BAKU – O vice-presidente Geraldo Alckmin, que representa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na 29ª Conferência do Clima (COP29), em Baku, e é cotado para liderar a COP do ano que vem, que será realizada em Belém (PA), cometeu uma gafe e deu uma escorregada na ciência ao tentar explicar por que combater o aquecimento global é um dos problemas mais importantes que a humanidade tem a enfrentar.
“É fácil o entendimento”, afirmou Alckmin ao se dirigir aos presentes em um evento que discutia os caminhos entre as COPs de Baku e Belém no pavilhão formado pelo consórcio de estados da Amazônia na conferência. Ele, então, começou a detalhar seu pensamento: “Eu respiro 20 vezes por minuto, em média: 80% nitrogênio, 20% oxigênio. Quando eu expiro, eu devolvo os 80% de nitrogênio e só 15% de oxigênio e 5% de gás carbônico, o CO2.”
No seu melhor estilo “contador de anedotas”, o vice-presidente disse que saber isso “é importante para quem quiser ser candidato amanhã a algum cargo”. Alckmin, então, lembrou que em um debate quando concorreu à prefeitura de São Paulo, em 2000, o ex-presidente Fernando Collor também estava na disputa. “O doutor Enéas [também na disputa] perguntou ao Fernando Collor: [na] zona sul de São Paulo, distrito de Marsilac, [qual é a] composição do ar atmosférico, percentual de oxigênio, nitrogênio, monóxido, dióxido de carbono, toda a tabela periódica? E ele [Collor] se enrolou inteiro”, disse, divertindo-se.
Aí, retomou o fio: “Mas nós todos consumimos oxigênio e jogamos gás carbônico na atmosfera. Nós, vaca, boi, cachorro, gato, galinha, peixe, todo o reino animal. A natureza é perfeita, e o mundo vegetal faz o inverso. Ele pega o CO2, quebra, fixa o carbono no solo e devolve o oxigênio através da fotossíntese. A natureza é perfeita e o mundo está equilibrado. Só que as florestas foram sendo destruídas, e a mão humana foi lá embaixo no solo e ainda pegou os combustíveis fósseis”.
Foi quando foi a vez de ele se enrolar inteiro. “Não é dióxido de carbono, é monóxido de carbono, é CO. Faz uma ligação estável com a hemoglobina, carboxihemoglobina, e não solta mais. Por isso aqueles meninos lá em Florianópolis, dentro do carro, acabaram morrendo. Porque ficaram respirando o monóxido de carbono com o carro parado e o ar-condicionado ligado e o escapamento rompido no meio.”
O comentário arrancou algumas risadinhas discretas entre os presentes mais ligados na ciência climática. “Fez uma confusão enorme, pra mostrar que é sabido na área. Uma vergonha. Mas faz parte da construção de uma imagem de entendido no assunto”, disse em reserva um deles, se referindo às discussões em torno de quem vai presidir a Conferência do Clima em Belém, daqui um ano.
A posição é extremamente estratégica em uma COP. É a presidência que dá o tom das negociações e consegue desatar nós, aparar arestas, resolver conflitos, chacoalhar os negociadores a tomar uma decisão. Em muitos anos, foi à presidência que se atribui o sucesso ou o fracasso da cúpula.
O evento no pavilhão dos estados amazônicos – paralelo às negociações oficiais – estava lotado, em sua maioria, por brasileiros, e era composto também por governadores como Helder Barbalho (MDB-PA) e Clécio Luís (Solidariedade-AP), além de outros ministros. Marina Silva, do Meio Ambiente, já tinha falado e tinha acabado de sair. O embaixador André Corrêa do Lago, chefe dos negociadores na COP, também estava presente.
Alckmin tem razão em dizer que o CO é um dos gases eliminados pela queima de combustíveis – não só os fósseis, aliás. Etanol também emite CO. O gás é um dos causadores de poluição do ar e pode causar problemas de saúde. Em altas quantidades, pode, de fato, promover intoxicação e morte, como no caso que ele mencionou. Como médico, Alckmin sabe muito bem disso.
Mas não é essa a questão do aquecimento global. Ao contrário do que o vice-presidente disse, é, sim, o dióxido de carbono o principal gás de efeito estufa. E não, não é porque todos os seres vivos o eliminam no processo de respiração, mas por causa da queima dos combustíveis fósseis e da destruição de florestas, como a Amazônia. Atividades humanas que jogam por ano bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera – o que criou uma densa camada de gases-estufa sobre a nossa atmosfera, como um cobertor aprisionando o calor na Terra.
Essa concentração exagerada na atmosfera, a maior em centenas de milhares de anos, já provocou o aumento de quase 1,5 °C na temperatura média do planeta, em comparação aos níveis pré-industriais. Ninguém vai morrer asfixiado por CO2, mas por ondas de calor e eventos extremos, cada vez mais frequentes em todo o mundo. Alckmin deve saber disso, mas se enrolou inteiro.
A repórter viajou a Baku a convite do Instituto Arapyaú e do ClimaInfo.