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Para o cientista político, aliança entre presidente dos EUA e empresas de tecnologia enfraquece a democracia

Entrevista

A posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, realizada no último dia 20 de janeiro, simbolizou uma nova fase da política global ao reunir líderes das maiores empresas de tecnologia. Bilionários como Elon Musk, Mark Zuckerberg e Jeff Bezos não apenas marcaram presença na cerimônia, mas reforçaram um papel central nessa nova configuração de poder. No caso de Musk, ele passa a comandar o recém criado Departamento de Eficiência Governamental dos EUA.

Para analisar o cenário político global após a posse de Donald Trump, os impactos e as consequências da aliança entre governo e líderes das Big Techs, o Pauta Pública da semana recebe o cientista político Guilherme Casarões. Em conversas para ir além, com Andrea Dip e Claudia Jardim, ele fala sobre a crise democrática global, agravada desde 2008, gerou diferentes respostas populistas e polarização, dando espaço para uma oligarquia emergente.

Casarões avalia que “os magnatas das Big Tech estão muito bem colocados para exercer uma influência sem precedentes”, destacando que a união entre governo e interesses econômicos enfraquece as democracias, pois essas empresas lucram ao promover polarização e desinformação no espaço digital.

Para entender melhor o impacto dessa aliança e como as Big Techs dominam a comunicação global, lucrando com a polarização, ouça o podcast completo e leia os principais pontos da entrevista.

EP 152 Trump e a posse dos techno brothers – com Guilherme Casarões

Cientista político avalia os impactos da aliança entre presidente dos EUA e as grandes empresas de tecnologia

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A posse de Donald Trump foi pior do que era imaginado?

Olha, não está pior porque muito daquilo que ele fez no próprio dia da posse já estava meio que precificado, para usar uma expressão que já está batida aí, de precificação. E eu digo isso porque desde antes mesmo da eleição do Trump ele já tinha sinalizado a possibilidade de fazer mudanças profundas na democracia norte-americana, nas instituições políticas, a começar por uma reversão de tudo aquilo conquistado pelo governo Biden nos últimos quatro anos.

Tem um documento chamado Projeto 2025, que foi publicado por uma fundação conservadora nos Estados Unidos, chamado Heritage Foundation, e esse documento de quase 900 páginas já anunciava várias das decisões que o Trump deveria tomar. É uma espécie de manual de instruções para o novo governo, já se anunciavam essas medidas que o Trump poderia tomar no primeiro dia de mandato ou nos primeiros dias de governo, assim que assumisse. O objetivo desse Projeto 2025, cuja autoria é de gente muito próxima do Trump, apesar de ter sido publicado por uma organização independente, o objetivo é transformar os Estados Unidos naquilo que eles chamam de uma nação cristã.

A ideia é não só alterar a lógica institucional da democracia americana, mas é de profundamente transformar a identidade dos Estados Unidos num país cristão orientado por valores cristãos e cuja democracia reflete nada mais do que essa expectativa da maioria cristã dos Estados Unidos.

Lembrando que aí tem uma questão do próprio conceito de democracia, pro Trump e pro trumpismo, democracia não é o conjunto de instituições que têm freios e contrapesos e que garantem os direitos de minorias, não, a democracia é a maioria, a tirania da maioria quando ela for cabível. Inclusive no discurso de posse do Trump ele diz abertamente que é hora de fazermos uma revolução do senso comum. O que seria esse senso comum? Os valores da maioria, a vontade da maioria.

Teve um episódio específico em que ele fala: ‘meus queridos cristãos, votem em mim dessa vez pra vocês não precisarem votar mais no futuro’, quer dizer, ele já estava indicando uma guinada profundamente autoritária e organizada na sua estratégia de governo daí pra frente. Então, quando ele expede vários documentos, ordens executivas e pronunciamentos revertendo praticamente tudo que o Biden fez, quem tinha lido ou tomado conhecimento do Projeto 2025, que está disponível online, já imaginava que ele pudesse fazer coisas do tipo.

É que muita gente não acreditava que ele fosse capaz de cumprir as suas promessas de campanha já de maneira tão veloz. 

Antes da posse, Trump anunciou que Elon Musk, o dono do X (ex-Twitter), assumiria o departamento de eficiência governamental. No dia da posse, estavam todos ao dele. O que significa tudo isso? As big techs estão oficialmente tomando o poder político? 

Eu diria que sim e que estamos diante de um quadro complexo. A comunicação em nível global hoje está em larga medida dominada pelas empresas de tecnologia, são os algoritmos das big techs que, de certa maneira, ditam o que a gente recebe, o que a gente consome, e no limite, como a gente pensa, e isso tem um impacto econômico. O modelo de negócio dessas big techs se baseia na valorização do discurso radicalizado, na disseminação de notícias falsas e na viralização de conteúdo.

Associada a essa questão econômica, que é o modelo de negócio beneficiado pela desinformação e pela polarização, existe o outro lado, que para essas big techs é o pior pesadelo, a regulamentação dos conteúdos trazidos pelas plataformas que são monetizados por elas. Então, são duas questões que estão andando juntas. Uma, que é necessário um ambiente dividido, polarizado e insuflado permanentemente para que se possa ganhar dinheiro, e outra de que é necessário não haver regulação sobre esse conteúdo e sobre essas dinâmicas para que se possa ganhar mais dinheiro.

Esse quadro, que é anterior à Trump, coloca o papel central das big techs para pensarmos o ecossistema de informação do mundo hoje. O Trump é do Partido Republicano mas nunca respeitou a separação básica do público e do privado, dos interesses pessoais e dos interesses coletivos. Ele governou por quatro anos o seu primeiro mandato, beneficiando diretamente amigos, sócios, gente muito próxima, inclusive da família. Então, o que vimos no contexto das eleições presidenciais americanas, foi o dono de uma dessas big techs, o Elon Musk, que havia recentemente comprado a plataforma Twitter e depois a renomeou para X, entrar de cabeça na campanha. No discurso de vitória do novo presidente, Musk comemora junto com ele, sendo nomeado para um cargo governamental sem ter sequer que abrir mão dos seus atuais cargos privados, ou seja, uma loucura completa, uma confusão total entre o público e o privado. Isso tornou Elon Musk uma figura especialmente poderosa nesse contexto.

Eu não vejo, pessoalmente, Mark Zuckerberg, Jeff Bezos, como figuras ideologicamente alinhadas a Trump. Mas existe aqui uma dinâmica que é concorrencial. O fato é que Zuckerberg tomou decisões em nome da Meta, que é a sua empresa, que foram no sentido de transformar a Meta num simulacro do que é o Twitter ou o X, inclusive na política de moderação de conteúdo, na abolição de políticas de diversidade internas da empresa.

Outros setores empresariais também aderiram a essa pauta anti direitos, ou anti diversidade, que marcou a campanha do Trump e certamente marcará o seu governo. Então, acho que a gente está falando de um cenário em que os magnatas das big tech estão muito bem colocados para poder exercer uma influência sem precedentes. O que a gente está hoje testemunhando no governo Trump é algo inédito, porque é mais do que lobby, é mais do que uma influência vinda pelo legislativo ou vinda por ministros, é uma influência direta com um cargo que tem conseguido, claro, gerar uma reorganização do mercado de tecnologia nos Estados Unidos de maneira muito poderosa.

Pensando nesse projeto autoritário da extrema direita, qual o papel das redes sociais nessa construção que claramente miram nas minorias, como os imigrantes, população LGBTQIA +, que são tratados como inimigos a serem combatidos?

Eu não diria que as redes sociais são a causa da polarização, mas elas certamente ajudam a amplificar a polarização. E há vários mecanismos que estão bem documentados na literatura sobre isso, tais “câmaras de eco”.

A grande questão é que as redes sociais, pregando o discurso da liberdade de expressão, elas acabam acirrando esse processo de polarização política, beneficiando-se, como a gente já disse, dessa dinâmica, porque, afinal, monetiza justamente nos conteúdos que incitam essa polarização.

As redes sociais encontravam, talvez a única barreira a esse processo, a legislação nacional. Então, no fim, eram governos que conseguiam colocar algum tipo de limite aos espaços desregulados das plataformas de rede social e de tecnologia. E os governos, é claro, eles podem fazer isso por meios autoritários, fechar plataformas, etc.

O que acontece nos Estados Unidos hoje é que estão diante de um quadro em que o governo não vai mais regular, não vai mais limitar, em nenhuma hipótese, o tipo de conteúdo que circula nas redes sociais, abrindo espaço para uma infinidade de potenciais problemas que vão desde a polarização até o cometimento de crimes de toda sorte, a incitação de xenofobia, de perseguição a imigrantes, de perseguição a pessoas LGBTQIA +, de perseguição a minorias de todo tipo, sejam elas sexuais, religiosas ou étnicas.

Ou seja, no caso americano, me parece que estamos diante de um cenário em que a vida de toda e qualquer minoria vai se tornar muito difícil daqui para frente. Não tendo governo para regulamentar as plataformas digitais, isso abre espaço para que a vida das minorias se torne muito difícil num ambiente em que as pessoas sejam livres para perseguir, muitas vezes, chancelados pelo próprio Presidente da República e pelo próprio governo que compra a mesma orientação.

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