Buscar
Agência de jornalismo investigativo
Checagem

Corrente exagera ao comparar remunerações de professores e políticos

Piso de professores é maior – e o auxílio a deputados é menor – do que os valores utilizados na comparação

Checagem
6 de julho de 2017
15:45
Este artigo tem mais de 7 ano
Professores protestam contra a reorganização da rede estadual de ensino em São Paulo (Imagem: Fotos Públicas)

“Deputado – Salário: R$ 33.763, Auxílio:R$ 141.453.
Professor – Salário:R$ 1.856, Auxílio: vale-transporte e vale-alimentação.
Vamos dar um fim nas regalias dos políticos.” – Corrente de WhatsApp criada pela organização Monitora, Brasil.

Exagerado

Propagada em mensagens de WhatsApp, a imagem acima compara o salário de professores e deputados e propõe o “fim das regalias dos políticos”. No entanto, dos três valores indicados na imagem, dois estão incorretos. A mensagem exagera o valor dos auxílios recebidos pelos deputados e não explica que boa parte desse montante deve ser empregado no pagamento de funcionários de gabinete. Além disso, o valor indicado como salário do professor está abaixo do piso nacional instituído pelo Ministério da Educação para o ano de 2017. Por isso, o Truco – projeto de checagem de dados da Agência Pública – concede à imagem o selo “Exagerado”.

O ícone no canto da imagem dá uma pista de sua autoria: é o símbolo do Monitora, Brasil. A organização surgiu a partir de um aplicativo homônimo, que se denomina “uma ferramenta que possibilita a qualquer pessoa pesquisar e monitorar o que os deputados federais estão fazendo na Câmara dos Deputados”. O app reúne informações como os gastos com cota parlamentar, o número de faltas em sessões e os projetos de autoria de cada deputado. A página da entidade no Facebook tem mais de 29 mil curtidas e faz postagens diárias sobre o cenário político brasileiro. Na página, são comuns os posts que fazem comparações entre políticos e trabalhadores como policiais e professores. Um dos posts mais curtidos é justamente o que inclui a imagem acima. O Truco entrou em contato com a organização solicitando a fonte dos dados usados por eles na imagem, mas não obteve retorno.

Corrente que circula no WhatsApp compara salário de professores e deputados (Imagem: Reprodução)

Salário do professor

O valor indicado na imagem como salário do professor está abaixo do piso nacional instituído pelo Ministério da Educação (MEC) para o ano de 2017. O piso salarial dos professores brasileiros sofreu um reajuste de 7,64% em janeiro deste ano. Com isso, o menor salário a ser pago a professores da educação básica da rede pública passou de R$ 2.135,64 para R$ 2.298,80. O número é 23% superior aos R$ 1.856 indicados na imagem.

O piso é a menor remuneração que uma categoria recebe pela sua jornada de trabalho. No caso do piso salarial nacional do magistério, esse valor é correspondente a uma jornada de 40 horas semanais. O reajuste é anual e acontece sempre em janeiro, de acordo com a Lei do Piso, de 2008. Professores da rede pública podem ganhar valores acima do piso de acordo com o tempo de serviço e o nível de formação.

No entanto, o próprio MEC reconhece que, em muitas cidades, parte dos professores da rede municipal recebe valores inferiores ao piso. De acordo com levantamento do ministério, só 45% dos municípios brasileiros pagam a todos os professores um salário igual ou superior ao piso nacional. Não há uma penalidade específica para o não cumprimento da Lei do Piso. A fiscalização fica a cargo dos Ministérios Públicos Estaduais e dos Tribunais de Contas Estaduais.

Após a determinação de reajuste do piso feita pelo MEC em janeiro, alguns estados promoveram reajustes de salário para a parcela de professores que recebe menos. Foi o caso dos governos de São Paulo, Espírito Santo e Goiás, por exemplo, que destacam o reajuste em notas oficiais.

Além disso, muitos estados que não cumprem rigorosamente a Lei do Piso pagam aos professores um completivo mensal aos educadores que estão nas faixas salariais inferiores ao piso. Assim, ainda que o pagamento do piso não seja cumprido no vencimento-base da categoria, como determina a lei, a remuneração dos professores fica igual ou superior ao mínimo determinado pelo governo federal. É o caso do estado de Minas Gerais, como mostra esta reportagem do jornal O Tempo. O governador do estado, Fernando Pimentel, promete que os abonos serão integralmente incorporados aos salários até julho de 2018. O mesmo ocorre no Rio Grande do Sul, onde os completivos geram um gasto anual de R$ 200 milhões, segundo nota oficial do governo estadual. A situação se repete no Pará, onde o governo alega que o salário médio dos professores é de R$ 4.694,12. Em reportagem feita pelo G1, o sindicato paraense da categoria afirma que os valores citados pelo estado levam em consideração a gratificação de escolaridade.

