas civilizações nunca experimentaram e que a Terra não vê há 100.000 anos – não apenas causará grandes danos humanos e econômicos, mas também provavelmente nos fará cruzar múltiplos pontos de inflexão nos sistemas da Terra. Isso resultará em um aquecimento amplificado, afetando bilhões de pessoas”.

As previsões dos cientistas é que só alcançaríamos esse limiar entre 2030 e 2035. O ano passado foi o primeiro a ultrapassar o 1,5 °C de aquecimento. Não significa ainda que a meta foi perdida. Isso vai ocorrer se essa faixa de temperatura se mantiver por alguns anos, mas Rockström teme que o aquecimento está se acelerando e deve ocorrer antes do previsto. 

“Isso exige uma análise criteriosa de segurança. Nossas metas para permanecer dentro do limite de 1,5 °C são realmente suficientes? Ou estamos nos enganando?”, questiona.

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Aviso

Este é um conteúdo exclusivo da Agência Pública e não pode ser republicado.

Leia de graça, retribua com uma doação

Na Pública, somos livres para investigar e denunciar o que outros não ousam, porque não somos bancados por anunciantes ou acionistas ricos.

É por isso que seu apoio é essencial. Com ele, podemos continuar enfrentando poderosos e defendendo os direitos humanos. Escolha como contribuir e seja parte dessa mudança.

Junte-se agora a essa luta!

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes