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Entrevista

Novo licenciamento ambiental é desregulação e pode chegar ao STF, diz presidente do Ibama

Rodrigo Agostinho aponta necessidade de regular nova lei e investir na estrutura de fiscalização de órgãos executivos

Entrevista
8 de dezembro de 2025
16:00
Raimundo Paccó/Agência Pública

Entre os órgãos do governo federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) é um dos mais impactados pela nova legislação sobre o licenciamento ambiental. Isso porque é função do Ibama executar políticas nacionais de meio ambiente, atuar no licenciamento ambiental, no controle da qualidade ambiental, na autorização de uso dos recursos naturais e na fiscalização, monitoramento e controle ambientais.

Rodrigo Agostinho foi deputado federal pelo PSB-SP entre 2019 e 2023

Para o presidente do Instituto, o biólogo e ex-deputado federal Rodrigo Agostinho, a atual Lei Geral do Licenciamento Ambiental traz diversos desafios não apenas para os órgãos de preservação do meio ambiente, mas para outros atores que terão que pensar como atender às novas exigências da legislação.

A situação, para Agostinho, pode gerar judicialização e processos no Supremo Tribunal Federal (STF), já que o texto aprovado, em alguns pontos, vai na direção oposta ao da Constituição Federal. “O fim das licenças, por exemplo, para atividade agropecuária no Brasil. São pontos que, de fato, suscitam debates sobre a sua constitucionalidade. A mesma coisa em relação a não levar em consideração povos indígenas, populações tradicionais, unidades de conservação, áreas quilombolas”, afirma em entrevista exclusiva à Agência Pública.

Quando estava sendo discutido no Congresso Nacional, o projeto de lei ficou conhecido como “PL da Devastação”, foi aprovado por deputados federais e senadores e, no fim do mês de novembro, teve 52 dos 63 vetos colocados pelo presidente Lula derrubados.

Outros pontos levantados pelo ambientalista como “complicados” na nova lei referem-se a falta de padronização nos estados da estrutura responsável pelo licenciamento, o “autolicenciamento”, e alterações em outras leis já aprovadas. Agostinho cita, entre elas, o Estatuto da Cidade, a Lei de Gerenciamento Costeiro, a Lei dos Crimes Ambientais e a Lei da Mata Atlântica.

“Agora, como é que a gente pode fazer para reduzir um pouco esses conflitos? Nós vamos ter que fazer um esforço muito grande na regulamentação da lei. E, obviamente, melhorar as estruturas de todos para poder dar conta. Porque agora os prazos são bem mais curtos”, adverte o presidente do Ibama.

Por que isso importa?

  • A Lei Geral de Licenciamento Ambiental, desde o seu projeto no Congresso Nacional é criticada por ambientalistas
  • Entre os problemas estão aumentar o risco de desmatamento, diminuir o controle em estruturas como barragens de rejeito de mineradoras e retirar o licenciamento ambiental no setor agropecuário.

Outro alerta é relativo aos “atributos ambientais supersensíveis” do Brasil, que são tratados no licenciamento ambiental. “O Brasil tem 17% da água doce do mundo”, lembra Agostinho.

“Seria diferente se a gente estivesse falando de um país todo desmatado. É muito mais fácil fazer uma obra em São Paulo do que no meio da Amazônia, por razões óbvias. Então, esses pontos não são resolvidos por meio de alteração legislativa”, adverte.

O surgimento de novas propostas legislativas, para resolver questões que ficaram em aberto na nova lei, também é citado pelo presidente do Instituto. Assim como a participação da sociedade civil.

“A gente tem ouvido que a sociedade civil e alguns partidos políticos devem buscar o judiciário. E acho natural, porque é uma lei que altera algumas das questões mais relevantes do ponto de vista de conservação e de proteção ambiental do país”, afirma.

Leia os principais trechos da entrevista:

O que o senhor considera mais grave com relação às derrubadas dos vetos? O que o senhor considera que o governo pode fazer para diminuir as consequências disso?