Apesar dos diversos estados e municípios que não cumprem a Lei do Piso, a média salarial dos professores brasileiros é muito superior ao valor usado na imagem para ilustrar o salário dos professor. Além do piso estabelecido pelo MEC, o Truco verificou também o relatório global “Education at a Glance”, divulgado em setembro de 2016 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O documento atesta que o salário mínimo médio dos professores no Brasil é US$ 12.337 por ano, cerca de US$ 1.028 por mês. O valor, ainda que superior ao indicado na imagem checada, é menos da metade da média salarial dos países membros da OCDE.

Remuneração de parlamentares

O primeiro valor indicado na mensagem é o salário de um deputado federal e ele corresponde exatamente à remuneração mensal bruta de um parlamentar brasileiro. Segundo dados do site da Câmara dos Deputados, o valor corresponde a R$ 33.763. De acordo com a Constituição, o valor do subsídio é o mesmo para deputados federais e senadores.

Ainda que acerte o valor do salário, a imagem exagera o montante recebido pelos deputados a título de auxílio. O valor da verba de gabinete disponível para uso dos deputados federais atualmente é de R$ 97.116, de acordo com o Ato da Mesa 117/2016. No entanto, esta quantia é destinada ao pagamento de salário para os 25 secretários parlamentares aos quais tem direito cada deputado. O valor não pode ser embolsado pelo deputado como auxílio, apenas empregado no pagamento destes funcionários. Portanto, não é possível incluir na rubrica “Auxílio” os R$ 97.116 correspondentes à verba de gabinete.

Além da verba de gabinete, destinada ao pagamento de funcionários, os deputados têm direito ainda a chamada cota parlamentar. A cota pode ser destinada ao pagamento de passagens aéreas, telefonia, serviços postais, manutenção de escritório de apoio, alimentação, hospedagem, locomoção, combustível, segurança privada, consultores e divulgação da atividade parlamentar. Os deputados devem apresentar notas fiscais que comprovem a utilização correta dos recursos. Desde julho de 2014, cópias digitalizadas dos recibos estão disponíveis no portal da Câmara, na área de transparência.

O valor dessa cota é diferente para cada estado porque leva em consideração o preço das passagens aéreas de Brasília até a capital do estado pelo qual o deputado foi eleito. Os valores vão de R$ 30.788, para deputados do Distrito Federal, até R$ 45.612, para aqueles eleitos por Roraima. Os valores para todos os estados também estão disponíveis no site da Câmara.

Além da cota parlamentar, os deputados podem receber ainda um auxílio-moradia de até R$ 4.253 por mês. O benefício é concedido apenas aos parlamentares não contemplados com imóvel funcional. A Câmara possui 432 imóveis funcionais destinados à residência dos deputados. A casa alega que 90% deles estão ocupados atualmente, ou seja, cerca de 388 deles estão sendo utilizados pelos 513 deputados federais em exercício atualmente. Assim, o número de deputados aptos a receber o auxílio-moradia corresponde a cerca de 25% do total.

Somando o valor da maior cota parlamentar possível, a do estado de Roraima, e o montante concedido a título de auxílio-moradia àqueles não contemplados com imóvel funcional, o valor total recebido por um deputado em auxílios pode chegar a R$ 49.865 por mês, valor inferior ao indicado na imagem que circula no WhatsApp.

Conclusão

Como a imagem superestima o valor dos auxílios recebidos pelos parlamentares brasileiros e apresenta um número abaixo do piso para os professores, o Truco concede à frase o selo “Exagerado”, já que a afirmação não usa dados certos, mas aponta um conceito verdadeiro ou uma tendência correta.

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Truco

Este texto foi produzido pelo Truco, o projeto de fact-checking da Agência Pública. Entenda a nossa metodologia de checagem e conheça os selos de classificação adotados em https://apublica.org/truco. Sugestões, críticas e observações sobre esta checagem podem ser enviadas para o e-mail truco@apublica.org e por WhatsApp ou Telegram: (11) 99816-3949. Acompanhe também no Twitter e no Facebook. Desde o dia 30 de julho de 2018, os selos “Distorcido” e “Contraditório” deixaram de ser usados no Truco. Além disso, adotamos um novo selo, “Subestimado”. Saiba mais sobre a mudança.

Leia também

Bolsonaro não denunciou aumento de energia e gasolina


Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes