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Estive há duas semanas no Paraguai a convite da organização El Surtidor, um site de jornalismo independente com foco em jornalismo gráfico que é um dos empreendimentos mais inovadores do continente. Participei do Fórum pela Integridade da Informação, em que um dos principais assuntos era uma lei que estava para ser sancionada pelo presidente. Não por acaso, conhecida como “lei garrote” – garrote significa “bastão” ou “pedaço de pau” para atacar os outros. Embora a legislação, na teoria, pretenda trazer “mais transparência”, no fundo ela vai controlar o terceiro setor, obrigando as organizações a se registrar no Ministério da Economia e Finanças, detalhando fontes de financiamento, a lista de contratados e outros requisitos descritos como “exaustivos” pelas ONGs.
A cada semestre, elas terão que relatar, ainda, a origem dos recursos. As pesadas multas para não cumprimento – que podem chegar a 370 mil dólares – não alcançam apenas as ONGs, mas seus diretores, funcionários e até colaboradores.
A lei vem em um contexto de ataque a essas organizações e à imprensa, alvo de uma comissão no Congresso cujo objetivo é investigar “lavagem de dinheiro” mas que tem sido usada para atacar organizações que recebem fundos internacionais.
O alvo, segundo os jornalistas com quem conversei, é expor e silenciar as ONGs que têm denunciado a corrupção do governo paraguaio, que segue nas mãos do grupo do ex-presidente Horacio Cartes, o traficante de tabaco que hoje controla o Partido Colorado. Adotando a narrativa bolsonarista, seus partidários chegaram a fazer uma lista de organizações que, segundo eles, participam do movimento “globalista” e “recebem verba de George Soros”.
“A lei não define claramente o que é uma organização não governamental nem que autoridade ficaria a cargo de impor a lei”, explicou o advogado Manuel Riera durante o Fórum. Portanto, segundo ele, qualquer ente jurídico não governamental – empresas, escolas, ONGs – pode ser atingido.
De nada adiantaram os alertas emitidos por organizações internacionais contra a lei, desde a Organização dos Estados Americanos (OEA), a ONU e a Anistia Internacional. Oportunista, o presidente Santiago Peña acabou promulgando o texto na sexta-feira, dia 15 de novembro, um dia depois de a seleção paraguaia bater a Argentina de Messi, um feito que não ocorria havia 15 anos. E com um gol de bicicleta. Em meio às celebrações, notou-se pouco a aprovação da lei.
Leis semelhantes foram adotadas na Nicarágua e na Venezuela, países que de fato estrangularam a sociedade civil e a oposição rumo a governos autoritários. Outra lei parecida está sendo discutida no Peru.
Uma semana depois da sanção paraguaia, foi a vez de o Congresso americano demonstrar que seus políticos seguem empenhados em mostrar que aquilo ali é sim uma república de bananas.
A Câmara dos Deputados aprovou a lei H. R. 9495, a Lei para Parar o Financiamento ao Terrorismo e Penalidades Fiscais sobre Reféns Americanos, por 219 votos a 184. A lei permite ao secretário do Tesouro, indicado politicamente pelo presidente (ou seja, Donald Trump), o poder unilateral de investigar e fechar qualquer organização da sociedade civil, retirando seu status de isenção fiscal.
Se aprovada pelo Senado, a lei não permite nenhum contrapeso à decisão do governo Trump. Basta ele dizer que uma organização é “terrorista” e ela perde seu status 501(c)(3), gerando problemas burocráticos que parecem pouco, mas são tremendos, já que muitas fundações não podem doar exceto para organizações deste tipo. Os fundos secariam.
Organizações que defendem o aborto, criticam o genocídio em Israel ou ambientalistas virariam alvo certo. Elas seriam asfixiadas pela falta de financiamento.
Em resposta, mais de 300 organizações sem fins lucrativos, incluindo a The American Civil Liberties Union (ACLU), o Greenpeace e a Planned Parenthood, que defende o direito ao aborto legal, assinaram uma carta expressando suas profundas preocupações com o projeto de lei.
A lei ainda precisa ser votada no Senado – hoje, com a maioria democrata, é provável que não passe. Mas sabemos que isso vai mudar em 2025, quando os republicanos, liderados por Trump, podem retomar a legislação.
Diferentemente de qualquer outro presidente, Trump não hesitará em usar a nova lei para acabar com ONGs que se opõem às suas políticas – incluindo organizações de jornalismo sem fins lucrativos, que são centenas naquele país.
É o mesmíssimo roteiro adotado em outros países que inspiram Trump, como a Hungria de Viktor Orbán ou a Rússia de Putin – em ambos os países, ONGs foram fechadas ou tiveram que se mudar.
Aqui no Brasil, a ala bolsonarista também adotou a mesma retórica de ataque à sociedade civil, através da CPI das ONGs, que pretendeu “denunciar grupos estrangeiros” que “se envolvem na Amazônia”. Dominada por ruralistas, seu objetivo era enfraquecer a sociedade civil que defende o meio ambiente. O relatório final chegou a incluir, como recomendações, a redução do poder do Ministério Público Federal (MPF) e a legalização da mineração e pecuária em áreas indígenas.
Chegaremos, assim, ao ano de 2025 com uma crescente onda de direita, masculinista, com uma manual bem realizado e testado e com sede de usá-lo para destruir de vez a democracia liberal que regeu boa parte do século 20.