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Reportagem

Do amianto às terras raras, cidade de Goiás vive entre passado e futuro da mineração

Após 60 anos de exploração, Minaçu quer recomeço com minerais da transição energética disputados por China e EUA

Reportagem
1 de julho de 2025
04:00
Imagem aérea da área de exploração de amianto da mineradora SAMA.
José Cícero / Agência Pública

Uma pequena cidade no norte de Goiás, onde ainda funciona a única mina de amianto das Américas, vem atraindo atenção mundial por abrigar a primeira operação fora da Ásia a produzir em escala comercial as principais terras raras – um conjunto de minérios fundamental para a transição energética e que está no centro da disputa comercial entre China e Estados Unidos.

A expectativa em torno da incipiente produção brasileira de terras raras se dá em um momento de preocupação global com a cadeia produtiva desses minérios – depois que a China, principal produtora desses minérios no mundo, restringiu suas exportações em resposta ao tarifaço promovido por Donald Trump.

Sozinha, a China domina a separação das terras raras e responde por mais de 90% da fabricação de superímãs, produtos feitos com esses elementos que são essenciais em motores de carros elétricos, turbinas eólicas e equipamentos militares, como caças e mísseis.

Com a segunda maior reserva desses minérios no mundo, o Brasil tem potencial para alterar esse quadro, na opinião de Constantine Karayannopoulos, pioneiro do setor. “Eu venho avaliando [esse mercado] ao redor do mundo há anos e acho que o Brasil tem, de longe, os melhores depósitos de terras raras”, disse à Agência Pública. Cofundador de uma das maiores empresas da indústria de terras raras, a Neo Performance Materials, ele esteve recentemente no Brasil para conhecer operações em Goiás e Minas Gerais.

O epicentro dessas operações hoje no país é a pequena Minaçu, a 382 quilômetros de Brasília, onde, desde o início de 2024, uma mineradora multinacional controlada por um fundo privado americano escava uma imensa área na serra que rodeia a cidade para extrair terras raras destinadas à exportação – justamente para a China.

Para a cidade e seus 27 mil habitantes, a nova exploração mineral é a promessa de um recomeço. Fundada por causa da extração de amianto, usado por décadas na construção civil, Minaçu viu o que considerava sua vocação econômica ameaçada por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 2017, baniu toda a produção e comércio de amianto no país pelos problemas de saúde causados pela exposição ao minério. Hoje, mais de 65 países proíbem ou restringem a exploração e o uso do amianto.

A cidade, porém, conseguiu retomar a produção, ainda que em menor escala, depois de uma lei estadual de 2019 autorizar a mineração apenas para exportação. A legislação é questionada e está em julgamento no STF há seis anos (em março, o ministro Kássio Nunes pediu vistas), colocando o futuro da economia de Minaçu em um limbo. Até a descoberta de terras raras.

E a COP30 com isso?
  • Os países que vão participar da COP30, maior conferência sobre mudanças climáticas da ONU, precisam apresentar metas para reduzir a queima de combustíveis fósseis, que causam o aquecimento global. O principal instrumento para se obter essa redução é acelerar a transição energética: substituir os fósseis por fontes mais limpas, como as energias solar e eólica;
  • A demanda por minerais críticos, como as terras raras, usados na fabricação de turbinas eólicas, paineis solares e veículos elétricos, deve triplicar até 2040, aumentando a pressão por cidades como Minaçu, o que eleva o risco de piorar as desigualdades sociais. Daí a reivindicação da sociedade civil para que a transição energética justa seja discutida na COP.

Entre os moradores da cidade, a chegada de uma nova mineradora – a Serra Verde – foi recebida com um misto de alívio e euforia. Em 2017, a primeira audiência pública na cidade sobre a mineração de terras raras reuniu mais de cinco mil pessoas em um templo da Assembleia de Deus.

“Foi em um dia útil, mas parecia feriado, porque as ruas estavam vazias e tudo fechado, já que estava todo mundo na audiência – representantes das empresas, do poder local. Tinha moradores com o currículo já em mãos”, conta o antropólogo Arthur Pires do Amaral, que vivia em Minaçu na época estudando a relação da população com a exploração de amianto.

Em Minaçu, a Serra Verde Pesquisa e Mineração, fundada e administrada pelo Denham Capital, um fundo americano privado de investimentos, pretende ser a primeira operação fora da Ásia a produzir um concentrado com os elementos de terras raras usados na fabricação de superímãs.

Esse concentrado, que depois precisa ser separado, é produzido a partir da extração em um dos maiores depósitos de argila iônica encontrados fora do sudeste asiático. Outros países, como Estados Unidos e Austrália, possuem terras raras em depósitos conhecidos como “pedra dura”, muito mais complicados e caros de explorar. 

Terras raras são fundamentais para transição energética

Terras raras é o nome dado a um conjunto de 17 minerais com propriedades de enorme interesse econômico, como o alto magnetismo e a capacidade de absorver luz, o que os torna úteis para várias aplicações tecnológicas – dos superímãs de carros elétricos a discos rígidos de computadores e telas de celular. São chamados de “raros” porque costumam ser encontrados em baixas concentrações e misturados a outros elementos, o que dificulta a extração e, principalmente, a separação.

Cada elemento é usado para uma aplicação diferente. Mas a maior demanda global é por neodímio, praseodímio, disprósio e térbio, fundamentais para superímãs potentes usados nos motores elétricos e turbinas de geração eólica.

Hoje, praticamente toda a separação desses elementos é feita na China, que descobriu jazidas de argilas iônicas ricas em terras raras nos anos 1990, revolucionando a indústria desses minerais. Desde então, o país apostou em uma estratégia industrial de investimento pesado em toda a cadeia, da extração à fabricação do produto final, principalmente os carros elétricos – ampliando e, ao mesmo tempo, alimentando a demanda por terras raras, que dobrou globalmente entre 2015 e 2023.

Neodímio (Nd) e Praseodímio (Pr)
Disprósio (Dy) e Térbio (Tb)
Cério (Ce)
Lantânio (La)
Ítrio (Y)
Samário (Sm)
Túlio (Tm)
Neodímio (Nd) e Praseodímio (Pr)

Superímãs de carros elétricos, turbinas eólicas e equipamentos militares.

Disprósio (Dy) e Térbio (Tb)

Também usados, em menor quantidade, nos superímãs.

Cério (Ce)

Lâmpadas de LED.

Lantânio (La)

Separação de componentes do petróleo, baterias e lentes.

Ítrio (Y)

Lasers.

Samário (Sm)

Ímãs de motores para aviões.

Túlio (Tm)

Dispositivos de Raio-X.

Quando uma “mãe” se aposenta, surge outra

A licença de instalação da Serra Verde foi concedida pelo governo estadual em 2019, pouco depois da mineradora de amianto, a Sama, uma subsidiária da multinacional belga Eternit, ter sido notificada judicialmente e forçada a interromper suas atividades – após 50 anos de uma produção constante que deu origem a própria cidade.

“Quando [a Sama] fechou, foi um baque”, lembra o minaçuense Hivan Soares, 39 anos. “Mas aí tinha aquela expectativa: a Serra Verde vai chegar. Só que era só uma expectativa. Aí passou um tempo e a Sama pôde reabrir, mas não com o mesmo impacto de antes. Até 2019, a Sama foi uma mãe para a cidade em todos os aspectos.”

Soares, que trabalhou quase três anos na mineração de amianto, não é o único a se referir à mineradora como “mãe”. O apelido, repetido por toda a cidade, revela a relação de dependência da empresa. Antes da Sama, não havia Minaçu – cujo nome, em tupi-guarani, significa literalmente “mina grande”.

Até a descoberta da jazida de amianto de Cana Brava, em 1962, a região de cerrado, próxima à Chapada dos Veadeiros, era habitada por indígenas Ava-Canoeiro e por alguns garimpeiros. Para viabilizar a exploração do minério, a empresa construiu as primeiras casas, asfaltou (com amianto) as primeiras ruas e instalou hospital, delegacia e escola.

A partir da vila operária, Minaçu cresceu literalmente colada à mina de amianto. Os moradores mais antigos ainda se lembram de quando “nevava” na cidade: nas décadas de 1970 e 1980, as casas, carros e árvores costumavam amanhecer cobertos pelo pó branco dos rejeitos da exploração.

Ainda hoje, a primeira coisa que é possível avistar ao horizonte por quem chega a Minaçu é a pilha de rejeitos, que forma uma montanha artificial com as camadas antigas cobertas por grama e as mais recentes ainda de coloração cinza esbranquiçada. Para além do monte de rejeitos, o amianto marca toda a paisagem de Minaçu, dando nome a ruas, hotéis e comércios. Na frente do fórum municipal, há uma enorme pedra do minério.

“A Sama é a grande parteira da cidade. Todos dependiam da empresa, e isso criou uma relação umbilical. É uma cidade produzida por e para o capital minerário”, resume o geógrafo Fábio Macedo Barbosa, professor da Universidade Estadual de Goiás que pesquisou a história de Minaçu em seu doutorado.

Com o início do julgamento sobre o amianto no STF, em 2012, a relação estremeceu e a capacidade empregadora da empresa passou a diminuir. A partir de 2014, ano em que a Sama bateu recordes de exploração mineral, a mineradora começou a demitir mais do que abrir novas vagas. O saldo se manteve negativo até 2019, com exceção do ano de 2018, segundo levantamento da pesquisadora Agnes Serrano para o doutorado que fez na Universidade de Brasília.

Dados mais recentes, do Cadastro Geral de Empregos (Caged), mostram que, em Minaçu, o setor de extração de minerais não-metálicos (caso do amianto) teve saldo positivo de empregos formais nos últimos 5 anos. Ainda assim, os moradores dizem que a mineradora não emprega na quantidade do passado – nem com os mesmos benefícios. 

Agora, a expectativa local é que a Serra Verde ocupe esse lugar, oferecendo empregos formais e contribuindo com o orçamento municipal pelo pagamento de impostos, os chamados royalties da mineração. O prefeito de Minaçu, Carlos Alberto Lereia (PSDB), reverbera a empolgação: “Vai dar uma riqueza enorme para a cidade. Eles estão prevendo produzir 25 mil toneladas em 2027, e aí eu tenho certeza que a receita será grande”, disse à Pública.

Nada disso, porém, vem acontecendo na velocidade que se esperava devido a atrasos na implementação da mineradora e dificuldades operacionais. A expectativa era começar a produção em 2022, mas a operação comercial só teve início em janeiro do ano passado.

Em setembro, uma primeira remessa de 60 toneladas foi exportada para a China, conforme informações da Secretaria de Comércio Exterior, do Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. A mais recente, de fevereiro, foi de 419 toneladas – ainda muito distante da expectativa de produção da empresa de chegar a pelo menos 5 mil toneladas por ano.

Em outubro, a mineradora recebeu US$ 150 milhões em investimentos de outros dois fundos estrangeiros, o britânico Vision Blue e o The Energy & Minerals Group, com sede no Texas. A Serra Verde também foi incluída na “Minerals Security Partnership”, uma colaboração entre a União Europeia e 14 países, entre eles os Estados Unidos e a Índia, para aumentar investimentos públicos e privados na cadeia global de minerais críticos.

Ainda assim, em Minaçu, foram registradas mais demissões do que admissões formais no setor de minerais metálicos (caso das terras raras) todos os meses desde outubro até março (último mês com dados disponíveis pelo Caged) – pelo menos 165 pessoas foram desligadas.

Para Luiza Cerioli, pesquisadora sênior da Universidade de Kassel, na Alemanha, isso se deve a uma característica comum de economias baseadas na extração de riquezas naturais, como os minérios: elas produzem “cidades enclaves” – apartadas do restante da economia.

“Essa característica de enclave significa que são poucos empregos, que há poucas conexões na cadeia produtiva com outros setores industriais e comerciais. Por mais que exista essa ideia de que o extrativismo produz muito emprego, a realidade mostra outra coisa”, diz ela.

Preocupação com impactos ambientais da extração de terras raras

Institucionalmente, a Serra Verde se promove como o produtor de terras raras “mais sustentável globalmente” por realizar a retirada de minério em buracos considerados rasos, de até 6 metros de profundidade, sem a necessidade de explosões ou britagem, e por usar apenas água e sal para produzir o concentrado destinado à exportação. Muito diferente da exploração de amianto, cujas explosões sacudiam as casas da cidade e deixaram três cavas gigantescas abertas nas montanhas.

