O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) e grupos de juristas estão estudando ações judiciais para derrubar a lei que obriga a instalação de cartazes com frases contra o aborto em unidades de saúde da cidade do Rio. A norma foi aprovada pela Câmara Municipal, sancionada pelo prefeito Eduardo Paes (PSD) e publicada em Diário Oficial em 13 de junho.
Pela lei, hospitais públicos e privados devem exibir mensagens como: “Aborto pode acarretar consequências como infertilidade, problemas psicológicos, infecções e até óbito”, “Você sabia que o nascituro é descartado como lixo hospitalar?” e “Você tem direito a doar o bebê de forma sigilosa. Há apoio e solidariedade disponíveis para você. Dê uma chance à vida”. Caso o gestor responsável pela unidade de saúde se negue a colocar os cartazes, a lei prevê advertência, seguida de multa de R$ 1 mil nos casos de reincidência.
Especialistas apontam que os cartazes contêm informações enganosas e que pode constranger mulheres e crianças vítimas de violência sexual a buscarem o aborto legal. Pessoas que sofrem aborto espontâneo também podem se sentir intimidadas em procurar ajuda.
“Estamos avaliando uma estratégia de acionar o Judiciário contra essa lei, que é inconstitucional”, afirma a advogada e ex-vereadora Luciana Boiteux (PSOL), que nos últimos dias analisa, junto a outros juristas, movimentos contra a lei.
O MP também está estudando “eventual incompatibilidade da lei com a Constituição Federal, notadamente diante do direito ao aborto nas hipóteses legais, no âmbito da saúde pública, e acompanhamento de eventuais atos concretos do poder executivo decorrentes da aplicação de lei e sua regulamentação, em prejuízo à dignidade das mulheres, especialmente as vítimas de violência”, segundo nota enviada pelo órgão.
Para a médica sanitarista e membro da Associação Brasileira de Saúde Coletiva Lígia Bahia, que participa das mobilizações contra a lei, o conteúdo da norma é anticientífico e cria um ambiente hostil contra as mulheres. “Na prática, as placas podem incitar a discriminação e impedir o atendimento de casos de emergência”, afirmou. “Trata-se de uma brutal campanha baseada em fake news.”
Segundo ela, o uso do termo “nascituro”, que se refere ao feto, como sinônimo de criança já nascida é um exemplo de distorção deliberada da realidade. “O termo ‘nascituro’ é fake anticientífico. É um embrião, não um ser nascido. É um uso proposital de palavras que falseiam a realidade. A imagem de jogar uma criança no lixo é muito forte. Mas não é nada disso.”
Outro ponto criticado pela médica é a afirmação de que o procedimento pode causar infertilidade. “A relação causal entre aborto e infertilidade é espúria”, disse. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o risco de infertilidade é associado a complicações em abortos inseguros, e as chances são mínimas quando o procedimento é feito de forma legal.
A lei carioca ocorre em meio a uma crise silenciosa no acesso ao aborto legal no Brasil. Nos últimos meses, projetos de lei com conteúdo semelhante foram protocolados em várias cidades, como São Luís e Porto Alegre. Em 2023, mais de 14 mil meninas de até 14 anos deram à luz, segundo dados do Ministério da Saúde, mas apenas 1,1% tiveram acesso ao aborto legal — garantido por lei em casos de estupro, anencefalia fetal e risco de vida para a gestante.
A Prefeitura do Rio foi procurada, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.