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Os jornalistas Glenn Greenwald e Jonathan Watts debateram a cobertura da mídia sobre a crise política na Casa Pública, o espaço de reflexão sobre jornalismo da agência Pública no Rio. Veja aqui os vídeos e a transcrição da entrevista

Casa Pública
27 de maio de 2016
12:00
Este artigo tem mais de 8 ano

Os jornalistas Glenn Greenwald e Jonathan Watts participaram, no dia 21 de maio, da Conversa Pública, uma série de entrevistas sobre jornalismo que se realiza aos sábados na Casa Pública, no Rio de Janeiro.

Instigados por Claudia Antunes, entrevistadora convidada pela agência Pública, o editor do The Intercept, Glenn, e o correspondente do The Guardian, Johathan, compararam a cobertura nacional e internacional sobre a crise política brasileira e debateram questões como liberdade de expressão, jornalismo independente, e concentração da mídia no Brasil.

O vídeo foi editado em duas partes e está acompanhado da transcrição. As perguntas do público presente ao evento também foram incluídas, uma vez que a proposta da Conversa Pública é de realizar uma entrevista ao vivo com a participação da plateia da Casa Pública, o espaço de debate e reflexão sobre jornalismo independente da agência Pública, no Rio de Janeiro.

Participantes:

Entrevistadora:

Claudia Antunes, jornalista formada pela UFRJ, foi coordenadora da sucursal do Rio de Janeiro, editora de Mundo, e repórter especial da Folha de S. Paulo. Antes ela trabalhou por 13 anos no Jornal do Brasil, como editora da seção internacional, e também foi editora da Revista Piauí.

Entrevistados:

Glenn Greenwald é jornalista, escritor e advogado americano, especialista em Direito Constitucional. Foi o responsável pela divulgação dos documentos revelados por Edward Snowden sobre a vigilância global dos Estados Unidos. Ganhou o prêmio Pulitzer em 2014 e o prêmio Esso de Reportagem no mesmo ano. Mora no Brasil há 11 anos e é um dos editores do The Intercept. Também foi o primeiro jornalista a entrevistar a presidente afastada Dilma Rousseff.

Jonathan Watts é correspondente do jornal The Guardian na América Latina. Passou 7 anos na China e outros 7 anos no Japão, como correspondente setorista de meio ambiente para Ásia. Trabalhou em outras grandes redações do mundo todo, como BBC, CNN, Mother Jones, Christian Science Monitor e South China Morning Post.

(Foto: José Cícero da Silva)
Jonathan Watts, Glenn Greenwald e Claudia Antunes durante Conversa Pública (Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública)

Claudia Antunes – Bom, primeiro eu queria agradecer a presença do Glenn e do John, que eu conheço já há algum tempo. Os dois têm bastante experiência no Brasil. O John mora aqui há quatro anos, ele entende português perfeitamente, mas como é um assunto complexo, ele decidiu falar em inglês aqui hoje. Então a primeira pergunta que eu queria fazer pros dois é a pergunta de ouro: afinal, a imprensa internacional chamou o impeachment de golpe? Porque houve uma grande disputa, principalmente nas redes sociais, sobre isso. E, se chamou ou não, o que vocês destacariam como as principais diferenças entre a cobertura da imprensa nacional do processo de impeachment e a cobertura dos principais veículos da imprensa internacional?

Glenn Greenwald – Boa tarde a todos e obrigado à Agência Pública pelo convite. Acho que essa casa é muito importante para apoiar jornalistas independentes. Todos os países precisam muito de jornalismo independente, mas sobretudo aqui no Brasil, precisam mesmo. Porque as organizações dominantes não oferecem nenhuma independência. Então acho que é muito bom ter uma casa assim.

Sobre a questão, acho que essa pergunta sobre golpe é uma pergunta difícil dentro do contexto do jornalismo. Porque geralmente jornalistas gostam de evitar um debate semântico. E a coisa mais importante é que, aqui no Brasil, esse processo, se você quer chamar isso de impeachment, ou golpe, ou qualquer outra coisa, está destruindo a democracia. E eu acho que agora as organizações de mídia estão percebendo isso muito.

Sobre a diferença entre a mídia brasileira e a mídia internacional, acho que a diferença é enorme, é fundamental. E é muito interessante para mim, porque eu moro aqui no Brasil há 11 anos, geralmente estou fazendo reportagens sobre eventos no exterior, então nunca percebi que tinha necessidade de fazer reportagens sobre o Brasil. Mas quando eu comecei a olhar como a mídia brasileira está fazendo reportagens – e eu uso essa palavra com aspas, “reportagem” -, sobre a crise política, eu fiquei muito surpreso, chocado mesmo, porque eu consegui ver que essas organizações de mídia estão unidas contra o governo. Tentando abertamente destruir a presidente Dilma. Estão fazendo essa tentativa. Então eu comecei a fazer reportagens por causa disso. Mas as reportagens das organizações internacionais foram muito melhores, estão dando muito mais informação, e acho que isso tem trazido um debate muito bom para o Brasil, porque agora os brasileiros não estão presos à família Marinho, eles estão usando a internet para ler artigos do Jonathan no Guardian e estão lendo muitas outras coisas e acho que esse benefício da internet é muito visível agora dentro dessa crise.

Claudia Antunes – John

Jonathan Watts – Olá. Boa tarde, muito obrigado Casa Pública pelo convite. Muito prazer estar aqui com vocês. Me desculpem por falar em inglês. Eu me tornei um escritor porque não sei falar em público. Em inglês é ruim, em português é terrível! (risos).

Então, eu gostaria de dizer que, eu não sei, talvez devêssemos ter um pouco mais de discussão entre nós (aponta para Glenn). Eu não serei o coxinha aqui, ok? Eu seria morto. Mas talvez primeiro tenhamos que considerar essa pergunta: “É um golpe ou não é um golpe?”

Deixe-me primeiro dizer que o impeachment é errado, é desproporcional, é injusto, é ruim para a democracia, mas eu nunca usaria a palavra golpe. Sou um escritor e definições são importantes.

Então quando esse debate começa, “é golpe ou não é golpe”, a primeira coisa que um escritor faz é consultar um dicionário. Não é a palavra final, mas é o primeiro ponto de referência.

OK, Vou dar duas definições: a primeira do Oxford English Dictionary: diz que golpe é uma repentina, violenta e ilegal tomada de poder. Ok, essa é a versão britânica. Se olharmos o dicionário americano Marriam Webster’s, ele diz que é algo repentino e violento.

Agora, eu entendo que poderia torcer a palavra e usá-la, mas não tenho usado porque não quero diminuir o que eu acho que são golpes – [que ocorreram] nas décadas de 60, 70 e 80.

Digo, [em 2016, no Brasil] não teve envolvimento dos militares, não foi repentino, e vocês podem não concordar, mas os poderes legais do Brasil estavam de acordo com isso. O STF seguiu cada etapa. Eu não estou dizendo que é legal. Estou dizendo que os poderes legais do Brasil aprovaram. Estou me tornando o coxinha muito rápido! (Risos) E tudo que eu fiz foi me referir ao dicionário!

Mas de qualquer jeito, eu acho que o ponto da questão é: a mídia estrangeira é muito mais crítica ao impeachment do que a mídia brasileira. Se a palavra “golpe” é usada ou não, é uma questão de semântica, mas o tom geral da cobertura da mídia estrangeira foi claramente “tem algo errado”.

Claudia Antunes – Num determinado momento desse processo, principalmente antes da primeira votação da Câmara e entre as duas votações, na Câmara e no Senado, a presidente Dilma percebeu que existia uma cobertura diferente e começou a dar prioridade à imprensa internacional nas suas entrevistas. E algumas pessoas na imprensa brasileira começaram a dizer que a imprensa internacional estava sendo usada pela presidente, por seus defensores, como parte de uma estratégia justamente de fazer um movimento crítico de fora pra dentro do Brasil.

Greenwald – Eu entendo totalmente. Porque tem jornalistas muito bons aqui no Brasil, mas geralmente esses jornalistas são independentes e não tem a habilidade, a capacidade para falar com muitas pessoas. Geralmente o jornalismo independente aqui não tem o poder e o apoio que eles devem ter e que eu espero que um dia eles tenham. Então eu acho que o governo está olhando para as organizações de mídia como Abril e Globo e Estadão, não como jornalistas, mas como partidos de oposição.

Então seria muito estranho se a Dilma concedesse uma entrevista para o PSDB. Ninguém espera isso. Para mim é a mesma coisa. Para dar uma entrevista à Rede Globo, onde ela iria, no Jornal Nacional? Ali é melhor para fazer uma entrevista com o Aécio. Para mim, ela não tinha opção. Essa estratégia foi muito inteligente porque eu acho que os líderes brasileiros se importam muito com como o mundo está percebendo o que eles estão fazendo. E eu acho que Dilma e Lula conseguiram começar a ver que essa é uma ferramenta forte, que o mundo está olhando para o Brasil. Como o Jonathan disse, a grande maioria dos jornalistas estrangeiros está entendendo que alguma coisa muito corrupta e muito má está acontecendo aqui, e eles quiseram usar isso porque eles não tiveram outra opção, porque a mídia dominante aqui no Brasil é só o partido de oposição, não são jornalistas.

Watts – Concordo com o que o Glenn estava dizendo. Eu adicionaria que jornalistas querem que os políticos pensem que eles podem nos usar. Queremos acesso. Se eles pensam que podem nos usar, nós podemos usar suas histórias. É comunicação. No caso da Dilma, desde o momento que eu cheguei no Brasil, há quatro anos, tenho tentado entrevistá-la.

Ela é péssima em comunicação. Ela tem outras habilidades, mas é uma má comunicadora. Ela se sente desconfortável, é muito claro. Ela não usava muito as redes sociais até as últimas eleições, em 2014. Não é o ponto forte dela, que tem outros pontos fortes, mas esse não é um deles.

Acho que houve, por um tempo, uma suspeita da esquerda de que a mídia estrangeira estava contra a esquerda, que representa os interesses das grandes empresas. Mas existe um espectro amplo da mídia estrangeira. E eu diria que esta é a principal diferença em relação à mídia brasileira: acho que a mídia estrangeira tem mais gradações de perspectivas políticas.

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Claudia Antunes – No Brasil, principalmente os opositores do impeachment fizeram muitas críticas à Operação Lava Jato, dizendo que fazia vazamentos seletivos. E que havia, então, uma espécie de conluio entre a polícia federal, os procuradores, e uma parcela da mídia, para vazar apenas o que podia prejudicar o governo. A pergunta para o Glenn: eu vi muita gente contrária ao governo e a favor de impeachment dizendo assim “mas é engraçado, porque quando teve o vazamento do Snowden ou o vazamento do Wikileaks, toda a esquerda apoiou esses vazamentos”.

Greenwald – Esse argumento é totalmente absurdo. Eu lembro a primeira vez que eu discuti isso. Foi depois que o juiz Moro divulgou as conversas de Lula e outras pessoas, incluindo a Dilma, e eu critiquei isso no Twitter. E tem essa jornalista, que eu esqueci o nome dela, graças a Deus, que trabalha na Veja, e ela disse: “Ah, a hipocrisia é grande. O jornalista que vazou a informação do Snowden agora está criticando o Juiz Moro por fazer a mesma coisa”.

O juiz Moro ele tem esse poder para grampear conversas porque ele é um juiz, e o público deu a ele esse poder através do Estado, e ele tem responsabilidade de fazer isso só para objetivos legais e não objetivos políticos. E quando ele está divulgando conversas privadas que não têm nada a ver com o interesse público, mas só para envergonhar o Lula porque ele está falando coisas ruins sobre mulheres, usando palavrões, ele está se comportando como um ator político e isso é um poder muito grande para o poder judicial. É muito perigoso quando você tem juízes se comportando com objetivos políticos. O Wikileaks, Chelsea Manning, Edward Snowden, eles não tinham essa responsabilidade. Ninguém deu poderes para o Edward Snowden e Chelsea Manning grampearem as conversas das pessoas, eles são cidadãos.

E, como cidadãos, a responsabilidade deles é o oposto. É mostrar ao público quando as pessoas de dentro do governo estão quebrando a lei, fazendo coisas corruptas, escondendo coisas que devem ser públicas. Então quando Edward Snowden ou Chelsea Manning mostram informações que o público deve saber, eles estão cumprindo sua obrigação como cidadãos. Quando o Juiz Moro divulgou coisas para destruir a reputação do Lula ou ajuda pessoas tentando destruir o governo, ele está abusando do poder, é exatamente o oposto.

Claudia Antunes – Pro John eu queria fazer uma pergunta que é até uma curiosidade minha em razão de uma polêmica num debate anterior, em que eu estava na plateia, aqui na Casa Pública. Quando há uma investigação criminal no Reino Unido, por exemplo, como se dá o vazamento de uma investigação criminal? Principalmente antes da denúncia, antes de você ter uma acusação formal na Justiça. Como a imprensa britânica lida com isso?