A operação no Brasil quer se diferenciar das realizadas na Ásia, onde já foram identificados impactos ambientais na extração de terras raras. Anos atrás, o governo chinês se viu obrigado a fechar várias minas de argila iônica no sul do país, por causa do impacto ambiental das operações.

Boa parte da extração, então, migrou para Mianmar, onde também há denúncias de danos ambientais associados à contaminação do solo e de rios por sulfato e nitrato de amônio – usados pelas mineradoras para produzir o concentrado de terras raras – o que acabou virando um problema para empresas preocupadas com os indicadores ESG (Ambiental, Social e de Governança, na sigla em inglês), que não querem estar associadas ao país.

“Hoje, todas as terras raras pesadas que são refinadas na China vêm de minas de argila iônica em Mianmar. Clientes de grande porte já me perguntaram quanto tempo vai ser necessário para eliminar Mianmar da cadeia produtiva de terras raras”, conta Karayannopoulos.

A Serra Verde usa sal – em vez de sulfato e nitrato de amônio – e afirma reciclar toda a água utilizada para lavar a argila iônica e produzir o concentrado. “Nosso processo é quase uma extração ‘natureba’ de terras raras. Sem resíduo radioativo, buscando proteger cursos d’água e nascentes”, disse o então vice-presidente da mineradora, Luciano Borges, em uma reunião realizada com funcionários em 2022.

Ainda assim, moradores da comunidade mais próxima à mina se preocupam com os impactos da atividade. À Pública, duas famílias relataram que desde que a mineradora começou a operar, dois riachos que nascem na área da Serra Verde ficaram sujos com uma espécie de gordura que confere à água, antes transparente, um aspecto avermelhado.

No fim do ano passado, o pequeno agricultor Ronaldo Ribeiro Coelho contou pelo menos seis casos de abortos em sequência entre suas vacas, que bebem água nos riachos. Ele diz que nunca tinha visto nada parecido. Segundo as famílias, representantes da empresa foram alertados e já foram às propriedades coletar amostras da água, mas, até agora, não deram resposta aos moradores.

A reportagem pediu esclarecimentos à Serra Verde. Por meio de nota, a empresa não respondeu às perguntas específicas sobre as demissões nos últimos meses e sobre a situação dos córregos, limitando-se a afirmar: “A herança e tradição minerária da região continuam sendo fundamentais para o nosso sucesso, e a Serra Verde mantém um forte relacionamento com as comunidades anfitriãs em Minaçu”.

A empresa disse ainda que tem “potencial de crescimento a longo prazo e flexibilidade para alinhar a produção com as tendências globais de demanda em evolução em diversos setores críticos” e que “está em uma posição sem precedentes como a única produtora em escala, fora da Ásia, dos quatro elementos de terras raras essenciais para a fabricação de ímãs permanentes”. Por fim, declarou: “Nossas comunidades, o Brasil e o restante do mundo se beneficiarão das ações que estamos tomando hoje para criar cadeias de suprimento diversificadas”.

Mineração não conseguiu reduzir a pobreza

Além da preocupação ambiental, a aposta na dependência da mineração corre o risco de repetir padrões do passado, quando a produção de amianto, mesmo no auge, não reduziu a pobreza em Minaçu nem levou a investimentos na diversificação da economia local. A cidade se firmou apenas como um local de extração.

“No auge do amianto, o Brasil tinha 14 indústrias de fibrocimento, usado para fazer telha e caixa d’água. Se tivessem feito [uma dessas fábricas] lá atrás aqui, a história da cidade era outra”, disse o prefeito em entrevista à Pública. Segundo Lereia, isso não aconteceu por dificuldades logísticas, como a distância de Minaçu de grandes centros urbanos, mas também por falta de força política.

Assim, o poder econômico ficou todo concentrado na Sama, que sempre teve muito mais dinheiro do que a prefeitura de Minaçu. Entre 2010 e 2021, a receita das operações da empresa foi 4 vezes maior do que a receita líquida do município, conforme dados levantados pela geógrafa Agnes Serrano.