O licenciamento ambiental no país foi uma construção que se deu basicamente nos anos 1980. A gente teve um ciclo de grandes obras de infraestrutura no Brasil no período da ditadura militar. Era aquela coisa de grandes obras, obras faraônicas, a Transamazônica, Transpantaneira, usinas nucleares, grandes hidrelétricas. Todas essas obras tinham um impacto ambiental assustador.

A gente tinha um processo de industrialização muito mal organizado, mas isso fez com que a gente começasse a organizar um sistema de licenciamento, que começou por São Paulo, ainda no final dos anos 1970.

Depois, em 1981, é aprovada a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que coloca o licenciamento como a principal ferramenta, e o Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente] como o balizador do licenciamento, para que todo mundo licenciasse com base nos mesmos parâmetros.

Cada órgão estadual tem a sua estrutura, tem o seu nome, tem as suas regras, mas os parâmetros eram basicamente os mesmos. Agora, na ideia desse novo projeto de licenciamento, que virou a lei 15.190/2025, primeiro que cada um cria as suas próprias regras, cada um com os seus parâmetros.

Isso já é algo bastante complicado. Esse foi um dos itens a serem vetados. Por quê? Porque a gente começa a criar estados que facilitam e estados que dificultam. Isso é péssimo, porque o licenciamento não é nem para ser facilitado, nem dificultado. O licenciamento é para acontecer com eficiência, num prazo razoável. Então, esse é um primeiro ponto bem complicado.

O segundo ponto é o reconhecimento de que muitos órgãos não têm estrutura para o licenciamento. Então, passa a ser o próprio empreendedor fazendo a sua própria licença, que é o chamado autolicenciamento. E aí, o que acontece?

O Supremo Tribunal Federal [STF] já decidiu várias vezes que para o chamado médio impacto, médio risco, isso seria inconstitucional. Para o baixo risco, tem casos que deveriam ser, inclusive, dispensados de licenciamento ambiental. Vou dar um exemplo: limpeza de acostamento de rodovia. Para mim, não faz sentido você ter que licenciar a limpeza de acostamento. Agora, construir uma nova pista não dá. Esse era o ponto de equilíbrio que o governo tentou quando fez os vetos, de tentar colocar as coisas no lugar.

Então, além dos vetos, foi apresentado um projeto de lei [e] uma medida provisória. Nós tivemos 52 vetos derrubados, só não derrubaram os vetos do LAE [Licenciamento Ambiental Especial] . Essa semana já alteraram o texto da LAE com a lei. Talvez buscando reduzir a judicialização, também foram alterados outros artigos. Notadamente, as licenças autodeclaratórias foram alteradas, então ficou um pouco mais restrito.

E tem um outro projeto de lei tramitando de licenciamento, que eu não sei o que o Congresso vai decidir sobre ele, mas provavelmente vai ficar no limbo. Provavelmente, não será votado e vai ficar no limbo.

Mas, basicamente, a gente tem riscos, né? A gente tem riscos do ponto de vista dessa desregulação, de aumentar desmatamento, de obras que possam ter a sua natureza questionada, as suas licenças questionadas no judiciário.

Porque os principais problemas do licenciamento não estão sendo resolvidos. Qual o problema do licenciamento? Primeiro, é a baixa estrutura dos órgãos ambientais. Tem estados da [região da] Amazônia que 100% do quadro de licenciamento é servidor temporário terceirizado.

O segundo problema do licenciamento diz respeito à baixa qualidade de projetos e estudos no Brasil. E, obviamente, também temos uma outra questão muito relevante. A gente tem atributos ambientais supersensíveis, atributos sociais que são debatidos e discutidos na licença ambiental.

O Brasil tem 17% da água doce do mundo. Seria diferente se a gente estivesse falando de um país todo desmatado. É muito mais fácil fazer uma obra em São Paulo do que no meio da Amazônia, por razões óbvias. Então, esses pontos não são resolvidos por meio de alteração legislativa.

Então, para nós, o licenciamento ficou algo bastante sensível. E a gente agora, como é que a gente pode fazer para reduzir um pouco esses conflitos? Nós vamos ter que fazer um esforço muito grande na regulamentação da lei. E, obviamente, melhorar as estruturas de todos para poder dar conta. Porque agora os prazos são bem mais curtos. E isso vai implicar, obviamente, uma necessidade de melhor estrutura, tanto do governo federal quanto dos estados e municípios.

O governo avalia ir ao STF para tentar resolver algumas das questões?

Essa não é uma decisão que cabe ao Ibama. As instâncias do governo vão avaliar. Mas a gente tem ouvido que a sociedade civil e alguns partidos políticos devem buscar o judiciário. E acho natural, porque é uma lei que altera algumas das questões mais relevantes do ponto de vista de conservação e de proteção ambiental do país.

O senhor avalia que algum dos pontos da lei, como ficou agora, pode ser considerado inconstitucional?

Eu acho que tem pontos muito complicados. Têm pontos do licenciamento por adesão e compromisso que são muito sensíveis. A exclusão de setores. O fim das licenças, por exemplo, para atividade agropecuária no Brasil. São pontos que, de fato, suscitam debates sobre a sua constitucionalidade.

A mesma coisa em relação a não levar em consideração povos indígenas, populações tradicionais, unidades de conservação, áreas quilombolas. Porque, em algum momento, a demarcação não foi concluída, o reconhecimento, a titulação, não foi reconhecida.

Por que eu falo isso? Porque as populações estão lá. A população indígena está lá. Embora a área possa não ter sido reconhecida, concluído o processo de demarcação, eles estão lá. Não tem como o licenciamento ignorar a presença deles no território.

Esse é um ponto que eu não tenho dúvida que alguém vai levar para o judiciário. É matéria constitucional. O próprio licenciamento ambiental está na Constituição, no artigo 225. As terras indígenas estão no [artigo] 231. Então, não tem como não dizer que é uma matéria constitucional.

Atualmente, alguns estados e municípios têm leis ambientais próprias que muitas vezes entram em conflito com as leis federais e os casos acabam judicializados. Como fica essa questão agora, por exemplo, com a Lei da Mata Atlântica?

A gente só tinha lei para bioma para Mata Atlântica. Agora, recentemente, foi aprovada uma para o Pantanal. A nova lei de licenciamento, agora com os vetos, suspendeu a aplicação da lei da Mata Atlântica no que diz respeito às anuências para desmatamento da Mata Atlântica.

Esse é um ponto muito complicado porque você fragiliza a proteção de um bioma já bastante sensível. A agricultura andou, nas últimas duas décadas, abandonando as áreas de montanha, porque não consegue mecanizar.

Então, a Mata Atlântica está tentando se regenerar. Hoje, a cobertura chega a 26%. Mas é um dos biomas mais ameaçados do mundo, com número recorde de espécies ameaçadas.

Várias outras leis foram alteradas. Então, está sendo alterado o Estatuto da Cidade, a Lei de Gerenciamento Costeiro, a Lei dos Crimes Ambientais, a Lei da Mata Atlântica. Tem muitas leis sendo alteradas nessa mudança da Lei de Licenciamento Ambiental.

Todos esses pontos também são sensíveis. No caso da Mata Atlântica, está dispensado de anuência do Ibama para desmatamento da Mata Atlântica. Desmatamento primário, vegetação primária e vegetação secundária.

Sobre a mudança sobre a dispensa de licenciamento para atividades da agropecuária, o que o senhor pensa que vai acontecer a partir de agora?

O licenciamento de uma propriedade dava uma tranquilidade para o proprietário rural, de entender que a propriedade dele estava regularizada do ponto de vista ambiental. Com o fim deste licenciamento, começa a ganhar força a ideia de que quem vai cumprir com esse papel é o Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Acontece que, com a queda dos vetos, tirou o veto sobre [a necessidade de] o cadastro ser validado, analisado. Então, o que acontece? Você vai ter situações de propriedades rurais que não têm o CAR analisado pelo órgão que iria dizer se aquela propriedade está cumprindo com a função socioambiental.

Também vão ter dificuldade de comprovar que estão regulares perante as questões ambientais. Isso vai dificultar porque muitos compradores de produtos agrícolas, muitas traders, estavam exigindo o licenciamento ambiental para poder comprar um determinado produto.

Estavam exigindo já o Cadastro Ambiental Rural validado. O próprio Ibama, para poder desembargar alguém que desmatou ilegalmente exigia a licença ambiental, mais o Cadastro Ambiental Rural validado.

E caíram as duas coisas. Caiu a licença e caiu o Cadastro Ambiental validado no âmbito do licenciamento. Então, a gente não sabe ainda. Tem coisas que a gente ainda não tem respostas de como é que vai ficar. Mas, obviamente, isso tem um impacto.

E, provavelmente, tem um impacto, inclusive, sobre financiamento. Porque muitos bancos estavam exigindo a licença ambiental da propriedade para poder aprovar o financiamento rural. Sem a licença ambiental, isso muda de figura.

Neste ano, no licenciamento da quarta etapa do pré-sal, o Ibama exigiu da Petrobras um programa de combate às mudanças climáticas, para a empresa compensar não só o impacto ambiental, mas também o impacto climático. Como está esse debate internamente no Ibama e por que é importante?

O tema das mudanças climáticas não aparece em nenhum momento da nova lei de licenciamento. Então, era de se esperar que, se falasse em ter uma lei de licenciamento moderna, ela deveria estar interessada em soluções para os problemas de hoje. Um deles é o problema das mudanças climáticas.

Outro, por exemplo, como lidar com as novas tecnologias. Como, por exemplo, vou lidar com o uso de inteligência artificial no licenciamento. Isso também não aparece em nenhum momento da nova legislação. Mas, a gente não tem dúvida de que os novos poluentes são justamente os poluentes ligados às mudanças climáticas.

É onde entra o CO2. Que sempre foi negligenciado. Nunca foi tratado como algo significativo no âmbito do licenciamento ambiental. No pré-sal novo, pré-sal fase 4, a gente está falando de uma produção de petróleo muito grande. Estamos falando de 12 plataformas a serem construídas agora, de imediato, nos próximos dois anos. Então, a equipe técnica entendeu por bem que um dos grandes impactos que precisava ser mitigado, reduzido, são os impactos decorrentes das emissões de gases de efeito estufa.

[Por isso] a equipe exigiu um plano de mitigação. Num primeiro momento, houve uma resistência da Petrobras. E depois a Petrobras acabou apresentando esse plano. O plano foi aprovado. A gente entende que foi um gesto importante. E a Petrobras acabou conseguindo essa licença. Essa semana, o Ministério Público entrou com ação contra esse licenciamento. Mas o Ibama entende que era necessário incluir nesse licenciamento o tema das mudanças climáticas.

Apesar de não ter nenhum texto sobre esse assunto no âmbito da legislação na obra de licenciamento ambiental, a gente acha que é um tema relevante. É um tema que precisa ser tratado. Não é o licenciamento que vai decidir sobre a matriz energética. Isso é um tema recorrente, não só no Brasil. Todo licenciamento ambiental no mundo está sendo chamado a discutir essa questão. Matriz energética é uma outra instância de discussão.

Esse mesmo debate a gente enfrentou agora no âmbito da licença da Foz do Amazonas. A decisão do governo sobre se vai ou não explorar petróleo não é do licenciamento. O licenciamento tem que garantir segurança na atividade.

Se toda essa discussão sobre a foz do Amazonas fosse feita agora, depois dessas mudanças na lei, teria alguma mudança?

Muito provavelmente não. Ela foi fruto de um debate que durou 11 anos aqui dentro da instituição. Só saiu porque, de fato, a Petrobras decidiu construir uma instalação lá em Oiapoque [AP]. Melhorou muito o plano de emergência dela. Foram feitas exigências que normalmente não se fazem na etapa de pesquisa.

Edição:
Divulgação Ibama

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