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Órfãs ao avesso, mães de filhos assassinados pela polícia defendem ADPF das Favelas no STF

6 de fevereiro de 2025
15:00

Em 3 de fevereiro de 2025, Marcos Vinícius da Silva teria completado 21 anos. A vida do jovem que fazia o caminho de volta da escola, no entanto, foi interrompida aos 14 anos, em 20 de junho de 2018, durante uma operação policial no Complexo da Maré, zona norte do Rio de Janeiro. A mãe de Marcos, Bruna da Silva, era uma das que tiveram filhos mortos pela polícia e estiveram nesta quarta e quinta-feira (5 e 6), em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, para fazer pressão pela aprovação da ADPF 635, conhecida como ADPF das Favelas, que propõe maior regulação e segurança durante as operações policiais.

Bruna estende a camisa manchada de sangue que Marcos vestia quando foi baleado e morto durante operação policial (Augusta Lunardi/Cortesia)
Bruna estende a camisa manchada de sangue que Marcos vestia quando foi baleado e morto durante operação policial (Augusta Lunardi/Cortesia)

“Marcos Vinícius não seria morto numa operação ilegal, a caminho da escola, com seu material de escola nas costas. Então, se a ADPF 635 existisse em 2018, Marcos Vinícius estaria vivo”, afirma Silva.

Algumas das medidas que a ação pede é o uso obrigatório de câmeras nas fardas policiais, ambulâncias pré-acionadas durante operações para atender populações atingidas, além da proibição das ações em perímetro escolar. O STF julga a manutenção das regras que norteiam as operações policiais e tem o ministro Edson Fachin como relator. 

A segunda filha de Bruna da Silva, Maria Vitória, à época com 12 anos, testemunhou o irmão ser baleado. “Minha filha é uma cria, uma refém do medo”, resume a mãe, que descreve o julgamento como um misto de ansiedade e esperança, visando “um país melhor para os filhos que ainda estão vivos”. 

“Eu e o pai tínhamos uma tranquilidade, que se nós dois chegássemos à velhice e morresse, a minha filha teria o irmão dela para contar. Só que hoje, se eu e o pai for embora desse plano, vai ser ela por ela.” 

Na próxima semana, fará dez anos que Irone Santiago viu a vida do filho Vitor Santiago Borges mudar drasticamente aos 29 anos. Ele perdeu os movimentos abaixo do peito e teve a perna amputada após ter o carro alvejado por um soldado das Forças de Pacificação do Exército, que ocupavam a favela da Maré. 

Vitor foi atingido duas vezes. Um dos tiros atingiu o tórax, atravessando pulmão e medula, e o deixou paraplégico. O segundo atingiu a perna esquerda, que precisou ser amputada. Foram quatro meses e múltiplas cirurgias até ter alta e começar um longo processo de fisioterapia para reabilitação motora e respiratória.

Santiago conta que a família ainda aguarda reparação do Estado na Justiça, há nove anos, e que pensa que deveria ter enterrado a perna do filho como “um ato de luto”. “Posso estar errada, mas é o que eu penso’’, lamenta. A energia, ela canaliza para fazer coro pela aprovação da ADPF 635. “Não é só por Vitor. É pelos meus outros filhos. É pelos meus netos que estão crescendo. E isso [a letalidade policial] precisa parar.”

“É uma justiça como forma de reparação, de não repetição, porque o meu filho não volta mais. A justiça, para mim, para o pai da Kathlen, para o pai do João Pedro, para tantas outras mães e pais que estão aqui, nunca vai acontecer, porque não vão poder devolver nossos filhos”, diz Ana Paula Oliveira, cofundadora do movimento Mães de Manguinhos, uma das 16 entidades sociais a integrar a ação como amicus curiae (instituição autorizada a ingressar na Corte para fornecer subsídios às decisões de tribunais). 

Oliveira perdeu seu filho Johnatha em 13 de maio de 2014, ano em que completaria 20 anos. Alinhada às medidas que a ADPF 635 propõe, ela reafirma a necessidade de mudança nas estratégias utilizadas pelas polícias nas favelas. “[Fora das favelas,] Eles fazem um trabalho de investigação, de inteligência. Mesmo em lugares onde eles apreendem cento e poucos fuzis, eles não saem metralhando a casa dos outros e nem dizendo que os vizinhos são coniventes com o traficante […] Mas na favela há a criminalização dos moradores, há a criminalização da pobreza.”

O voto do ministro Edson Fachin, apresentado nesta quarta, foi pelo endurecimento das regras já em vigor, e chega a propor o afastamento temporário de policiais envolvidos em ações que resultem em mortes. Os demais ministros ainda devem manifestar seus votos e lidam com pressão, inclusive de políticos como o governador Cláudio Castro (PL) e o prefeito Eduardo Paes (PSD), que defendem que a ADPF limita a atuação policial.

Monitoramento realizado pela ONG Redes da Maré mostra a redução de 64% da letalidade policial no território entre 2022 e 2023, com a ADPF em vigor, mesmo com o aumento no número de operações. “A experiência da ADPF no Rio de Janeiro traz materialidade às questões que podem ser capilarizadas para outros espaços […] Acho que [esse] é o grande legado do que vai sair aqui. Como essas medidas, que visam garantir o bem viver da população de favela, da população negra, sobretudo, possa ser reivindicada por outros espaços do Brasil”, disse a coordenadora do movimento, Tainá Alvarenga.

Edição:
Reprodução/Arquivo Pessoal

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