Buscar
Nota

“Desaparecimento forçado” há 28 anos no RJ: Jurandir saiu de casa e nunca mais voltou

1 de setembro de 2023
13:02
Este artigo tem mais de 1 ano

Em 14 de março de 1995, Jurandir Ferreira de Lima saiu de sua casa e desde então não voltou. Presidente da Associação de Moradores do Vilage Pavuna, na Zona Norte do Rio de Janeiro, ele vinha sofrendo ameaças. 28 anos depois, Jurandir, um homem negro, à época com 30 anos, segue desaparecido. 

Testemunhos relatam aos familiares que um homem teria visto Jurandir ser levado da Associação de Moradores por dois policiais armados em direção a uma bomba de água. O mesmo testemunho diz que policiais teriam jogado o corpo como alimento aos porcos. 

Sua mãe, Beatriz Lima, revirou delegacias, hospitais, necrotérios, asilos e abrigos em busca de notícia. Perguntou aos traficantes do morro se haviam matado o filho dela. A família passou a receber ameaças telefônicas. Segundo os relatos, se continuassem investigando iriam matar toda a família. 

Agora, o caso não esclarecido de Jurandir ganha um novo capítulo. Em um relatório inédito obtido pela Agência Pública, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA) culpabilizou o Estado Brasileiro pela violação de direitos perpetrada pela polícia do Rio de Janeiro. 

A decisão da organização ocorreu no último dia 18 de julho, após uma denúncia da organização de direitos humanos, Projeto Legal. Se o Estado brasileiro não acatar as recomendações da OEA, o caso pode ir para a segunda instância, e a Corte o levará para julgamento. 

“A Comissão conclui que o Estado brasileiro não cumpriu sua obrigação de investigar, julgar e punir, em um prazo razoável e com a devida diligência, o desaparecimento forçado analisado no presente relatório. Em consequência, o Estado é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial. No presente caso a Comissão deu por estabelecido que Jurandir Ferreira de Lima foi vítima de desaparecimento forçado em circunstâncias não esclarecidas nem investigadas com a devida diligência”, diz trecho do relatório. 

O documento da CIDH reforça ainda sua preocupação com a situação de violência policial existente no Brasil e a situação de impunidade com relação a esses casos. “A situação de impunidade em que se encontra o desaparecimento forçado de Jurandir envia uma mensagem de que os atos de violência contra pessoas defensoras de direitos humanos não serão investigados, o que gera, por consequência, um efeito amedrontador para outros defensores que denunciam atos de violência ocorridos dentro favelas no Brasil por parte de agentes do Estado. E isso é inaceitável”, destaca o advogado Carlos Nicodemos, do escritório que representa a entidade peticionária, Projeto Legal.

Segundo o relatório, existe um histórico de práticas violadoras de direitos humanos por parte da polícia, como comprovado pela justiça brasileira e reconhecido pelo próprio Governo, e a polícia militar comumente justifica “as acusações feitas sobre as múltiplas mortes” com o argumento de que “são provocadas em legítima defesa ou no estrito cumprimento de seu dever”.

Entre as recomendações da CIDH para que o Estado brasileiro investigue casos de violência policial no Rio de Janeiro estão:

  1. Reparação integral das violações de direitos humanos declaradas no relatório, de compensação econômica e satisfação;
  2. Disposição de medidas de atenção à saúde física e mental necessárias para a reabilitação dos familiares da suposta vítima; 
  3. Investigação do destino ou paradeiro de Jurandir e, se for o caso, adoção das medidas necessárias para identificar e entregar a seus familiares os restos mortais; 
  4. Realização da investigação penal de maneira diligente, efetiva e dentro de um prazo razoável com o objetivo de esclarecer os fatos de forma completa e impor as punições correspondentes; 
  5. Disposição dos meios necessários para tipificar o crime de desaparecimento forçado, de acordo com os padrões interamericanos sobre a matéria; 
  6. Adoção de medidas para promover a não repetição das violações de direitos humanos identificadas no relatório. 

Segundo Monica Alkimin, coordenadora da Projeto Legal, o desaparecimento de Jurandir “explicita a histórica política racista de segurança pública do estado do Rio que se baseia na violência policial e na ausência de um protocolo exitoso na investigação dos casos de desaparecimento. Quantos casos de desaparecimento forçado e assassinatos chegam na mídia, provocam manifestações e caem no esquecimento? É urgente a responsabilização dos agentes da violência, dos mandantes e dos gestores de políticas violentas e violadoras”. Na quarta-feira, dia 30 de agosto, foi o Dia Internacional de Vítimas de Desaparecimentos Forçados.

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Quer entender melhor? A Pública te ajuda.

Notas mais recentes

Do G20 à COP29: Líderes admitem trilhões para clima, mas silenciam sobre fósseis


COP29: Reta final tem impasse de US$ 1 trilhão, espera pelo G20 e Brasil como facilitador


Semana tem depoimento de ex-ajudante de Bolsonaro, caso Marielle e novas regras de emendas


Queda no desmatamento da Amazônia evitou internações por doenças respiratórias, diz estudo


Dirigente da Caixa Asset deixa sociedade com ex-assessor de Lira após reportagem


Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes