Ministros de Estado e negociadores que entravam na plenária da COP30 nesta segunda-feira (17) para dar início aos trabalhos de alto nível na segunda e última semana da conferência, foram recepcionados por cientistas que traziam um apelo.
“A COP30 deve conceber um esforço global para proteger a vida em todas as suas formas. Os países precisam se unir para entregar roteiros para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e deter e reverter a perda das florestas. Isso exige manter firme a ‘missão 1,5’.”
O grupo, liderado pelo climatologista brasileiro Carlos Nobre e pelo cientista sueco Johan Rockström, se referia ao compromisso de conter o aquecimento global a 1,5 °C em relação à média de temperatura que a Terra tinha antes da Revolução Industrial – quando a humanidade começar a queimar combustíveis fósseis em tamanha intensidade que levou a uma concentração recorde de gases de efeito estufa na atmosfera, esquentando o planeta.
Pela primeira vez na história das COPs, a chamada zona azul – onde ocorrem as negociações formais –, conta com um pavilhão da ciência. A ideia, que partiu de uma provocação da própria presidência da COP, foi tentar aproximar o melhor conhecimento científico que existe sobre os riscos que estamos correndo quanto mais quente ficar a Terra aos negociadores que têm a responsabilidade de encontrar saídas para que a gente não chegue a esse ponto.
Em 30 anos de conferências do clima, esse processo ainda não conseguiu alcançar a mudança necessária, por mais que os alertas da ciência já estejam se concretizando e os impactos do aquecimento global já estejam batendo na porta de todo mundo. “O que significa que, até agora, todo o processo da COP, 30 anos tentando resolver esse problema, falhou até aqui”, disse Rockström, em entrevista à Pública.
“Isso é muito sério porque, dentro dos próximos 5 a 10 anos, segundo a ciência mais recente, inevitavelmente ultrapassaremos 1,5 °C. Então estamos caminhando para o perigo”, afirma.
Para Rockstron, diante de incertezas sobre o comprometimento dos países após a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, o mundo teve “sorte” de a COP deste ano ser no Brasil. Ele acredita que o país tem condições de “manter o mundo unido neste momento”, mas também fez um alerta sobre a medida do sucesso desta conferência. “Há essencialmente uma única coisa que precisa acontecer aqui, que é adotar um roteiro crível para começar a eliminar de fato os combustíveis fósseis.”
Confira a seguir a entrevista.

Já há várias décadas a ciência vem alertando para os riscos do aquecimento global. Temos um acordo para contê-lo, mas sabemos que as ações dos países ainda não têm sido suficientes. Qual é a situação atual do planeta?
De fato, há uma grande preocupação do ponto de vista científico de que tenhamos esse abismo crescente. Nós chegamos aqui em Belém com as atualizações científicas mais recentes mostrando que o aquecimento está acelerando e estamos nos aproximando de pontos de não retorno (tipping points, em inglês). E muito provavelmente já cruzamos o primeiro deles: nos sistemas de recifes de coral tropicais , o que já é um desastre [relatório lançado em outubro apontou que com o aquecimento crescente dos oceanos, os corais podem já não ter mais chance de sobreviver].
Temos mais de 400 milhões de pessoas cuja subsistência depende dos sistemas de recifes de coral. E nem sabemos quais serão os impactos de um colapso desses sistemas sobre todos os peixes do oceano, sobre o funcionamento mais amplo do oceano, porque é um sistema muito sensível que depende não apenas de temperatura, mas também de nutrientes e da vida marinha.
Sabemos que o aquecimento está acelerando. Estamos nos aproximando do primeiro ponto de não retorno, e também sabemos hoje que 1,5 °C acima das temperaturas médias pré-industriais na Terra é um número muito significativo.
A ciência mostra claramente que, se você ultrapassa esse limite, entra em zona de perigo. A UNFCCC – a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – afirma no artigo 2, o qual todos os países assinaram, que somos legalmente obrigados a evitar o perigo.
E a ciência agora mostra que ultrapassar 1,5 °C nos coloca em perigo. Isso é muito sério porque, dentro dos próximos 5 a 10 anos, segundo a ciência mais recente, inevitavelmente ultrapassaremos 1,5 °C.
Então estamos caminhando para o perigo. O que significa que, até agora, todo o processo da COP, 30 anos tentando resolver esse problema, falhou até aqui. Essa é a primeira coisa que temos de reconhecer. E quando falamos em perigo, é perigo de duas formas.
Uma é que sabemos que a cada décimo de grau de aumento acima de 1 °C, secas, incêndios, enchentes, ondas de calor, tempestades intensificadas pelos humanos aumentam e chegam a níveis que ameaçam vidas.
