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Na entrada do 2º Seminário de Comunicação do Partido Liberal (PL), que aconteceu em Fortaleza (CE) na última sexta-feira (30/5), uma sala de paredes de vidro acolhia uma fila de pessoas que conseguiram uma senha para ter acesso ao treinamento em inteligência artificial (IA). Em cinco mesas, jovens com cortes de cabelo moderninhos ensinavam pacientemente o que significa inteligência artificial generativa, como usar ferramentas para melhorar seus textos e criar imagens a quem quisesse ouvir. Ao lado, um túnel com enormes telões exibindo imagens de Jair Bolsonaro em cores vibrantes levavam o público até o grande auditório, dando uma impressão que se passava por uma máquina do tempo que levava ao futuro; enquanto, dentro do salão, o ex-presidente era louvado em hits modernosos que iam do funk – “volta Bolsonaro” – a um reggaeton com forte sotaque latinoamericano – “o mito chegou e Brasil acordou” – misturado a um rap cantado por uma criança (“ideologia de gênero, ui, que nojeira”).
Todo o evento foi elaborado para projetar uma imagem high-tech. O PL, partido que sempre se valeu do fisiologismo político, agora quer levar seus apoiadores ao século 21. “Agradeço às Big Techs e toda a equipe do Partido Liberal por mais essa grande oportunidade de aprender mais”, disse o presidente, Valdemar Costa Neto, seguindo com uma frase lida com cuidado, para dar sentido a cada palavra que o político de 75 anos parecia desconhecer tanto como a maioria dos ali presentes. “Vim dizer pra vcs que eu estou em ON”, diz, explicando que o evento está fazendo “a oposição stalkear o nosso trabalho…” e “já que ainda não sextou eu peço RT deste evento para todos vocês”.
A plateia, lotada com mais de 700 pessoas, estava encabeçada pelos convidados do PL, que se apinhavam nas três primeiras filas e incluíam influenciadores jovens, bonitos e sarados que se tornaram deputados e vereadores graças, de fato, às redes sociais, como a vereadora de Fortaleza Bella Carmelo, uma jovem loira e esbelta de 24 anos, esposa de Carmelo Neto, deputado estadual e presidente do PL no estado, e o deputado federal André Fernandes, ex-candidato à prefeitura de Fortaleza. Havia ainda velhos caciques do partido, como o deputado federal Sóstenes Cavalcante.
Nas demais 22 fileiras, via-se uma mistura de senhores e senhoras, vestidos de camisetas com a foto de Bolsonaro, variedades de camisas de futebol em azul e amarelo que diziam coisas como “time de Bolsonaro” ou traziam o número do partido, bonés e ponchos com a bandeira do Brasil. Claramente estavam lá para ver Bolsonaro, como demonstravam aos gritos cada vez que o nome do ex-presidente era mencionado. A plateia era definitivamente mais velha do que esperava o partido, mas não menos animada: muitos estavam tirando selfies, gravando vídeos ou fazendo ligações ali mesmo para parentes distantes. O clima, em geral, era de animação – e ódio ao PT, um dos motes que percorreu todas as falas dos políticos.
Mas a oposição a Lula, os velhos motes “Lula ladrão”, se misturavam, agora, ao brado de defesa da liberdade que perpassou diversos discursos.
“Quando eu criei o ‘Deus, pátria, família’, eu senti que estava faltando alguma coisa”, disse Bolsonaro em seu discurso. “E era liberdade, porque sem liberdade somos escravos”.
Liberdade, essa, que não se distinguia da defesa dos interesses das Big Techs. Muito além do agradecimento pelo presidente do partido no discurso de abertura às Big Techs, houve reiteradas críticas às propostas de regulação e a promessa de incidência no julgamento do Artigo 19 do Marco Civil da Internet que começa nesta semana no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Foi anunciado agora que quarta-feira o STF vai tentar tornar inconstitucional o Artigo 19 do Marco Civil da Internet, que determina que para retirar um conteúdo é necessária uma ordem judicial, dentro da tradição do direito brasileiro e no direito internacional. O que eles querem é criar o Ministério da Verdade, o Ministério da Exceção, o ministério em que eles vão dizer o que é verdade e o que é mentira”, disse Rogério Marinho, ex-ministro do governo Bolsonaro e secretário executivo do partido.
(Vale reforçar que o Artigo 19 não tem nenhum respaldo na “tradição do direito brasileiro”, como diz o ex-ministro, mas é uma cópia da Section 230, artigo legal criado nos Estados Unidos que isentou as plataformas digitais de serem responsabilizadas mesmo se publicarem e lucrarem com conteúdo ilegal, exceto se houver ação judicial).
O Seminário faz parte da Agenda 22, uma turnê pelo país liderada por Marinho onde a cúpula do PL tem se reunido com partidários e eleitores para mapear as principais queixas da população que servirão de pauta nas eleições de 2026.