Em sua pesquisa de doutorado, Serrano também analisou dados de pagamento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (a CFEM, mais conhecida como royalties da mineração), que, nesse período, correspondeu em média a 5% do orçamento municipal, e a quantidade de famílias inscritas no CadÚnico, plataforma do governo federal que registra pessoas de baixa renda.

Ela observou que entre 2014 e 2020, o pagamento dos royalties à prefeitura não levou a uma menor dependência dos programas de distribuição de renda.

“Os anos de 2014 e 2015, por exemplo, em que houve o recebimento das maiores cota-partes do recurso oriundo da renda mineral no município também correspondem aos anos em que se registrou o maior número de munícipes cadastrados no sistema do governo”, afirma ela. Nesses anos, cerca de metade da população estava no CadÚnico.

O geógrafo Ricardo Gonçalves, professor da Universidade Estadual de Goiás, também analisou a quantidade de pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza em Minaçu entre 2015 e 2022 e chegou à mesma conclusão. “A permanência de mais de 20% da população na condição de vulnerabilidade social explicita que os lucros da mineração de amianto não resultam em qualidade de vida para a população local.”

Atualmente, 30% das famílias de Minaçu estão em situação de pobreza, conforme dados de junho do CadÚnico. 

“[A empresa] é poderosa, mas é poderosa só para os franceses [e belgas] lá. Porque eles pagavam em real, mas recebiam em dólar”, resume Raimundo Ferreira de Lima, de 75 anos, que chegou a Minaçu dois anos após a inauguração da mina de amianto e testemunhou a longa história da cidade com a Sama, para quem ele trabalhou por cerca de 8 anos prestando diferentes serviços. Para ele, o futuro com a Serra Verde não deve ser diferente: “Essa terra rara agora é a mesma coisa”.

A opinião dele, no entanto, é minoritária em uma cidade em que a maioria da população vê a Sama como o grande motor do desenvolvimento local. Não à toa, a mineradora ainda contou e continua contando com amplo apoio.

“Eu mesmo acompanhei, voluntariamente, uma caravana que foi à Brasília para lutar em prol do não fechamento do amianto. Fomos em 20 ônibus”, conta Hivan Soares, lembrando o início do julgamento no STF. “Eu nem tinha trabalhado na Sama ainda, fui pelo município, porque quem mora aqui sabe o quanto é importante para uma empresa desse nível permanecer aberta.”

Ainda assim, os moradores sabem que é apenas uma questão de tempo para a “mãe” ter que se aposentar. Em agosto do ano passado, se adiantando à uma eventual definição pelo STF, a Assembleia Legislativa de Goiás aprovou uma lei que estabelece um prazo de cinco anos para o encerramento das atividades de extração e beneficiamento do amianto.

“Minaçu é um território com mineração a céu aberto há mais de 50 anos. Em todo esse período, se manteve uma relação econômica desigual da mineradora com o município, a população e o governo local. A mineradora não controla só o território para o uso econômico, mas também o discurso sobre o emprego e o desenvolvimento na cidade”, define o geógrafo Ricardo Gonçalves, da Universidade Estadual de Goiás.

População faz “pacto de silêncio” sobre efeitos do amianto

O domínio da empresa na cidade leva a um “pacto de silêncio” sobre os efeitos do amianto para a saúde dos trabalhadores, segundo Fernanda Giannasi, ex-fiscal do Ministério do Trabalho e fundadora da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto.

Abundante, fácil de extrair, flexível e resistente ao calor e ao fogo, o amianto foi muito usado em materiais de construção, como telhas e caixas d’água – o que ainda acontece em países como Índia, Bangladesh, Indonésia e Tailândia, principais compradores do minério extraído em Minaçu. Já os Estados Unidos também importa o amianto de Minaçu para uso na indústria petrolífera. A inalação das fibras do minério, no entanto, está associada a doenças graves, como asbestose (uma fibrose pulmonar), placas pleurais (espessamento dos tecidos do pulmão), câncer de pulmão e mesotelioma (forma rara de câncer).

Segundo dados da OMS, mais de 200 mil mortes já foram causadas no mundo pela exposição ao amianto no ambiente de trabalho – 70% das mortes relacionadas a casos ocupacionais de cânceres. Por isso, ao longo das últimas décadas, mais de 65 países proibiram a produção ou comercialização do minério.

No Brasil, uma pesquisa contabilizou 3.057 mortes por doenças relacionadas ao amianto entre 1996 e 2017. É provável, porém, que esse número seja subnotificado. “Vários fatores contribuem para a invisibilidade dos adoecidos por amianto”, explica Giannasi. “Como o período de latência, que pode ser de décadas entre a primeira exposição até o diagnóstico. E a falta de conhecimento de muitos médicos, que nem sempre perguntam se, no passado, os pacientes tiveram contato com amianto.”

A Pública falou com quatro pesquisadores que estiveram em Minaçu e eles foram unânimes em relação à dificuldade de conversar sobre casos de adoecimento com moradores. Poucos são críticos como Raimundo de Lima, que contou ter conhecido muitos ex-trabalhadores da mineradora que morreram por problemas pulmonares. “Aqui, antigamente, tinha entupimento de minério. Tal pessoa morreu entupida, a gente falava assim”, conta. 

O silenciamento geral se explica, em parte, por ações da própria empresa. O antropólogo Arthur Pires do Amaral levantou casos em que uma junta médica, contratada pela Sama, não reconheceu que trabalhadores tivessem adoecido por doenças relacionadas ao amianto. Mas quando esses trabalhadores procuraram médicos e clínicas independentes, diferentes dos indicados pela empresa, as doenças foram identificadas.

Foi o que aconteceu com o pai de Jéssica*, que trabalhou por 12 anos na mineradora, nas décadas de 1980 e 1990. Ele já estava aposentado, em meados dos anos 2000, quando passou a sentir fortes dores nas costas e no peito. Mas como fazia um acompanhamento anual, que incluía tomografia, com médicos indicados pela empresa, não imaginava que pudesse ter um problema pulmonar.

A empresa, no entanto, não costumava entregar o resultado dos exames em mãos aos pacientes, apenas informava o laudo. Como as dores não passavam, ele procurou um cardiologista, que indicou uma nova tomografia. O exame revelou um tumor no pulmão que, segundo os médicos, já estava lá havia pelo menos cinco anos – sem que nada tivesse sido diagnosticado nas avaliações periódicas da empresa.

“Quando ele soube, ficou totalmente decepcionado, porque meu pai confiava na empresa”, contou Jéssica. O pai dela foi atrás de outros casos e eles tentaram denunciar a situação na cidade, mas não encontraram apoio. A família lutou por 16 anos na Justiça contra a empresa para receber uma indenização por danos morais pelos gastos com o tratamento. Não houve acordo. O pai de Jéssica morreu de câncer no pulmão e, até hoje, ela se emociona ao lembrar dele. “Meu maior desânimo é não poder falar que a justiça foi feita.”

Questionada sobre o caso, a Eternit, controladora da Sama, não respondeu até a publicação deste texto. O espaço permanece aberto para atualização.

Já o prefeito Carlos Alberto Lereia afirma que não há um problema de saúde pública em Minaçu e que a cidade não tem incidência de câncer maior do que outras no país. Para ele, a proibição do minério é exagerada. “Eu acho um absurdo, o Brasil com uma reserva grande dessas aqui”, diz, citando o “custo enorme” para o município que o fechamento da Sama vai acarretar. “Se eu estiver no cargo quando acontecer, vou pedir uma indenização para o município ao governo federal.”

Questionado pela reportagem se a administração municipal vem se preparando para o encerramento das atividades da mineradora e fazendo um planejamento para a absorção da mão de obra, ele diz que, em um primeiro momento, a empresa precisará contratar uma série de serviços para o fechamento da mina. Sobre um plano para os trabalhadores que serão dispensados, alega ser complicado. “Se tiver mercado, vão precisar buscar emprego local. O poder público não tem como [absorver]”, afirma.

O único plano, por ora, parece mesmo ser confiar que a produção de terras raras vai deslanchar.

“Eu vejo muito futuro, porque a nossa reserva aqui está prospectada e é muito grande. Algo assim abre um futuro enorme para a cidade”, diz Lereia.

Brasil ainda investe muito na extração e pouco na cadeia de terras raras

A expectativa inicial da Serra Verde é uma exploração de 25 anos, mas a empresa já disse que pretende estender as atividades por mais tempo.

“O futuro do mercado global de terras raras tem, depois da China, a Serra Verde como alternativa número 1”, disse à Pública Luciano Borges, ex-vice-presidente da empresa, que deixou o projeto no final do ano passado, após concluir a implementação da mineradora.

Para ele, como por enquanto só a mineradora em Minaçu tem esse tipo de depósito em produção, o futuro do próprio segmento de terras raras no Ocidente vai depender do desempenho da empresa no Brasil.

A dúvida é se a aposta local continuará apenas na extração do minério – e o que será feito com a receita proveniente dessa exploração.

“No Brasil, o discurso muito dominante é de que exportar essa nossa riqueza mineral traz riqueza para nós. A questão é realmente se essa riqueza vai ser reinvestida, porque normalmente ela não é”, opina a pesquisadora Luiza Cerioli.

Em janeiro, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) lançaram uma chamada pública de R$ 5 bilhões para fomentar planos de negócios que desenvolvam a cadeia de minerais estratégicos, como as terras raras.

Em junho, as instituições divulgaram os primeiros selecionados para a próxima fase da seleção. São 56 planos de negócios para diferentes minerais – 10 deles, o maior número, são voltados para terras raras. A Serra Verde está entre os selecionados.

Segundo especialistas ouvidos pela Pública, para maior participação do Brasil na cadeia produtiva de terras raras é necessária uma estratégia industrial completa, que invista não só na extração, mas também em refinarias de separação das terras raras, mão de obra especializada, identificação de clientes fora da China e o fortalecimento da própria demanda interna por superímãs e veículos elétricos.

Por enquanto, estamos muito longe de tudo isso. Além da Serra Verde, outras quatro iniciativas para extrair terras raras estão em estágios iniciais. Enquanto isso, outros países também estão interessados em ampliar suas produções – caso dos Estados Unidos, cujo governo se preocupa, especialmente, com as aplicações militares desses minerais.

No início do mandato, o presidente Donald Trump expediu uma ordem federal para que o governo priorize e acelere a produção de minerais críticos, citando especificamente sua dependência pelas terras raras da China. Mais recentemente, o país também fechou um acordo de recursos naturais com a Ucrânia para aumentar investimentos na mineração. Em 2018, depois de anos fechada, uma mina na Califórnia voltou a produzir concentrado de terras raras e, em 2022, a empresa inaugurou uma fábrica de ímãs.

A Corporação Financeira de Desenvolvimento Internacional dos EUA, uma agência de fomento do governo americano, também está analisando a possibilidade de apoiar a Serra Verde.

“Um carro elétrico usa 2 kg de ímãs, sendo que um terço do ímã é terras raras. Hoje a demanda mundial é de 15 mil toneladas de terras raras, mais ou menos. A demanda vai crescer num certo ritmo e já existem pelo menos três iniciativas nos Estados Unidos, cada uma falando em cinco mil toneladas por ano de terras raras. Onde estão as fábricas de ímãs para absorver tudo isso?”, questiona Fernando Landgraf, professor de engenharia na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e coordenador do programa de Terras Raras do Instituto de Ciência e Tecnologia.

Até agora, em Minaçu, o passado de extração mineral e a aposta na continuação desse modelo para o futuro trouxe mais promessas do que desenvolvimento de fato. “As mineradoras argumentam que precisam extrair mais minérios para a transição energética e o enfrentamento das mudanças climáticas. Minaçu está nessa rota global”, diz Gonçalves.

“Ficarão os poucos royalties e os impactos ambientais.” 

Edição:

*Nome trocado a pedido da entrevistada, que prefere não se identificar.

Esta reportagem foi feita em parceria entre a Agência Pública e The Guardian. A reportagem em inglês pode ser lida aqui.

José Cícero / Agência Pública
José Cícero / Agência Pública
José Cícero/Agência Pública
Serra Verde Pesquisa e Mineração
José Cícero/Agência Pública
Matheus Pigozzi/Agência Pública
José Cícero/Agência Pública
José Cícero/Agência Pública

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