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Para Débora Lima, coordenadora estadual do movimento, plano aprovado só beneficia o setor imobiliário

Entrevista
26 de junho de 2023
15:00
Este artigo tem mais de 1 ano

Após diversas audiências públicas, mudanças no texto e adiamentos, o projeto de revisão do Plano Diretor da cidade de São Paulo foi aprovado nesta segunda-feira (26) na Câmara Municipal. Na primeira votação, no dia 31 de maio, o PL (Projeto de Lei) 127/2023 recebeu 55 votos a favor e 12 contrários.

O projeto define um conjunto de regras para o desenvolvimento da cidade nos próximos anos e pode facilitar, por exemplo, a concentração de prédios perto de estações de metrô e terminais de ônibus. O texto aprovado foi apresentado na última quarta-feira (21), pelo relator Rodrigo Goulart (PSD), que fez mudanças após protestos de movimentos sociais e vereadores da oposição.

Para movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), o plano vai dar carta branca para a construção de prédios cada vez mais altos perto de estações, expandindo a verticalização da cidade sem discutir a construção de moradias populares ou a possibilidade de financiamento justo para os trabalhadores que desejam morar nesses espaços.

Um outro ponto criticado são as mudanças no Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), que capta recursos da arrecadação da Outorga Onerosa e utiliza para a construção de moradias populares e melhoria de transportes coletivos. Com as mudanças, o dinheiro seria destinado para outras funções que já possuem órgãos especializados, como o recapeamento de vias, por exemplo.

Em entrevista para a Agência Pública, Débora Lima, coordenadora estadual do MTST , critica que a proposta só beneficia o setor imobiliário, responsável por metade das doações de campanha a vereadores de São Paulo.

Débora Lima, coordenadora do MTST, durante manifestação contra o Plano Diretor em São Paulo. Débora é uma mulher negra, ela veste camiseta e brincos vermelhos com o logo do MTST e está com o punho cerrado em riste, em sinal de resistência
Débora Lima, coordenadora do MTST

Quais são os principais pontos que a oposição critica no plano que deve ser votado?

Na nossa avaliação, de movimento social, o papel de um Plano Diretor é de combater a desigualdade e planejar o crescimento da nossa cidade. Esse deveria ser o papel principal de um Plano Diretor e na proposta de substitutivo apresentada, a gente entende que isso não está acontecendo. Tiveram várias audiências públicas, em que os movimentos sociais, a população e especialistas estiveram presentes e apresentaram propostas, mas no texto que foi reapresentado, a gente entende que só foi ouvido de fato apenas uma minoria desse segmento, o setor do mercado imobiliário. A nossa avaliação não é que o mercado imobiliário não tenha que colocar propostas, mas a que foi apresentada não foi democrática.

O segundo ponto problemático é a exclusão dos pobres nas áreas bem localizadas. A nova revisão autoriza as construtoras a fazerem prédios em regiões valorizadas, onde tem transporte coletivo, mas elas não estabelecem ferramentas concretas para que sejam construídas habitações populares nessas áreas. Na nossa avaliação, na prática, o trabalhador vai continuar morando longe das melhores regiões e do trabalho. E também o desvio da finalidade do Fundurb para recapeamento. Eles voltaram atrás, mas para a gente é inadmissível, o Fundurb tem o seu carimbo destinado. A prefeitura tem dinheiro, tem caixa específico para fazer recapeamento na cidade, não tem porque pegar do Fundurb. 

Como o substitutivo pode afetar as pessoas que moram nas periferias da cidade? Um exemplo prático seria nessa questão do deslocamento?

A cidade de São Paulo tem um grande desafio, e um deles é o caos dos horários de pico. As pessoas que moram na periferia, dependendo da região, passam mais tempo no transporte público do que trabalhando. Isso já é uma problemática da cidade. Uma vez que tenha prédios construídos nesses espaços, terá mais carros e, dessa forma, vai fazer com que o trânsito piore.

Também, grandes construções acabam refletindo em quem está na ponta. […] A gente sabe que boa parte dessas construções talvez tenha que mexer com o meio ambiente, cortar árvores. Tem sobrecarga no saneamento, então tudo isso acaba respaldando no trabalhador e nas pessoas que moram nas pontas.

[…] É o que colocamos como racismo ambiental. As pessoas que moram nesses espaços não sofrem com desastres ambientais, e isso acaba vindo para os mais pobres.

Quem vai sofrer não serão as pessoas que vão morar. Quem vai sofrer é a gente, a classe trabalhadora, que, em primeiro lugar, não vai conseguir acessar esses grandes empreendimentos, porque são empreendimentos do setor imobiliário, mas que vão privilegiar quem tem dinheiro para pagar. A gente sabe que a maioria da classe trabalhadora, que precisa também de moradias, são pessoas que não vão conseguir acessar e morar nesses espaços perto desses eixos estruturantes. Isso vai favorecer uma minoria de pessoas, que não necessariamente utilizam o transporte público. Vão utilizar os seus carros, promovendo mais trânsito, e em contrapartida as pessoas que moram na periferia é que vão sofrer.

Qual a justificativa que as construtoras usaram para pedir permissão de prédios mais altos perto de estações de metrô e terminais de ônibus? Por que isso seria algo negativo?

As construtoras alegam que construir esses grandes empreendimentos perto desses lugares vai fazer com que o trabalhador more mais perto do serviço. Mas quais pessoas e com qual qualidade de vida?

Temos visto que essas propostas estão caminhando para um grupo de pessoas mais elitizadas, não para a classe trabalhadora de fato. [Os trabalhadores] não acessam [os grandes empreendimentos], mesmo que haja uma taxa para pessoas de baixa renda. O valor do imóvel é muito alto e o trabalhador não consegue pagar a parcela, não consegue dar entrada.

Então as pessoas que vão acabar morando nesses prédios serão aquelas que têm um salário alto, pessoas que não vão se beneficiar do transporte público, porque têm os seus carros. Não é que o trabalhador não queira morar no centro ou perto desse espaço, é porque o mecanismo que essas grandes construtoras colocam de acesso de financiamento é inviável dentro do bolso dos trabalhadores.

E aí o que pode acontecer? Vai reduzir o verde na cidade, vai gerar caos no trânsito, vai sobrecarregar a rede de esgoto – e aí pode gerar também alagamentos. Então tem que ser algo pensado. A gente sabe que o trabalhador que realmente anseia estar nesses espaços, pelo financiamento colocado pela construtora, não vai conseguir acessar.

Movimentos sociais e vereadores da oposição durante protesto contra o substitutivo do Plano Diretor em São Paulo, no dia 20 de junho
Na última terça-feira (20), movimentos sociais e vereadores da oposição fizeram um protesto contra o substitutivo do Plano Diretor

Na votação em primeira discussão, ficou definida a permissão de prédios mais altos a até mil metros de estações de metrô e 450 metros de terminais de ônibus. No dia 21, os vereadores reduziram a área para até 700 metros de distância de estações e 400 metros de terminais de ônibus. Essa era a exigência dos movimentos sociais ou ainda querem reduzir mais?

A nossa exigência era ficar da forma que estava.

No formato que estava, já complicava a situação, mas a gente enxerga como um benefício essa diminuição porque eles queriam propor ainda mais. Estavam propondo 1 quilômetro, o que era surreal.

Só que tem uma pegadinha, porque eles colocam 700 metros. Só que, por exemplo, se nesses 700 metros onde a construtora quer fazer um grande empreendimento ela não finalizar um quarteirão, dá o direito para que complemente até que finalize um quarteirão. Então, dependendo da situação, vai acabar virando 1 quilômetro

 O que nós defendíamos era ficar do modo que estava, que já não é o ideal, mas, tendo em vista a proposta colocada, seria melhor.

O que é o Fundurb e como ele é utilizado agora? Como seria utilizado no novo Plano Diretor?

Foi um ponto em que a gente conseguiu avanços nas nossas lutas. O Fundurb é um recurso que vem da outorga onerosa, que tem como objetivo garantir moradia popular, transporte coletivo, equipamento público e a preservação do meio ambiente, fortalecendo a nossa cidade. Não é um recurso muito grande.

Dentro disso que eu coloquei, a gente precisa desse dinheiro. E tá ruim. O que não deveria ter e tem que sair é a questão dessa possibilidade também da utilização desse dinheiro para recapeamento. Na cidade de São Paulo, o problema não é dinheiro, e tem um caso específico da prefeitura que já prevê recapeamento. Então não tem por que pegar um recurso que, em vista do desafio, já é pouco.

A gente sabe que ano que vem é ano de eleição, e infelizmente a nossa cidade criou uma lógica muito ruim de ficar abandonada por três anos e, no último ano, o responsável pela cidade começar a fazer um monte de obras – o que também acaba gerando um caos para a população – e pregar uma falsa imagem de que está fazendo alguma coisa. Mas a gente sabe que fica abandonada por três anos e deixa pra se fazer alguma coisa no último ano.

Enxergamos essa manobra como eleitoreira da parte do Ricardo Nunes e sem finalidade, porque a prefeitura tem um caixa para isso. 

A gente que mora na periferia sabe que em horários de pico é surreal, pessoas ficam penduradas na porta [dos ônibus]. É uma loucura. A gente, na maior cidade da América Latina, deveria também pensar em uma cidade preocupada com o meio ambiente. São pontos importantes, onde esse recurso cumpre um papel.

Mesmo com a retirada do item que aprovava uma mudança no Fundurb, você acha que ainda existe o risco de essa discussão voltar à pauta?

Dessa prefeitura e desses vereadores – a gente imagina os interesses que estão por trás – pode ter alteração. Eles estão abrindo agora para convocações de apresentação da proposta, e nós temos que ficar, como cidadãos, muito atentos para que o que conseguimos não volte a retroceder. Pode acontecer, sim. Eles podem apresentar emendas que alterem [o funcionamento do Fundurb], e o nosso papel é ficar antenado a isso. E sem sombra de dúvidas nós vamos fazer esse embate para não permitir.

Qual a posição dos movimentos sociais sobre o novo trecho que permite a isenção de Imposto sobre Serviços (ISS) para quatro estádios de futebol da cidade, dos clubes Palmeiras, São Paulo e Corinthians (Neo Química Arena e Parque São Jorge)?

Nós estamos observando. Para a gente, seria benéfico que essa redução de imposto refletisse para que as pessoas realmente pagassem entradas mais baixas nos estádios, mas não se tem uma garantia disso.

Então não adianta fazer essa redução de ISS e os ingressos continuam caros ou aumentarem, porque isso vai fortalecer apenas um grupo específico, não vai favorecer o torcedor. Por isso nós somos contrários.

Uma matéria recente da Folha de S.Paulo mostra que metade das doações de campanha a vereadores de São Paulo veio do setor imobiliário. O setor sempre teve muita influência em Planos Diretores anteriores ou isso é algo que se reforçou nesta gestão? A aprovação do Plano Diretor pode ser uma virada nesse quesito?

O setor do mercado imobiliário sempre esteve presente, até mesmo no [mandato] anterior, para eles sempre foi interessante que os vereadores, que as pessoas que estão tanto no Executivo quanto no Legislativo tenham “rabo preso” com esse segmento.

Essa reportagem [sobre o] vereador que pediu contrapartida, falando que “estamos fazendo tudo o que pediram e aí?”, só demonstra a lógica que está embutida debaixo do tapete. Essa lógica de quem doa para campanha, do poder do dinheiro. Só que a nossa cidade não pode ser pensada com o poder do dinheiro.

Nossa cidade tem que ser pensada com o poder da população. E votar em proposta visando apenas quem banca a campanha é fechar os olhos para a população, que até mesmo vota nesses vereadores. Então é uma lógica muito ruim.

É preciso pensar numa cidade que irá pensar na população, que irá pensar em combater a desigualdade, não apenas em um setor economicamente poderoso.

A reportagem foi atualizada com a informação de que o plano foi aprovado

Arquivo pessoal
Matheus Santino/Agência Pública

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