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BAKU – Um dos símbolos arquitetônicos de Baku, capital do Azerbaijão, onde é realizada a 29ª Conferência do Clima da ONU (COP29), são as Flame Towers. Três arranha-céus em formato de chamas, que se destacam na paisagem e podem ser observados de vários pontos da cidade. São uma referência ao título que o país orgulhosamente carrega de “terra do fogo”.
O Azerbaijão foi estabelecido sobre uma área absurdamente fértil em petróleo e gás natural. Em algumas regiões do país, o gás aflora ao nível da superfície, o que faz com que qualquer ignição possibilite que ele comece a queimar. A impressão que dá é que a própria terra está queimando – algo que pode continuar por anos a fio. Anos!
Imagine comigo o que isso pode ter significado para as populações que há séculos viviam nessa região. Imagine o que isso representa para o imaginário coletivo do Azerbaijão. Um fogo que brota e não apaga nunca mais.
Fiz esse exercício de imaginação no último domingo (17), quando tivemos uma breve folga durante as negociações da conferência do clima – que, em seu âmago, visa estabelecer, veja bem, justamente um caminho para o fim dos combustíveis fósseis.
Com colegas brasileiros, visitei o Ateshgah, o templo do fogo, cerca de 20 km do centro de Baku. É justamente um desses locais onde o gás aflorava, gerando um cenário que ficou conhecido como “Chamas Eternas”. No entorno daquele ponto, que séculos atrás só podia ser interpretado como algo sagrado, foi estabelecido um templo do zoroastrismo. Trata-se de uma das mais antigas religiões monoteístas, que surgiu nesta região do planeta mais de 3 mil anos atrás e tinha como característica a adoração ao fogo.
Entre idas e vindas, o templo continuou sendo visitado pelos religiosos até meados do século 20, quando a exploração de petróleo no entorno se tornou tão intensa que o nível do combustível diminuiu. Foi perto de Baku, em 1846, que o primeiro poço de petróleo do mundo foi perfurado comercialmente. Quase um século depois, já não tinha gás na superfície para alimentar as chamas. Sem fogo, os religiosos foram embora do templo.
Alguns anos depois, sob controle da então União Soviética, o país reativou a chama eterna de modo artificial, canalizando gás metano para o local. O templo deixou de ter fins religiosos e se tornou um museu histórico e arquitetônico sobre a relação da população com o fogo sagrado. Há até um feriado nacional que relembra os rituais tradicionais. Em outras regiões do país, se mantém a ocorrência da terra queimando por causa do gás que escapa.
Foi impossível não pensar, depois desse tour, no significado histórico do petróleo e do gás no país. Como está arraigado na identidade desse povo. E até passou a fazer algum sentido a frase dita pelo presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, na primeira semana da COP. Ao dar início ao segmento de alto nível, em que se pronunciam os chefes de Estado e de governo, Aliyev chamou os combustíveis fósseis de “presente de Deus”. Frase, aliás, que lhe rendeu muitas críticas.
Questionada sobre isso na semana passada, a ministra Marina Silva respondeu de modo bem-humorado: “Eu diria que Deus nos dá presentes, mas ele sempre pede que sejamos bastante comedidos em relação aos presentes que ele nos dá. Por exemplo, se comermos açúcar demais, com certeza ficaremos diabéticos”.
A ciência é muito clara sobre o quanto hoje está nos fazendo muito mal a queima dos combustíveis fósseis. Mas fiquei imaginando o que passou na cabeça dos gentis e sorridentes azeris quando eles começaram a ouvir que a exploração do produto que lhes trouxe riqueza é algo com o qual não poderão contar num futuro próximo. Que é o que causa as mudanças climáticas com as quais eles mesmos já vêm sofrendo.
É importante ter em mente que a transição energética não é uma questão apenas da grande indústria de combustível fóssil – que não quer abrir mão dos seus lucros e historicamente promoveu desinformação para atrasar a ação climática. Ou mesmo dos empregos, da economia. Sim, é essa pressão que realmente pesa no âmbito das negociações. Mas não percamos de vista que, para alguns lugares, estamos falando também sobre identidade nacional.
Claramente não vai ser suave abandonar os fósseis.
De volta à COP, escrevo este texto em momento de absoluto compasso de espera. Pelo calendário, a conferência dura até esta sexta-feira (22). A expectativa, porém, é que vá bem além. Num “bolão” feito com os participantes pelo pessoal do site Carbon Brief, a maioria está apostando em um fim somente na madrugada de domingo.
A COP29 tem como principal objetivo desatar um dos nós mais difíceis das conferências do clima. Ela precisa estabelecer o chamado novo objetivo coletivo quantificado (NCQG, na sigla em inglês), que vai definir não só quem vai pagar para ajudar os países pobres a adotar medidas de redução de emissões e de adaptação às mudanças climáticas como também quanto recurso vai ser colocado na mesa e como ele vai ser distribuído.
O que está em jogo é: os países, todos eles, precisam agir de modo mais rápido e efetivo para conseguir limitar o aquecimento do planeta a 1,5 °C – que, considerado o limite mais seguro, já está quase sendo alcançado. Para isso, é necessária uma redução coletiva de emissões da ordem de 60% até 2035 (na comparação com os níveis de 2019), de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Mas os países só vão dizer como vão contribuir com isso, ou seja, qual vai ser a nova meta climática de cada um, quando se souber quanto dinheiro vai ser posto na mesa para ajudar nesse processo. Por isso o resultado desta COP é tão crucial.
Só que, depois de dez dias de negociações, um acordo ainda parece distante. Um documento foi apresentado nesta quinta-feira, com duas propostas ainda bastante vagas, que nem sequer trazem um valor.
Fala-se em x trilhões de dólares, como já apontado no início da semana pelo G20. Mas não exatamente quanto, nem quando, muito menos como. É importante saber a qualidade desse recurso. Quanto será de dinheiro público, por exemplo, na forma de doação ou concessional (com juros baixos).
Uma consulta feita pela presidência da COP revelou que todo mundo está bastante insatisfeito. As negociações continuam. Tudo parece bem ruim, mas não será em nada inesperado se, em algum momento, nas próximas horas (ou dias), uma solução seja encontrada.
Há diversos exemplos na história das COPs em que um mínimo denominador comum é aceito a partir de uma mudança de linguagem, uma expressão meio mágica que acomoda os diversos interesses. Como diriam no futebol, o jogo realmente só termina quando acaba. Aguardemos.
* A jornalista viajou para Baku a convite do Instituto Arapyaú e do ClimaInfo.