Buscar

Minidoc revisita colônia onde portadores de hanseníase eram internados à força

Da Redação
28 de julho de 2014
08:52
Este artigo tem mais de 10 ano

Cortina de Bambu_2Quem se aproxima do quilômetro 6 da Rodovia Juiz de Fora-Ubá, em Minas Gerais, ainda pode ver trechos da cerca de bambu que por quase quatro décadas isolou a Colônia Padre Damião do resto do mundo. Para ali eram mandados portadores de hanseníase, a pretexto de tratar a doença tida como incurável e altamente contagiosa na época, o que seria desmentido pela ciência depois.

O modelo de  internamento permanente dos pacientes foi estabelecido a partir de 1920, com a criação da Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas – órgão do governo federal. Foram mais de 30 unidades construídas – os leprosários – que funcionavam como um mundo à parte, com total destituição dos direitos dos internos, entre elas a Padre Damião.

Na Colônia de Ubá, como era conhecida na região, os portadores de hanseníase chegavam à estação ferroviária da cidade geralmente contra a própria vontade e sem saber do caráter permanente da internação. Ali passavam a integrar um Estado autônomo, quase autossuficiente, mantido em funcionamento pelo trabalho e submissão dos internos, governados por um regime com normas próprias, que incluíam um sistema carcerário específico. A polícia convencional não entrava lá.  “Infrações”, como namorar sem autorização ou envolver-se em brigas, levavam os internos à prisão, chamada por eles de “estufa”.

O encarceramento e os castigos não eram as únicas violências a que estavam submetidos. A mesma lei 610/49 que se tornou o instrumento legal para a segregação dos portadores de hanseníase, também os obrigava a entregar os filhos à adoção. Revogada em 1968, mas na prática estendida até a década de 80, a política de encarceramento amparada pela lei levou à separação de milhares de famílias. No caso da Colônia de Ubá, os bebês eram encaminhados ao Educandário Carlos Chagas, em Juiz de Fora, a 112 quilômetros dali, onde sofriam negligência e maus tratos, de acordo com os depoimentos de vários antigos acolhido. O retorno à família, abandonada quando ainda eram bebês, não era mais fácil, assim como a necessidade de se adaptar à colônia – à qual os pais estavam condenados para toda a vida. 

Em 2007,  o governo brasileiro reconheceu formalmente seu erro quanto às políticas de segregação adotadas no tratamento da doença e, através da lei 11.520, estabeleceu o direito de pensão especial aos portadores de hanseníase submetidos ao isolamento. Nem sempre, porém, as famílias conseguem receber a pensão porque precisam comprovar a internação compulsória, e em muitos casos a documentação não foi preservada. Os ex-moradores da Colônia Padre Damião e ex-internos de outras três ex-colônias mineiras também reivindicam a regulamentação da posse de suas casas, localizadas em áreas “hospitalares”, que formalmente pertencem ao governo estadual.

Hoje com nome Casa de Saúde Padre Damião, a instituição recebe recursos do Complexo de Reabilitação e Atenção ao Idoso, da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais. Ex-internos e seus familiares passaram a fazer  parte da população dos povoados vizinhos: São Domingo e Boa Vista. Em 2009, graças à relação de amizade com alguns moradores, passamos a frequentar a comunidade e, a partir de 2012, começamos a gravar  depoimentos de ex-internos em vídeo. Entrevistamos também ex-moradores do educandário, ex-funcionários do hospital-colônia e membros do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (MORHAN).

Os depoimentos trazem uma história tão rica que renderam um longa-metragem, em processo de produção. Uma pequena amostra destes registros compõem o minidoc Cortina de Bambu, realizado em parceria com o Canal Futura.

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Quer entender melhor? A Pública te ajuda.

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes