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Acordo fraco decepciona países em desenvolvimento e joga para a frente desafio de alcançar meta mais ambiciosa

Reportagem
23 de novembro de 2024
22:20

BAKU – A expectativa era conseguir pelo menos US$ 1,3 trilhão. A realidade foi de apenas US$ 300 bilhões. Depois de dias de um intenso cabo de guerra entre nações ricas e pobres durante a 29ª Conferência do Clima da ONU (COP29), realizada em Baku, no Azerbaijão, com direito a apelos e movimentos dramáticos, a aguardada nova colaboração financeira dos países desenvolvidos às nações em desenvolvimento triplicou em relação à cifra atual, mas ficou muito aquém do necessário para que elas possam lidar com a crise climática, tanto em termos de redução de suas emissões quanto em adaptação.

A COP29 chegou ao seu principal objetivo na madrugada deste domingo (horário local, por volta de 19h40 de sábado em Brasília) com um misto de sentimentos: um certo alívio por ter estabelecido algum acordo – chegou-se a cogitar que ele poderia não ser alcançado – e bastante frustração por ser muito pouco ambicioso. Sem responder às expectativas de um planeta em acelerado aquecimento, com eventos extremos cada vez mais frequentes e intensos em todo o mundo.

A COP29 tinha a responsabilidade de destravar um dos pontos mais difíceis do regime climático: definir quem paga a conta das mudanças climáticas, a quantia, as fontes e as condições desse financiamento. A meta era definir o chamado novo objetivo coletivo quantificado (NCQG, na sigla em inglês) para substituir o compromisso, que já existe hoje, por parte dos países desenvolvidos, de mobilizar US$ 100 bilhões por ano para os países em desenvolvimento.

Esse financiamento, que foi definido em 2009 na Conferência do Clima de Copenhague para valer a partir de 2020, foi incorporado no Acordo de Paris, que definiu também que ele teria de ser atualizado depois de 2025. O documento deixa claro que os países desenvolvidos devem prover recursos financeiros para ajudar países em desenvolvimento. Já estes foram encorajados a colaborar de forma voluntária.

Ocorre que as nações mais ricas não cumpriram sua parte nos dois primeiros anos (2020 e 2021). E em 2022, apesar de haver um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que diz que o volume de recursos teria sido alcançado, outras análises apontaram que muito desse dinheiro não se tratava necessariamente de verba para ação climática, mas para outros fins. 

Além disso, em vez de doação por parte dos governos (fonte pública), boa parte desse dinheiro foi repassada na forma de empréstimos com juros de mercado, o que aumenta o endividamento das nações mais pobres. Isso tudo agravado pelo fato de que US$ 100 bilhões por ano já estão completamente defasados. O cálculo mais aceito é que a ação climática já demanda mais de US$ 6 trilhões até 2030. Foi daí que veio a demanda de que seriam necessários US$ 1,3 trilhão por ano.

Foi nesse sentimento de desconfiança que chegamos a Baku, piorado pela pressão dos países desenvolvidos para que se aumentasse a base de doadores. Estados Unidos e União Europeia argumentam que países emergentes, como China, Arábia Saudita e mesmo o Brasil, deveriam também colaborar com o montante – proposta considerada inconcebível por essas nações. Se os ricos nem sequer cumpriram o primeiro compromisso, como podem querer dividir a conta agora com os mais pobres?, argumentaram.

A decisão tomada em Baku atende a este ponto – se restringe a encorajar os países em desenvolvimento a fazer contribuições em base voluntária. Mas falha em todos os demais pontos críticos. O texto traz como decisão “estabelecer a meta, com os países desenvolvidos assumindo a liderança, de alcançar pelo menos US$ 300 bilhões por ano até 2035 para os países em desenvolvimento para ação climática”.

O texto chama “todos os atores” a trabalhar juntos para permitir o escalonamento do financiamento para os países em desenvolvimento para ação climática, de fontes públicas e privadas, para no mínimo US$ 1,3 trilhão por ano até 2035.

Ou seja, a cifra obrigatória são somente os US$ 300 bilhões. Mas nem isso está garantido que virá de fontes públicas. O texto aponta que ele pode vir de uma “ampla variedade de fontes, públicas e privadas, bilateral e multilateral, incluindo fontes alternativas”.

Também reconhece a “intenção voluntária das partes” de considerar recursos mobilizados junto aos bancos multilaterais de desenvolvimento para alcançar o montante previsto.

Há uma vaga menção à criação de um “mapa do caminho” entre Baku e Belém, no Brasil, onde ocorrerá no ano que vem a COP30, para buscar meios de escalonar os recursos em direção ao US$ 1,3 trilhão.

Processo lento e atrapalhado gerou resultado fraco

Ao longo das duas semanas da COP29, o debate em torno do NCQG foi atabalhoado e lento. Na quinta-feira, quando faltavam pouco mais de 24 horas para o horário em que oficialmente a conferência deveria ser encerrada, o texto que estava proposto nem sequer apresentava um número de financiamento. Uma plenária foi convocada para todos os países terem a chance de se manifestar e o desapontamento era geral. Susana Muhamad, ministra de Meio Ambiente da Colômbia, disse que “os países estavam jogando geopolítica com as vidas das pessoas”.

Somente na sexta-feira (22) surgiu uma opção de número – apenas US$ 250 bilhões –, o que gerou forte reação de todos os países em desenvolvimento. Rapidamente se espalhou pelos corredores a reação de delegados da Bolívia e de Uganda, que apenas responderam “isso é uma piada?”, quando questionados sobre o valor.

O impasse era tão grande que, no sábado, foi aventado ao longo do dia, especialmente por organizações não governamentais, que talvez um não acordo fosse melhor do que um acordo ruim, que arraste problemas para os próximos anos, como a não garantia de provisão de recursos públicos.

O Brasil foi de opinião contrária. Preocupado em ter de carregar o problema para a conferência de Belém, o país queria uma solução em Baku. A secretária de Mudança do Clima, Ana Toni, resumiu a situação: “Não temos certeza se teremos uma situação melhor no próximo ano devido às mudanças geopolíticas. Então estamos debatendo: devemos aceitá-lo agora ou considerá-lo mais tarde?”. 

O argumento leva em conta que no ano que vem, com Donald Trump na presidência dos Estados Unidos, o contexto de negociações será muito mais complicado, o que poderia fazer o acordo ficar ainda pior. 

Na sexta-feira, em coletiva de imprensa, a ministra Marina Silva afirmou que a importância de fechar um acordo aqui vai além do prejuízo que a decisão traria sobre Belém. “É o prejuízo que isso causa para a humanidade, para o equilíbrio do planeta. Nós não podemos adiar, nós não podemos prejudicar as medidas que devem ser tomadas no tempo certo, com a velocidade e a quantidade de meios tecnológicos, recursos financeiros.”

O texto acordado, porém, não garante isso. A negociadora da Índia, Chandni Raina, reagiu fortemente ao documento e, ao longo de 12 minutos, fez a fala mais enfática nesse sentido. Disse que não aceitava o acordo e que ele é decepcionante. “Este texto não é nada além de uma ilusão de ótica.”

A sociedade civil também reagiu negativamente. A Rede de Ação Climática (CAN), que inclui organizações do mundo inteiro, afirmou que “rejeita veementemente o resultado”, que chamou de “traição”. Para o grupo, os países desenvolvidos não cumpriram suas responsabilidades históricas. “O valor do NCQG é totalmente inadequado, falta qualidade do financiamento, não há equidade ou justiça refletidas no texto, e a orientação do financiamento dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento não foi concretizada. O objetivo falhou completamente ao responder às necessidades dos países em desenvolvimento.”

A repórter viajou a convite do Instituto Arapyaú e do ClimaInfo

UN Climate Change - Kiara Worth

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