Mas seu objetivo declarado foi munir os apoiadores com ferramentas para ampliarem a participação online – o que foi expresso, também, por Marinho: “vocês aqui são os robôs de Bolsonaro!”, disse à plateia, que aplaudiu animada.
E, para isso, a participação das Big Techs foi fundamental. Nos folhetos e credenciais de identificação, constava a participação de Meta, Google, X, TikTok e Kwai – mas os três últimos não apareceram.
O centro das atenções foi a Meta, representada por um entusiasmado funcionário, que falou durante 45 minutos como se estivesse no palco de um show. Felipe Ventura explicou como usar o Meta AI para buscar informações e contextos, criar frases de efeito e também criar fotos e vídeos que podem ser usados para campanhas online. Passou um grande tempo explicando como fazer “prompts”, pedidos usados para que os chatbots de IA criem conteúdo. Estimulava a plateia a encontrar o ícone circular e colorido do Meta AI no Facebook, Instagram ou WhatsApp.
Mas o resultado foi frustrante. Pouca gente prestava atenção, o burburinho crescia. Do meu lado, uma senhora em seus 60 anos, bem-vestida e que me disse estar com vontade de se filiar ao PL por ser “direitista doente”, não conseguiu encontrar o ícone em nenhum dos produtos, e acabou entrando no ChatGPT, produto rival, onde conseguiu, com um prompt simples, criar a imagem de um urso polar. Do meu outro lado, uma mulher nos seus 20 e poucos anos acompanhada da tia, até tentou encontrar o ícone do Meta AI, mas, ao entrar no WhatsApp, começou a ler mensagens e passou o resto da palestra editando fotos suas e de uma amiga para mandar para o grupo da família. Ventura perguntou se alguém tinha conseguido criar uma imagem. Poucos levantaram a mão.
Embora tenha lembrado os presentes que é importante a transparência ao criar imagens com inteligência artificial, avisando os receptores, o funcionário da Meta não avisou em nenhum momento sobre as limitações impostas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o uso de inteligência artificial para a campanha eleitoral. Em 2024, o TSE proibiu a criação de deepfakes e o uso de inteligência artificial não rotulada, assim como a proibição de IA em qualquer conteúdo desinformativo.
Vilela encerrou explicando à plateia como usar o WhatsApp Business e, diante de uma plateia gelada, ainda arriscou. “Se você não vende nada, você pode vender uma ideia”. Saiu prometendo que voltaria para falar de como ter maior alcance no Instagram, mas não voltou mais.
Por conta de atrasos variados, o tempo do Google foi reduzido a 15 minutos. Ricardo Vilela subiu com o mesmo entusiasmo do seu colega de Meta, mas a plateia foi ainda menos receptiva enquanto ele acelerava os slides sobre os produtos Google. Seu foco principal foi o uso de inteligência artificial para vídeos do YouTube, através de integração com a ferramenta Gemini. Além disso, o representante do Google apresentou a ferramenta Notebook LM, que faz pesquisa e anotações com ajuda de IA.
Em outra palestra, alguns produtores de conteúdo ligados à ferramenta CapCut explicaram como fazer vídeos convincentes, construindo cenas que apelam ao público. Exibiram um vídeo de Michelle Bolsonaro demonstrando como a cena foi montada para conectar com a audiência.
Depois dos workshops, Carlos Bolsonaro subiu ao palco para explicar que sua principal estratégia é “ocupar todos os espaços” nas redes, exibindo, ao fundo, os números de milhões de seguidores de sua conta e do pai – valeu-se ainda do tom emocionado, lacrimejando ao dizer que abre mão da vida pessoal para trabalhar, pois o amor ao pai é “maior que tudo”.
Foi a deixa para o discurso mais esperado daquela manhã. Jair Bolsonaro entrou na mesma toada, e chorou ao falar do filho Eduardo, “para mim ele ainda é um menino”. Eduardo está sendo investigado pelo TSE por estar neste momento nos Estados Unidos articulando uma retaliação de outra nação ao STF por investigar uma tentativa de golpe liderada por seu pai.
Jair finalizou mais uma vez agradecendo à Meta e ao Google. “Passou aqui o representante do Google, o da Meta. Estão do lado certo, estão junto com a diretriz da primeira emenda dos Estados Unidos. A liberdade de expressão é a nossa alma, é o nosso oxigênio, não podemos permitir que ela seja cerceada”. Em meio a guerra de sanções que se torna cada vez mais próxima diante de ameaças do governo americano de retaliar ao Brasil e da decisão do STF de votar o fim do Artigo 19, o Centro de Convenções do Ceará se tornou um palco, talvez inusitado, mas de jeito nenhum irrelevante, desta disputa internacional.