Nos últimos dias, adeptos de teorias da conspiração entraram em conflito direto com Donald Trump. O motivo: a existência de informações prejudiciais à sua presidência relacionadas ao caso do multimilionário Jeffrey Epstein, o magnata condenado e preso por crimes sexuais – atos que inclusive envolviam meninas menores de idade. Epstein morreu em 2019, quando cometeu suicídio enquanto estava preso em Nova Iorque.
Trump, ironicamente, desempenhou ele mesmo um papel importante na promoção de teorias da conspiração nos Estados Unidos, começando com suas alegações em 2011 de que Barack Obama nasceu no Quênia, e não no Havaí, e, portanto, era inelegível para a presidência. O seu uso de outras conspirações, como as adotadas pelo grupo conspiracionista QAnon, ajudou a construir a sua base de apoiadores leais da MAGA (Make America Great Again, em português: torne a América grande novamente). Agora, as conspirações podem estar voltando para assombrá-lo.
Durante a campanha presidencial de 2024, Trump prometeu divulgar arquivos do governo relacionados à investigação do grande júri que levou ao indiciamento federal de Epstein por tráfico sexual de menores. Após o suicídio do magnata, apoiadores de Trump alegaram que ele havia sido assassinado por membros do “Estado Profundo” (Deep State), para encobrir seu envolvimento na facilitação de encontros sexuais de figuras conhecidas, incluindo democratas importantes. A divulgação dos arquivos de Epstein tornou-se um grito de guerra na campanha vitoriosa de Trump para seu segundo mandato na Casa Branca.
Até mesmo Kash Patel, o futuro diretor do FBI, participou do clamor pela divulgação dos arquivos durante a campanha eleitoral presidencial, afirmando em um podcast de dezembro de 2023 que o governo Biden estava retendo documentos “por causa de quem está naquela lista”.
Assim, para cumprir a promessa de campanha de Trump, em 27 de fevereiro de 2025, a procuradora-geral Pam Bondi, em conjunto com o FBI, divulgou um pesado arquivo com documentos desclassificados relacionados à investigação federal sobre a exploração sexual de mais de 250 meninas menores de idade por Epstein. No entanto, o material divulgado continha, em grande parte, documentos vazados anteriormente, reforçando as alegações de alguns apoiadores do MAGA de que o governo estava envolvido em um encobrimento para proteger predadores sexuais ricos e bem relacionados.
Para apaziguar os defensores da conspiração, em 14 de março, Bondi declarou que a lista de clientes de Epstein estava “em cima da minha mesa” para revisão, juntamente com material relacionado ao assassinato do presidente John F. Kennedy e de Martin Luther King Jr., criando expectativas de que nomes de indivíduos proeminentes seriam revelados em breve.
As especulações aumentaram quando Elon Musk rompeu com Trump em junho, afirmando de forma provocativa: “Hora de soltar a bomba realmente grande… [Trump] está nos arquivos de Epstein. Essa é a verdadeira razão pela qual eles não foram tornados públicos.” Sua declaração alimentou as expectativas de que havia informações prejudiciais nos arquivos que ligariam Trump a Epstein e, possivelmente, a atividades sexuais criminosas.
Então, em 7 de julho de 2025, o Departamento de Justiça e o FBI divulgaram uma declaração não assinada de duas páginas afirmando que, após “análise exaustiva”, não haviam encontrado nenhuma lista de clientes que Epstein pudesse ter usado para chantagear seus associados. Eles também divulgaram imagens de gravações de câmeras de vídeo do lado de fora da cela de Epstein nas horas anteriores à sua morte para provar que ele não havia sido assassinado como parte de um encobrimento.
No entanto, logo depois, uma investigação da Wired descobriu que quase três minutos da fita haviam sido adulterados, apesar das alegações de que o FBI havia divulgado imagens “brutas”.
Em vez de reprimir as alegações dos críticos de que o governo havia se envolvido em um encobrimento, o anúncio levou a uma reação pública ainda mais veemente entre os apoiadores do MAGA. Políticos de extrema direita, como a congressista Marjorie Taylor Greene, juntaram-se à briga, criticando a ação do governo. Importantes comentaristas conservadores começaram a pedir a renúncia ou a demissão de Bondi por não divulgar mais documentação. E, em uma reviravolta surpreendente, o presidente da Câmara, Mike Johnson, que tem sido implacavelmente leal a Trump, somou sua voz ao clamor pela divulgação completa dos documentos em nome da transparência.
Vislumbrando uma abertura política para causar uma divisão entre os republicanos, os democratas aderiram à demanda por mais informações sobre o caso. Uma primeira votação no Congresso sobre uma resolução pedindo a divulgação de todos os arquivos relacionados ao caso não obteve votos suficientes para ser aprovada na Câmara dos Representantes. Os democratas estão agora circulando outra petição bipartidária, insistindo que todos os documentos relevantes sejam revelados ao público.