Watts – Quando li os informes sobre o juiz Moro liberar as transcrições, foi bastante chocante. Até aquele momento, a Lava Jato tinha feito um trabalho bastante bom. Mas a partir dali, realmente ‘viraram a esquina’ [expressão equivalente a ‘avançar o sinal’]. Eu acho, isso é um chute – não sou um especialista legal sobre o Reino Unido – que se um juiz fizesse isso no Reino Unido, ele seria expulso do dever jurídico. Eu acrescentaria mais uma coisa: não estou dizendo que o sistema judicial britânico é perfeito, nem um pouco. Existem muitos vazamentos. Mas os vazamentos de processos tendem a vir da polícia. Nós tivemos grandes escândalos em que a polícia forneceu informação e vazou informação para jornalistas, mas para um ganho pessoal. Na minha memória, não tem nenhum caso recente de um juiz vazar informações para um ganho político.

Carla Magno (plateia) – Sobre essa questão de os Estados Unidos recentemente terem colocado um posicionamento dizendo que não era golpe o que estava acontecendo no Brasil. Foi divulgado na mídia. Que interpretações podem ser dadas disso, visto essa questão da palavra golpe?

Greenwald – Foi muito estranho para mim quando o governo dos Estados Unidos disse “não, não achamos que o que está acontecendo no Brasil é um golpe”. Tem muitas pessoas na direita, muitos jornalistas brasileiros que estão festejando! Como se os Estados Unidos fossem o árbitro, o juiz, e se eles disseram que não é um golpe, então isso é uma evidência de que tudo está certo aqui. O histórico dos Estados Unidos dentro da América Latina não é exatamente muito limpo (risos). Não estou falando que os Estados Unidos estiveram envolvidos dentro desse processo como estavam em 1964, mas com certeza eles têm preferência e eles vão aceitar muito fácil que tenha uma mudança no governo mais para a direita, com eleição, sem eleição, sob a lei, contra a lei, eles não se importam. Claro, eles não vão começar uma briga com esse governo novo sobre democracia, porque os Estados Unidos não se importam com a democracia aqui.

Watts – Eu concordo. Glenn tem mais propriedade para falar sobre os Estados Unidos e sobre como eles responderam do que eu – mas eu acho que uma das coisas é que a mídia brasileira, alguns [jornalistas] até me perguntam: “então, o quão legítimo você acha que é o governo Temer?” “Ele seria visto lá fora como um golpe?” As pessoas dizem que o governo Temer não é legítimo. Essa não é uma questão para um jornalista responder. Mas eu posso dizer que, nos termos da cobertura jornalística, você vê que o governo Temer começou sob uma nuvem.

Greenwald – É muito importante entender que jornalistas, e é muito fácil esquecer isso, mas jornalistas são humanos. Tem muitos jornalistas que gostam de fingir que eles não são humanos, que eles ficam acima da humanidade. Humanos têm opiniões, têm subjetividade e eles têm viés, mas jornalistas são neutros, são objetivos, eles ficam aqui [no alto], olham para tudo e sabem descrever. Mas jornalistas não são assim. E aqui no Brasil é muito importante para os jornalistas fingir isso, porque assim a gente tem autoridade. Eu fiquei muito surpreso quando meu marido David Miranda publicou esse artigo criticando a Globo no Guardian e o João Roberto Marinho escreveu essa carta, negou isso. “Como alguém pode falar que o Globo está apoiando os protestos”. Ele disse que ficou chocado, que são totalmente neutros sem opiniões sobre isso. E naquele momento eu pensei em duas coisas. Número 1: ele acha que todas as pessoas no mundo são muito estúpidas. Ou, número 2: o Marinho faz algo muito inteligente, ele nunca assiste Jornal Nacional. (Risadas)

(Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública)
Público interveio com pelo menos seis perguntas direcionadas a Greenwald e Watts (Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública)

Roberta Andrião (plateia) – Boa tarde. Vocês consideram que a liberdade de imprensa está em risco no Brasil? E o que ameaça essa liberdade na opinião de vocês?

Greenwald – Primeira coisa, sobre a liberdade de imprensa, uma coisa aconteceu há três semanas que para mim foi uma coisa muito incrível e não teve quase nenhuma atenção no Brasil. Tem essa organização Repórteres Sem Fronteiras, que é bem respeitada no mundo, e todo ano eles publicam um ranking da liberdade de imprensa, com todos os países do mundo, qual tem mais liberdade de imprensa, qual tem menos e todos têm um número. Aqui no Brasil, esse ano, a posição desceu para 104, atrás de países como El Salvador, Peru, Chile, Libéria, muitos outros países aqui na América Latina, na África, em todos os lugares do mundo. Por que? Uma razão é porque tem jornalistas sendo mortos por fazer jornalismo, mas a razão principal, disse não eu, mas essa organização, é porque os meios de comunicações aqui no Brasil estão nas mãos de algumas famílias muito ricas que não permitem pluralidade de opiniões e, sobretudo esse ano, isso piorou muito porque essas organizações estão abertamente tentando destruir o governo que foi eleito para substituir por um governo que as organizações de mídia preferem. Isso é uma coisa muito grave. Essa organização está falando para esse país: a liberdade de imprensa está sob grave perigo.

Watts – Em relação ao caso da liberdade de imprensa no Brasil é similar ao de outros países. O maior risco é de muitos veículos de imprensa serem controlados por poucas pessoas. No Reino Unido é a News International [de Rupert Murdoch]. Não é só no Brasil. No Japão é a Yomiuri [Shimbun]. Não vou nem falar da China, que não é nenhuma referência. Eu diria que existe o problema do controle de monopólios no que as pessoas leem, no que as pessoas veem. Minha grande esperança contra isso é que você tem um discurso online muito vibrante, que permite grupos como o Mídia Ninja e outros aparecerem e darem ponto de vista alternativo. E esses grupos já fizeram isso, como vimos particularmente com os protestos de 2013. Havia outra visão e havia cobertura de coisas que não estavam sendo cobertas a princípio. Eu vejo riscos aqui, diria que não só aqui no Brasil. É importante também apoiar a internet livre e manter fundos, porque vocês não têm um sistema público de comunicação forte. Isso é outra coisa que falta no debate, um bom sistema público de comunicação.

Rafael Rangel (plateia) – Eu queria saber se com as Olimpíadas chegando agora vocês acham que vai ficar mais fácil para os jornalistas independentes ou mais difícil, ou seja, se vai ter algum tipo de repressão na cobertura política?

Watts – Eu vou dizer que a experiência da Copa do Mundo em 2014, você viu protestos antes da Copa do Mundo, mas durante a Copa a reação de segurança foi muito forte e muito repressiva. Então poderemos ver isso de novo durante as Olimpíadas. No momento não há esses protestos anti-Olimpíadas, então pode não ser um problema, mas em termos das oportunidades para a mídia independente, não vejo que haverá menos. E pode até haver a possibilidade dela ser amplificada.

Greenwald – Acho que a importância da internet precisa ser entendida muito bem. Eu lembro quando eu fui pra Hong Kong para encontrar com o Edward Snowden, eu perguntei a ele: ‘por que você está fazendo isso? Você tem 29 anos, tem uma boa carreira, uma namorada que você ama, uma vida muito ótima, por que você está fazendo essas coisas e esperando que você vai pra a prisão para o resto da sua vida?’ E eu lembro que ele me persuadiu quando me disse, ‘quando eu cresci eu fui pobre, com uma família pobre, meu pai não foi para a faculdade, todas as pessoas à minha volta não eram muito educados, então eu consegui explorar e entender o mundo só por causa da internet. A internet é a invenção mais importante para humanos nos últimos 200, 300, 400 anos’. E ele disse, ‘eu não posso ficar olhando para essa internet perdendo a liberdade e sendo explorado pelos governos como uma ferramenta para controlar e monitorar as pessoas. Eu vou fazer qualquer coisa que eu precisar para proteger a liberdade da internet porque isso pode dar aos humanos coisas muito incríveis que ele não pode receber de outro jeito’.

E eu concordo com isso, eu fiz todo o trabalho nessa reportagem com essa ideia. E agora você pode ver isso porque quando eu estou tentando entender o debate político e quando você não é brasileiro – eu moro aqui há 11 anos, mas é difícil entender todos os detalhes – para mim é o que ajuda. Se eu preciso só ler Época ou Veja e assistir Globo e Band e outros, eu vou ficar na ignorância total. Provavelmente eu vou ficar aqui falando, ‘sim, Dilma é corrupta, precisamos tirar ela, tchau querida’, e tudo isso (risos).

Mas a coisa que me ajuda muito é que tem jornalistas brasileiros muito bons que estão escrevendo blogs, que também estão no Twitter com 10 mil seguidores, ou 50 mil seguidores. Pensa nisso! Tem pessoas agora que podem ter um impacto muito grande sem trabalhar com organizações de mídia, sem gastar muito dinheiro, só talento para escrever, uma voz única, e assim podem informar o mundo

Natalia Viana – Falando em jornalismo digital, eu vejo dois momentos muito importantes dos quais o Glenn participou proximamente: o vazamento do Wikileaks e do Edward Snowden. E o Guardian também foi parceiro nessas duas publicações. No entanto, perante a opinião pública, Snowden acabou sendo visto como um herói enquanto o Julian Assange está preso na embaixada do Equador em Londres até hoje, com uma cobertura ainda muito negativa contra ele. Quanto disso foi estratégia e qual foi o peso da cobertura da imprensa nesses dois casos?

Glenn Greenwald – É sempre difícil falar sobre o Julian Assange porque ele é uma pessoa muito complicada. Eu acho que tem muitas pessoas que ainda o consideram um herói. Eu sou uma delas. Porque o trabalho que ele fez, na verdade, criou um jeito novo do jornalismo no mundo. Agora a informação é totalmente digital e tem muitos governos, muitas empresas grandes, que são muito vulneráveis para vazamentos digitais, você viu isso com Chelsea Manning e Wikileaks, com Edward Snowden, mas também com outras coisas, o Panama Papers, e isso é o futuro do jornalismo. E o Julian Assange criou o jeito de como fazer isso, de que essa informações deve estar não nas mãos do jornalismo, mas do público. E ele criou esse movimento, inspirou Snowden, inspirou outras fontes que também estão vazando informação que o público deve ter. Então, tem pessoas que pensam diferentes sobre Snowden e Julian Assange por uma razão simples, a personalidade deles são totalmente diferentes. E Julian tem um talento muito bom para converter amigos em inimigos. Mas, muito mais importante do que a personalidade do Julian é o que ele criou, um sistema que vai durar muito tempo, e vai destruir a habilidade de organizações poderosas de esconder do público o que deve saber.

(Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública)
Jonathan Watts cobre a crise brasileira para o The Guardian. Já Glenn Greenwald é editor do The Intercept (Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública)

Parte 2 – Sobre a votação na Câmara e a entrevista com Dilma

Claudia Antunes – Fiz uma lista do que eu acho que, em geral, a cobertura da imprensa internacional teve de diferente em relação à da imprensa brasileira no processo de impeachment – se eu estiver errada, vocês me corrijam. Primeiro: a imprensa internacional deu destaque maior ao outro lado, quer dizer, a quem estava sendo acusado – o governo, a Dilma. Segundo: a imprensa internacional deu mais destaque aos problemas dos promotores do impeachment, se estavam envolvidos em corrupção – inclusive, se não me engano, usando dados de alguns veículos brasileiros, principalmente de fact-checking. Em terceiro lugar, a imprensa internacional deu mais destaque do que a brasileira à demografia dos protestos – quem estava protestando contra a Dilma ou quem estava protestando a favor da Dilma. E à chamada desproporcionalidade da acusação feita contra a Dilma. Queria saber se vocês concordam com esses quatro pontos. E tem outra pergunta que acho curiosa: para mim, o turning point na cobertura, inclusive da imprensa internacional, foi a votação na Câmara. A Câmara brasileira é tão pior do que as outras Câmaras mesmo? Ou é o olhar estrangeiro que faz vocês verem coisas quem em seu país de origem não veem?

Watts – A votação na Câmara? Nunca me esquecerei daquela noite – nenhum de nós esquecerá. Foi um longo dia. Lembro de ficar preso na minha primeira linha durante três horas Reescrevi, reescrevi, reescrevi… Enquanto isso, a coisa ia rolando. Aí decidi colocar aquilo de lado e escrever de acordo com a minha impressão. Foi tão incrivelmente feio. O triunfalismo de pessoas que foram acusadas de coisas muito piores do que Dilma. Aquilo realmente me atingiu enquanto eles celebravam, um depois do outro. Por todas as razões que você citou a cobertura foi bastante diferente do que aconteceu aquela noite. E não é porque a Câmara brasileira é pior do que outros Congressos e parlamentos. O Congresso norte-americano tem um monte de pessoas loucas. O parlamento britânico, infelizmente, é cheio de pessoas chatas. O Congresso chinês, bom, a gente não costuma vê-lo muito. E o Congresso japonês é meio sem graça. Realmente parece que o Congresso brasileiro é especializado em produzir personagens caricatos. Mas, colocando tudo isso de lado, o que me chama atenção sobre aquela noite é que Bolsonaro conseguiu dizer o que disse. Aquilo foi monstruoso, cruel e terrível. Acho que o Bolsonaro realmente representa esse lado da política, algo que não consigo imaginar acontecendo no Reino Unido e provavelmente nos Estados Unidos. Foi uma experiência esclarecedora, terei pesadelos com aquela noite por muitos anos.

