A produtora de extrema direita Brasil Paralelo gastou pelo menos R$ 305 mil para impulsionar 575 anúncios para divulgar um documentário que tenta descredibilizar a história de Maria da Penha, a farmacêutica que sofreu múltiplas agressões e tentativas de assassinato pelo marido e se tornou o nome da principal lei contra a violência doméstica do país. Os vídeos tiveram ao menos oito milhões de impressões (vezes em que apareceram em uma tela). Eles foram veiculados entre julho e novembro do ano passado.
Mas os números devem ser bem maiores que isso. Levamos em consideração apenas os anúncios registrados na biblioteca do Meta, que compreende Instagram e Facebook. A Meta não fornece os dados exatos, mas uma média. Por exemplo, um anúncio pode ter custado entre R$ 70 mil e R$ 80 mil. Para este levantamento, consideramos os valores mais baixos. Além disso, a empresa também não contabiliza nenhum resultado acima de 1 milhão de impressões – o que é o caso de pelo menos sete vídeos.
Os anúncios mais vistos foram direcionados ao público-alvo de mulheres a partir de 25 anos de idade, principalmente da região Sudeste. A empresa define o público que quer que seja impactado, escolhendo gênero, faixa etária e região. Um dos anúncios teve mais de um milhão de impressões. Apesar de alguns anúncios serem direcionados a homens, os que receberam maior investimento e tiveram mais visualizações miram as mulheres.
Além dos anúncios no Meta, a Brasil Paralelo também pagou influenciadores digitais para divulgar o documentário – como ex-feministas, mulheres cristãs e “coachs de família” conservadores. Alguns perfis, registrados pela página “Brasil para Lerdos” e a publicitária Carolina Sardá, divulgaram um link rastreável usado em campanhas de marketing para que seus seguidores acessem o filme. Não é possível saber quanto eles receberam e nem qual foi o alcance, mas, juntos, eles somam mais de quatro milhões de seguidores.
Por ser um símbolo do combate à violência contra a mulher, nos últimos meses, Maria da Penha vem sofrendo seguidos ataques de grupos de homens revoltados com a lei e grupos de ódio. Em junho deste ano, ela teve que ganhar proteção do Estado e entrou para o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos.
Nesta semana, o Ministério Público do Ceará deflagrou uma operação contra o suposto líder do movimento de ódio contra Maria da Penha. O nome do homem não foi divulgado, mas o próprio se manifestou nas redes sociais. Seria Alexandre Paiva, o presidente do “Instituto de Defesa dos Direitos dos Homens”.
Paiva é um homem que recebeu medida protetiva da Lei Maria da Penha e foi afastado das filhas. Desde então, ele move uma campanha para descredibilizar a lei. Ele foi um dos primeiros a entrevistar Marco Antonio Heredia, o ex-marido de Maria da Penha, e dar voz à versão dele. O documentário da Brasil Paralelo se debruça sobre essa narrativa, e tem Paiva e Heredia como entrevistados.
Segundo essa versão, Maria da Penha teria denunciado o ex-marido por ciúmes, ao descobrir que estava sendo traída. Mas essa explicação desconsidera as inúmeras evidências, já confirmadas pela Justiça e pela Organização dos Estados Americanos (OEA), das duas tentativas de assassinato que ela sofreu.
O nome da operação que teve Paiva como alvo, “Echo Chamber” (câmara de eco) é um termo usado para descrever um ambiente em que pessoas são expostas a ideias que reforçam suas próprias crenças, sem entrar em contato com outras opiniões. “No contexto deste caso, o discurso do investigado contribuiu para a propagação de uma distorção dos fatos dentro de um grupo de seguidores, criando um ciclo fechado de informações”, disse o Ministério Público.
Um estudo recente apontou que a Brasil Paralelo investiu R$ 26,6 milhões para impulsionar 75,4 mil anúncios do Meta desde 2020. É o maior resultado entre empresas do campo conservador, e bem mais do que as ditas empresas “progressistas” – a ONG Greenpeace, considerada pelos pesquisadores a que mais gastou dentre as de viés mais à esquerda, aplicou R$ 4,1 milhões no mesmo período.
Procuramos a Brasil Paralelo, mas não obtivemos resposta até a publicação desta reportagem.