Em resposta, Trump lançou um ataque contra seus apoiadores, chamando aqueles que continuavam a insistir na existência de um encobrimento de “idiotas” que faziam o jogo dos democratas, que o presidente culpava serem os responsáveis pela conspiração. Trump insistiu que seus apoiadores deveriam se concentrar em outras questões importantes e esquecer o caso Epstein, o que apenas encorajou os céticos a considerarem que Trump tem algo a esconder. O presidente também insistiu que o governo divulgasse “informações confiáveis” e que “apenas pessoas realmente ruins, incluindo notícias falsas, querem que algo assim aconteça”.
A essa altura, alguns extremistas de direita concluíram que o próprio Trump faz parte do suposto Estado Profundo. E, por mais que Trump tenha se esforçado, ele não conseguiu acabar com a história desviando a atenção da mídia para outros assuntos. Questionado na semana passada se seu nome aparecia em algum dos registros, ele respondeu: “Não, não”. Ao mesmo tempo, continuou a apoiar a procuradora-geral Bondi por seu desempenho no cargo.
Mas a controvérsia simplesmente não desaparece. Na semana passada, o Wall Street Journal noticiou que, em 2003, Trump enviou um cartão a Epstein para comemorar seu quinquagésimo aniversário. O cartão retratava seios de uma mulher com a assinatura “Donald” no lugar dos pelos pubianos, cercados por um texto datilografado que concluía: “Feliz Aniversário – e que cada dia seja um segredo maravilhoso”. A imprensa imediatamente lembrou aos leitores que, em 2002, Trump disse à revista New York que conhecia Epstein há quinze anos: “É muito divertido estar com ele. Dizem até que ele gosta de mulheres bonitas tanto quanto eu, e muitas delas são mais jovens”.
Como de costume, Trump anunciou imediatamente um processo de difamação de 10 bilhões de dólares contra o Wall Street Journal e seu proprietário de direita, Ruport Murdock, alegando, entre outras coisas, que o presidente não gosta de desenhar. No entanto, os repórteres foram rápidos em apontar que, ao longo dos anos, Trump doou vários desenhos – a maioria de prédios – para arrecadar fundos para instituições de caridade.
À medida que a crise dentro do Partido Republicano continua a crescer, a pressão pública aumenta exigindo a divulgação de toda a documentação contida na investigação do grande júri que levou ao indiciamento federal de Epstein, além de informações sensíveis sobre as vítimas. Em resposta, Trump anunciou no Truth Social: “Solicitei ao Departamento de Justiça que divulgue todos os depoimentos do grande júri referentes a Jeffrey Epstein, sujeitos apenas à aprovação do tribunal”. Ao mesmo tempo, ele atacou seus detratores, declarando: “Dito isso, e mesmo que o tribunal dê sua aprovação plena e inabalável, nada será suficiente para os encrenqueiros e lunáticos radicais de esquerda que fazem o pedido. Sempre será mais, mais, mais”.
Especialistas jurídicos apontam que o material do grande júri pode fornecer pouca nova documentação, isso se o tribunal permitir que seja divulgado, porque os promotores geralmente tentam limitar as informações que obtêm para conseguir um indiciamento. E, como Trump aprendeu ao longo dos anos, a revisão do material pode levar meses, mantendo a questão longe dos olhos do público. Por outro lado, o processo de Trump contra o Wall Street Journal pode levar a novas investigações abrangentes sobre o relacionamento entre Trump e Epstein e possíveis evidências de abusos sexuais do presidente. Além disso, o julgamento manteria a mídia focada no assunto por meses.
Com a continuidade dos protestos entre seus apoiadores de extrema direita, jornalistas que entrevistaram apoiadores do MAGA descobriram que muitos estavam desiludidos com a forma como o presidente lidou com o assunto. Depois de anos ouvindo que evidências incriminatórias contra democratas estavam nos arquivos de Epstein, a insistência de que “não há nada de errado”, parece vazia. Uma pesquisa Reuters/Ipsos de 17 de julho revelou que 69% dos entrevistados acreditavam que o governo federal estava ocultando informações sobre os clientes de Epstein, em comparação com 25% que não tinham certeza, 6% que discordavam e 4% que não tinham opinião sobre o assunto.
É importante lembrar que, às vésperas das eleições de 2016, gravações mostrando Trump se gabando de sua agressão sexual contra mulheres, “agarrando” seus genitais, criaram uma crise momentânea entre alguns de seus apoiadores no Congresso, que se distanciaram brevemente do presidente. Quando não houve nenhuma reação significativa entre os seus apoiadores, os políticos rapidamente retornaram ao Trump. Seus encontros sexuais com a atriz pornô Stormy Daniels ou sua condenação por agressão sexual também não o levaram a perder muitos de seus seguidores. Mas desta vez pode ser diferente, já que um grupo notável de seus leais apoiadores está começando a se perguntar se Trump é confiável.