Greenwald – O que a mídia começou a fazer, graças a Deus, é olhar não só para Dilma, mas para as pessoas que estão liderando o ataque a ela. E o que mudou mais do que tudo foi quando começaram a olhar para Cunha e perceber que a pessoa que está liderando o processo de impeachment tem contas de banco no exterior com milhões de reais de propina. E uma pessoa depois da outra, na Câmara, levantava e ficava em pé falando: “senhor presidente, não podemos aguentar corrupção”. É incrível. Outra coisa é quando começaram a olhar para Temer, não só pelo fato de que ele está mais implicado em corrupção do que Dilma, mas porque não pode se candidatar – foi proibido pois quebrou leis [em referência à doação de campanha acima do limite legal em 2014]. Nos Estados Unidos, se você tem um impeachment, tira o presidente e o vice assume o cargo, mas a diferença enorme é que o vice é sempre do mesmo partido do que o vice que é tirado. Então, você não muda muito, é um incentivo para não fazer, pois se tiramos Obama, vamos ter Joe Biden, não muda nada. Aqui, a coisa mais importante é isso: quando você tira Dilma, tem um outro partido que quer mudar totalmente a ideologia, o governo ou os partidos que estão sendo protegidos. Isso é uma grande ameaça para a democracia, e quando os jornalistas internacionais começaram a focar Temer e ver sua corrupção, ver que ele quis mudar totalmente, dar ao país um sistema de políticas que o povo aqui nunca aceitou nas eleições, começaram a perceber que isso [impeachment] não foi sobre corrupção, sobre tirar uma presidente que tem problemas. Talvez não seja um golpe, mas tem o mesmo objetivo de outros golpes, que é roubar o poder sem democracia.

Ana Lúcia (plateia) – Pensando a história do Brasil e da sociedade brasileira, este momento, eu creio, colocou em pauta uma questão, recalcada entre nós, sobre quem é de fato a sociedade brasileira. Qual é a análise que vocês fazem dessa fundamental divisão hoje na nossa sociedade que me parece abrir um precedente importante para que nós façamos uma reflexão mais grave sobre a desigualdade no Brasil, sua origem e sua força, e o ódio que vem sendo tão discutido em todos os campos que se debruçam sobre a questão existencial. Qual é a marca dessa ódio na nossa sociedade?

Greenwald – Essa pergunta é ótima, deveria haver um evento só sobre isso, e talvez haverá. É muito complicado, mas vou tentar responder. Quando comecei a visitar o Brasil, em 1997, 98, 99 – vim morar aqui em 2005 –, nesse período, e não é muito tempo, há dez, quinze anos, o país mudou incrivelmente, quase totalmente. Quando comecei a vir pra cá, falando com pessoas na favela, com pobres e minorias, eles estavam quase totalmente oportunidade, sem visão de possibilidade para si próprios, para as crianças. Era uma sociedade totalmente dividida: tudo ia para os ricos e poderosos e nada para os pobres, que ficavam sem nada. Isso mudou muito rápido por causa de muitas coisas. Pude ver, de repente, minorias esperando e insistindo em ter tratamento igual, oportunidades, possibilidades, entendendo o mundo pela internet e vendo que há coisas que são seus direitos. A sociedade brasileira estava mudando muito para distribuir o poder, as coisas de valor, e na realidade, consegui ver isso porque os EUA estão indo na direção oposta. Para mim, a coisa mais importante não é sobre ideologia – como você disse, direita, esquerda, qual partido –, mas sobre essa questão: o que é o Brasil? Quando Temer divulgou seu ministério e eram 23 ministros, nenhuma mulher, nenhum negro, todos homens brancos, implicados com a Lava Jato, o sinal que isso passou não foi apenas “não nos importamos muito com diversidade”, mas “nós estamos [colocando] pessoas da época anterior e queremos reverter o progresso do Brasil; queremos que o Brasil volte para a época em que só homens brancos e ricos tinham todo o poder e tudo era feito só para essa parcela muito pequena”.

Filipo Pitanga (plateia) – No ano em que a pauta “feminismo” não poderia estar mais em voga com as campanhas de hashtag e etc – até em Cannes, com Sonia Braga com chance de ganhar o prêmio de melhor atriz –, Dilma foi muito atacada por ser mulher. Gostaria de saber, em face de toda a História, se foi mais fácil atacá-la por ser mulher – se sentem que houve essa diferença por parte da imprensa – e o que vocês acham disso frente ao crescimento do feminismo.

Greenwald – Quero contar uma história que para mim foi muito interessante sobre esse assunto. Quando entrevistei a Dilma, na última terça-feira, esperava encontrá-la muito derrotada, triste e sem energia, mas me surpreendi muito porque ela não estava nem um pouco assim. Ela quis lutar comigo e com o mundo todo – e gostei muito –, tem muita energia e otimismo. Não é cega, sabe exatamente o que está acontecendo, mas também não se sente fraca, com vergonha, nenhum pouco. Acha que vergonha deveriam sentir as pessoas que estão cometendo essa injustiça. O que me surpreendeu mais foi que, depois da entrevista, conversamos por 30 ou 40 minutos – no começo pensei que fosse porque ela estava afastada e não tinha muito o que fazer naquele prédio grande (risos) – , mas, na realidade, ela ficou muito envolvida na conversa, é uma pessoa muito engraçada, muito encantadora, muito viva, muito humana. Fiquei pensando que não esperei isso nenhum pouco, porque a gente nunca a vê assim. Quando olhamos para ela na TV, é muito rígida, fria, uma pessoa que não parece boa para conversar, mas quando a câmera desliga, é uma pessoa totalmente diferente. Provavelmente isso é por causa de muitas coisas, mas com certeza por ser a primeira mulher presidente num país onde isso é muito difícil, porque até agora o papel da mulher ainda é muito limitado, há muitos machistas, falta muito progresso [nesse sentido].

Watts – Acho que o fato dela ser mulher é muito importante para o que aconteceu e para a maneira como ela foi tratada. O fato de você ir de uma presidente mulher a um ministério cheio de homens velhos é uma virada extraordinária. Da perspectiva do The Guardian, é um retrocesso imenso. Tivemos nossa primeira editora-chefe mulher indicada apenas no ano passado, e, claro, ela está horrorizada com o que aconteceu. Acho que qualquer outro país que progrediu em termos de igualdade de gênero verá isso como um tremendo retrocesso.

Carmem Nery (plateia) – Voltando ainda à discussão sobre se é golpe ou impeachment, a deposição de governos hoje, pelo menos na América Latina, está se dando com apoio institucional e legal. Acham que isso, pelo peso do Brasil, vai ser uma tendência na América Latina? Teve o Paraguai, Honduras, o Brasil e a embaixadora dos EUA era a mesma.

Greenwald – Acho que é impossível tirar o que está acontecendo aqui no Brasil para fora do contexto histórico dessa região quando tem muito golpes, mas também outros jeitos para negar o poder ao povo e colocá-lo nas mãos das pessoas mais ricas e poderosas. Isso é muito importante porque sempre falamos da democracia como sendo algo bom, mas na realidade sempre houve e sempre haverá muitas pessoas que odeiam a democracia. Elas não vão falar isso, mas odeiam a democracia. Quem são essas pessoas? As que têm mais poder e riqueza na sociedade, que não querem dividir isso e que não querem que o povo tenha a habilidade para mudar a sociedade e ter mais igualdade e justiça. Essas pessoas vão sempre procurar um jeito para derrotar e destruir a democracia. Às vezes usarão violência, às vezes usarão ferramentas mais sutis, mas é exatamente a mesma coisa, o mesmo objetivo e isso está acontecendo agora no Brasil, independente de qual palavra você queira usar para descrever isso.

Watts – Eu acho que há claramente uma tendência regional de tirar governos de esquerda, não sei se é uma conspiração ou uma onda – ora há uma onda de partidos de esquerda, ora de partidos de direita. Acho que isso não está inteiramente claro. Nos casos de Honduras e Paraguai há argumentos fortes de que foi um golpe. No entanto, a chave é respeitar o desejo do povo. Na Argentina, eu posso não gostar do governo, mas foi uma escolha do povo. Na Bolívia, Evo Morales recentemente perdeu uma eleição; ele ainda tem poder, mas era uma eleição que poderia ter lhe dado a chance de permanecer no poder, e, novamente, essa foi a voz do povo. Há algo relacionado a governos que estão no poder há mais de dez anos, e acho que essa plateia não vai gostar do que vou dizer. Na História, qual governo ficou melhor após dez anos no poder? Você pode considerar o outro pior, mas poucos governos melhoraram depois de dez anos no poder.

Claudia Antunes – Vocês já pediram uma entrevista para o Michel Temer?

Watts – Já pedimos para o Michel Temer e Eduardo Cunha, mas até agora eles não querem falar conosco. Por favor, façam pressão!

Greenwald – O Temer é meu sonho agora, a única coisa que eu quero no mundo é entrevistar o Temer. Então não vou falar as perguntas que quero perguntar a ele porque quero que seja surpresa. Mas estou tentando muito, querendo muito fazer isso.

 

Conversa Pública #5: A Crise vista de fora_Parte 1 from Agência Pública on Vimeo.

Conversa Pública #5: A Crise vista de fora_Parte 2 from Agência Pública on Vimeo.

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