É tão assustador ver os dados sobre o que está acontecendo com as secas na Amazônia. Parte da Amazônia brasileira está emitindo carbono, mais do que absorvendo. E a ciência mostra que a bacia amazônica está se aproximando rapidamente de um ponto de inflexão por causa da aproximação de 1,5 °C, combinada com o desmatamento.
E a segunda razão pela qual 1,5 °C é um número tão sério é que esse limiar nos leva em direção aos pontos de inflexão. A ciência mostra que as camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida Ocidental, a floresta tropical amazônica, os sistemas de corais tropicais, o permafrost – todos estão em risco quando ultrapassamos 1,5.
E agora estamos nos aproximando ou ultrapassando isso. Podemos limitar o período de overshoot [ultrapassagem] e podemos voltar a 1,5, mas isso exige uma eliminação rápida dos combustíveis fósseis. Então, esse roteiro [um mapa do caminho para a transição para longe dos combustíveis fósseis] que a presidência da COP apresentou é absolutamente urgente.
Temos um processo da COP que foi criado para evitar uma mudança climática perigosa. E sabemos que o que causa mudança climática perigosa é a queima de combustíveis fósseis e a degradação dos ecossistemas.
E as COPs levaram 28 anos para sequer mencioná-los em uma decisão [o que ocorreu em Dubai, em 2023].
Exatamente. E agora, dois anos depois, a presidência da COP quer ter um roteiro concreto para isso. A ciência apoia totalmente. Não é suficiente ter uma frase dizendo “transicionar para longe dos combustíveis fósseis”. Precisamos de um roteiro. E esse roteiro significa que no próximo ano, em 2026, precisamos remover 2 bilhões de toneladas de CO₂ da economia global. Isso é 5% das emissões baseadas em combustíveis fósseis. Mas o mais novo relatório [de emissões] mostra que neste ano, em 2025, as emissões vão subir 1%. Ou seja, temos de ir de +1% para -5%.
Isso é um grande desafio — não pode ser feito de forma incremental, não pode ser feito com promessas voluntárias. As NDCs [contribuições nacionalmente determinadas – os compromissos climáticos de cada país] falharam completamente até agora em entregar esse resultado. Então precisamos de governança, precisamos de liderança e precisamos de mecanismos financeiros. Para impulsionar sistemas de energia renovável, mas também a eliminar sistemas baseados em combustíveis fósseis.
O problema é que ainda estamos só adicionado novas fontes de energia, mas não eliminando as fósseis.
Sim. Uma coisa realmente boa do Acordo de Paris é que todos concordaram que temos apenas um planeta, apenas uma atmosfera, e que compartilhamos um único orçamento de carbono — e todos precisam mitigar.
E, olhando para o mundo hoje, as economias avançadas estão de fato reduzindo suas emissões — devagar demais, mas reduzindo. E as economias emergentes e países em desenvolvimento estão aumentando suas emissões. E o abismo é enorme. Então, sem um esforço conjunto de todos nós, vamos fracassar. Então eu não vejo ainda que esta COP esteja avançando de jeito nenhum no ritmo que a ciência mostra ser necessário.
A única coisa positiva que eu diria até agora é que a atmosfera nesta COP é construtiva. A presidência da COP está realmente fazendo um esforço. Quer uma política alinhada à ciência. Quer um roteiro para desmatamento zero. Quer um roteiro para eliminação de combustíveis fósseis. É uma presidência corajosa… mas, nossa, é desafiador.
Não sei se estou correta, mas eu diria que os governantes, os diplomatas sabem o que a ciência diz. Não é novidade que o mundo está caminhando para o colapso. Então o que é falta? É vontade política? Qual é a sua percepção?
Bem, concordo com você que os negociadores, em geral, são informados, sem dúvida. Mas eu diria que, olhando para todos eles, não estão atualizados com a ciência mais recente.
Por exemplo, se você perguntar aos negociadores se sabem que o aquecimento está acelerando. Acho que poucos entendem que isso está acontecendo, e que isso muda completamente o orçamento de carbono [quanto ainda pode ser emitido antes de chegarmos ao aquecimento de 1,5 °C de modo consistente].
Significa que temos que agir ainda mais rápido. Ainda mais se isso é causado por retroalimentações, não por forçantes. As forçantes são as emissões ou mudanças nos poluentes do ar. Mas isso é só parte do que está acontecendo.
