Elias Sacramento tinha 11 anos quando perdeu o pai, o ativista social Virgílio Serrão Sacramento, conhecido por denunciar invasões de terras, expulsões e assassinatos de trabalhadores rurais e morto atropelado por um caminhão no Pará. Luzia Canuto, filha do sindicalista João Canuto de Oliveira, assassinado em 1985 também no estado, tinha 17: “A dor que dói em mim não dói em todo mundo”.
Elias e Luzia foram alguns dos familiares de camponeses vítimas da ditadura militar que entregaram uma carta, nesta terça (1º), à Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (CDHIR) da Câmara dos Deputados, durante audiência pública. Eles pedem reparação pelas violações de direitos humanos sofridas pelos pais e para serem ouvidos pelo Estado e pela organização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em novembro, em Belém.
Os familiares relatam como a morte de vítimas da repressão política dos anos de chumbo criou memórias “torturantes”, marcadas por violências e solicitam reparação moral, imaterial e financeira pelos responsáveis pelas violações, bem como o enfrentamento das causas estruturais da violência no campo, inclusive por meio de reforma agrária.
“É preciso reconhecer: muitas das graves violações dos direitos humanos dos camponeses continuam a ser praticadas até hoje, como atestam as séries históricas da Comissão Pastoral da Terra e da Comissão Camponesa da Verdade”, diz o documento entregue aos deputados.
A audiência havia sido marcada para evidenciar como mortos e desaparecidos no campo durante o período de repressão política teriam ficado à margem dos processos de reconhecimento e reparação promovidos pelo Estado brasileiro desde a redemocratização. “Meu pai faz falta. Muita falta, para todos nós. [São] Traumas que a gente carrega para a vida inteira”, diz Canuto. “Às vezes, eu tenho vontade de gritar, de chamar por uma justiça que nunca ocorreu”, pontuou Sacramento.



Impedimento geográfico, dívida histórica
De acordo com levantamento da Comissão Camponesa da Verdade (CCV), entre 1961 e 2023, foram registrados 3.508 assassinatos de camponeses e aliados políticos em áreas rurais. Destes, segundo o ex-preso político e pesquisador colaborador da Universidade de Brasília (UnB) Gilney Viana, 2.068 casos foram registrados durante a ditadura militar.
“Historicamente, o campo sempre foi um domínio das forças mais conservadoras. E as forças conservadoras governaram esse país há dois, três, quatro séculos, baseado no escravismo, no extermínio dos indígenas, na exploração de gerações de camponeses”, afirmou Viana em entrevista à Agência Pública. “Nós estamos sempre deixando cobrança de uma dívida histórica para a geração seguinte”, afirmou o pesquisador que participou da criação da CCV.
Até hoje, apenas 45 vítimas camponesas foram reconhecidas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), que funcionou entre 2012 e 2014 para investigar crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura militar de 1946 a 1988.

“Essa audiência pública acontece no contexto de 30 anos da Comissão de Direitos Humanos. E esses familiares de camponeses assassinados no Brasil, no interior do país, nunca foram ouvidos numa comissão, nunca tiveram espaço dentro do parlamento para ouvir os seus casos, histórias de vida”, disse o deputado Reimont (PT-RJ).
“Há uma tentativa de apagamento e ela é muito proposital. E no Brasil, se a gente deixar que o apagamento aconteça, a gente não luta contra as práticas de repetição e aí vamos continuar tendo mortes no campo e na cidade”, complementou o parlamentar.