O que também está acontecendo é uma retroalimentação no planeta, onde florestas estão perdendo capacidade de absorção de carbono; elas estão queimando; nuvens e oceanos estão mudando, e nuvens estão aquecendo o planeta mais rápido do que pensávamos. Esses são processos muito perigosos, porque se o aquecimento é causado por retroalimentações, então é o próprio planeta causando isso. Se é forçante… Então somos nós causando isso.
O problema é que já mudamos o planeta…
Isso mesmo. As forçantes já são ruins o suficiente, mas ao menos podemos “desligá-las”. Mas se você tem retroalimentação, você não pode alterar. E é esse tipo de informação que acho que não é totalmente compreendida.
Também não acho que o overshoot [ultrapassagem temporária] seja totalmente compreendido. Que overshoot significa perigo, mas não significa que devemos desistir de [conter o aquecimento em] 1,5. Acho que os caminhos para a solução também não são bem compreendidos, afinal, por que os países estão apresentando NDCs atualizadas completamente desconectadas do que é necessário?
E, claro, você poderia argumentar que eles sabem onde precisam chegar, mas simplesmente não querem. Mas acho que também há um elemento de que eles realmente não sabem onde precisam estar. Posso garantir que os negociadores da União Europeia acham que reduzir 90% das emissões até 2040 é suficiente. Mas absolutamente não é.
Quanto deveria ser?
Isso era suficiente dez anos atrás, quando ainda pensávamos que conseguiríamos dobrar a curva das emissões até 2020. E que agora, em 2025, já teríamos reduzido emissões em 3 ou 4% ao ano e não teríamos essa aceleração da taxa de aquecimento. Mas com o fracasso até aqui e com o aquecimento acelerado, a Europa precisa chegar a zero entre 2030 e 2040. E a Europa precisa ir mais rápido que os outros países.
Então, estamos em um ponto da crise tão grande que não vejo isso penetrando nas negociações. E é isso que estamos discutindo aqui: atualizando as pessoas com base na ciência mais recente sobre os riscos que enfrentamos.
Veja. Houve um tempo em estávamos destruindo a camada de ozônio. E a ciência enviou o alerta de que aquilo era uma ameaça existencial à humanidade. E assinamos o Protocolo de Montreal em 1987. Era a mesma coisa que o clima: muito difícil de ratificar. Mas foi um acordo que proibiu a causa do problema. Não dissemos que iríamos gradualmente chegar a algum percentual.
Nada de fazer a transição para longe de…
Não. E não havia NDCs. Era simplesmente uma linha vermelha: a partir daquele momento, estava proibido usar CFCs na geladeira. Vinte e cinco anos depois, começamos finalmente a fechar o buraco na camada de ozônio. E agora estamos de volta ao espaço seguro daquela fronteira planetária. Acho que precisamos hoje ter esse tipo de compreensão de crise para a questão climática: precisamos de linhas vermelhas.
Precisamos dizer: agora é hora de descomissionar usinas a carvão. Precisamos parar todas as importações de petróleo e gás. Quero dizer, se você interrompe a importação, a oferta diminui. Precisa ter um plano de eliminação para o motor de combustão interna.
Precisa proteger todo remanescente de floresta tropical do planeta. Essas são medidas radicais — admito. Mas são as únicas que estão no mesmo nível do que a ciência diz sobre o risco. Então não… não acho que os negociadores estejam totalmente atualizados e conscientes da gravidade da situação.
Queria voltar aos processos de retroalimentação. Uma vez que entramos nisso, não tem retorno?
Pelo que sabemos, não há retorno — pelo menos não em escalas de tempo relevantes… estamos falando de centenas de anos.
Centenas?
Sim, centenas. Milhares, em alguns casos. Mas uma vez que você cruza um ponto de inflexão na Amazônia, não há retorno.
Quer dizer, poderia reverter depois de realmente resfriar o planeta, mas isso exigiria muitos séculos. Então, não… são mudanças sérias e irreversíveis.
A bacia amazônica permanece em seu estado estável graças a uma retroalimentação muito especial: a floresta é um sistema tão diverso, com múltiplas camadas de plantas que cobrem tudo, formam um teto completo, e têm raízes profundas.
E ela cria umidade e bombeia água. Gera tanto vapor que produz sua própria chuva. Essa é a retroalimentação: uma máquina de reciclagem de umidade.
A Amazônia recicla 40% da própria chuva. É um sistema fenomenal. Um enorme rio atmosférico, essencialmente tão grande quanto o rio Amazonas. Mas quando a gente aumenta o calor e desmata – abrindo esse incrível dossel em múltiplas camadas –, a atmosfera fica mais “sedenta” e suga ainda mais umidade.
Com isso, as plantas já não conseguem segurar a umidade, nem bombear água. Então, num ponto muito específico, essa retroalimentação de reciclagem de umidade para. E quando ela para, o sistema muda. Não colapsa da noite para o dia, mas inicia uma trajetória rumo a uma savana degradada. E, uma vez passado esse ponto, é muito difícil voltar. Em teoria, a ciência mostra que seria possível voltar, mas a jornada para trazer a floresta de volta é muito mais difícil do que a jornada para destruí-la.
Se ela colapsa a 2°C de aquecimento e 25% de perda de cobertura vegetal, voltar pode exigir retorno a 0 °C de aquecimento e restauração de 100% da floresta.
E assim é com todos os sistemas que têm retroalimentações. Veja a Groenlândia: é uma superfície branca, a 3 km de altura. Se você sobe a montanha, vai ficando cada vez mais frio. É frio e é branco lá em cima. Então, a radiação solar que chega ali, 90% é refletida de volta para o espaço. E isso é estável, porque a retroalimentação é de auto-refrigeração. Com o aumento da temperatura, esse gelo começa a derreter, bem devagar. E em um ponto bem específico, conforme derrete e a altitude diminui, vai ficando mais quente. A superfície, que era branca, começa a escurecer até chegar em um ponto preciso em que passa a absorver mais calor do que reflete. Esse é o ponto de inflexão. E uma vez que cruzar esse limite, em vez de se auto-resfriar, a Groenlândia passa a se auto-aquecer. Ela passa de refrigerador planetário para aquecedor planetário. O derretimento não vai acontecer da noite para o dia. Pode levar mil anos. Mas uma vez que começa, não pode ser parado. E isso significa sete metros de elevação do nível do mar. E a ciência mais recente mostra que ela pode atingir o ponto de inflexão a partir de 1,5 °C de aquecimento. Mas ainda há incerteza, então estamos cruzando os dedos para que ela sobreviva ao overshoot. Mas honestamente, não sabemos. Simplesmente não sabemos.
Você mencionou a NDC da Europa, dizendo que eles acham que 90% até 2040 não é suficiente. Mas ainda pior que isso, perdemos os EUA nesse esforço. Quão ruim é?
Acho que não devemos nos enganar. É ruim. É ruim por duas razões. Primeiro, porque os EUA não são apenas a maior economia do mundo, são o maior produtor mundial de petróleo e gás. E segundo, a saída dos EUA gera um efeito dominó em outros países. Estávamos preocupados que isso pudesse se espalhar a ponto de levar países a basicamente dizer: “Ah, se os EUA não se importam, por que nós deveríamos nos importar?”. Isso não aconteceu. É até reconfortante que todos os outros países estejam aqui reunidos e ainda se mantenham construtivos. Mas temo que isso legitime comportamentos passivos, do tipo: “Olhe, se os EUA não acham que precisamos avançar mais rápido, então também não vamos acelerar tanto”. Então acho que isso certamente torna as coisas mais difíceis. Torna mais legítimo questionar se realmente devemos ter um roteiro que acelere as coisas. Isso só deixa tudo mais complicado. Mas não estou tão preocupado, porque me sinto muito tranquilo pelo fato de que tivemos muita sorte de a COP ser aqui no Brasil.
Por que você diz isso?
Porque o Brasil é um país interessante. Vocês têm amigos em todos os lugares. Vocês fazem parte dos BRICS, são uma economia tão grande que têm voz no Norte global, têm respeito dos países mais pobres do mundo. O presidente Lula tem um alto grau de capital social no mundo, Marina Silva é uma heroína e alguém que tem enorme respeito. Então acho que é muito sorte estarmos no Brasil exatamente neste momento. Acho que é um dos poucos países que podem manter o mundo unido neste momento em que os EUA saíram.
E também é uma combinação disso com o fato de que, você sabe, quando as COPs dão errado, vemos isso até antes da própria COP, porque tudo depende muito de como os países e as presidências lidam com a diplomacia até a conferência. O Brasil fez exatamente o que é necessário para ter uma COP bem-sucedida. André Corrêa do Lago e Ana Toni têm se engajado e viajado pelo mundo preparando esta COP e sempre dizendo: esta é a COP da implementação, é a COP onde trazemos a agenda da natureza para dentro, e é a COP da eliminação progressiva dos combustíveis fósseis. E eles têm sido muito claros. E é uma COP onde querem mais ciência e mais ação. E acho que isso também permitiu que todos soubessem o que se espera aqui. É preciso lembrar que as discussões não estão indo tão bem até agora. Não estamos, de forma alguma, perto de uma linha de chegada. Mas não sinto que os EUA tenham jogado na sarjeta de alguma forma.
Mas nós também temos nossas contradições. O presidente Lula também apoia a exploração de petróleo na foz do Amazonas.
Com certeza. E foi uma péssima hora [sair a licença para a Petrobras perfurar a região]. Claro que ele está lidando com diferentes interesses no Brasil, admitidamente. Mas, no balanço, acho que o Brasil tem um grau muito alto de confiança.
O que precisaria ser alcançado aqui na COP30 para nos tirar desse caminho que você descreveu?
Há essencialmente uma única coisa que precisa acontecer, que é um roteiro crível para começar a eliminar de fato os combustíveis fósseis — e isso precisa começar em 2026. Não dá para ter um roteiro que terá dois anos de diálogo para então assinar um pedaço de papel. É agora. E você não precisa fazer tudo já no primeiro ano, mas tem que começar a se livrar dos combustíveis fósseis. Então é um roteiro real — não é só uma declaração. É um plano. Envolve reduzir riscos no financiamento, descomissionar carvão, ampliar energia renovável, ajudar a reduzir riscos nos investimentos no Sul global, compartilhar tecnologias. Tem que ser um plano. E certamente tudo isso não será totalmente produzido aqui na COP, mas precisa haver um acompanhamento crível para que todos esses passos de implementação sejam realizados. Esse é o número um.
E o número dois é definitivamente um plano para estancar o desmatamento – e isso é ainda mais urgente, no sentido de que, quando se trata de desmatamento, temos que parar agora. Não podemos ter um plano de 10% ao ano. Temos que simplesmente dizer: chega. E como alcançar isso é incrivelmente difícil. Nós temos uma sugestão aqui, que é definir legalmente as florestas tropicais como bens comuns globais.
Existem quatro bens comuns globais: a Antártica, as águas internacionais, o espaço sideral e a atmosfera. Todos são protegidos por tratados legais. Então você tem o Tratado da Antártica, a Convenção do Clima, o Tratado do Espaço Sideral e o Tratado do Mar Profundo.
Esses são marcos legais. E se dissermos que a floresta tropical também deve ser protegida sob tratados legais de bens comuns globais e que redefinimos bens comuns globais para dizer… o que é um bem comum global? Por 50 anos, definimos bens comuns globais como todos os sistemas da Terra que estão fora das jurisdições nacionais.
Portanto, não pertencem a ninguém e, portanto, pertencem a todos nós. Isso é um bem comum global. Então a Antártica é de todos nós. É nosso patrimônio. Agora, nós propomos — e inclusive publicamos um artigo científico sobre isso — redefinir legalmente o que é um bem comum global, dizendo que um bem comum global, independentemente de estar dentro ou fora de jurisdição nacional, é qualquer sistema biofísico da Terra do qual a vida de todos depende.
Então isso significa que a Amazônia é de fato um bem comum global, porque eu vivo em Berlim, mas dependo, para minha economia, minha vida, meus filhos, da Amazônia permanecer uma floresta. Porque, se ela colapsar, vai eliminar tanto carbono que as temperaturas vão subir — os efeitos de retroalimentação — e eu serei impactado.
Claro, não serei tão impactado quanto você, mas serei impactado. Então acho que a ciência hoje permite dizer que precisamos redefinir a legalidade.
Mas isso não geraria muita resistência de ser um risco à soberania dos países?
Sim, é muito desafiador. Claro que Lula dirá: “Mas veja bem, a Amazônia é meu patrimônio. Está na minha jurisdição nacional. Eu decido sobre a Amazônia”. E então sugerimos que a resposta seja: legalmente, sim, você está certo. Ninguém vai interferir no que você faz com a floresta. Mas você tem o direito de nos pedir — a nós, outros países — para compensá-lo por manter o planeta como um bem comum global.
Ou seja, a Alemanha precisa pagar o Brasil para manter o sistema intacto, porque o sistema presta um serviço à Alemanha ao manter a chuva confiável. E é isso que você precisa fazer com a camada de gelo da Groenlândia. A Dinamarca precisa ser compensada para manter a camada de gelo da Groenlândia intacta. É o tipo de ideia que a ciência pode oferecer. E aí você vai me perguntar: isso não é apenas fantasia?
Acho que pode parecer uma ideia radical. Mas o fato é que temos uma crise planetária. E uma crise planetária exige ideias realmente novas e grandes. Foi depois da Segunda Guerra Mundial que estabelecemos a ONU, o Conselho de Segurança, Banco Mundial, FMI. Tudo nasceu após aquela crise. Bem, agora temos uma nova crise. E algo novo precisa nascer muito rapidamente para lidar com isso.

PayPal 


