Apesar da longa argumentação apresentada pelo deputado no parecer favorável à Proposta de Emenda à Constituição 215/2000 (PEC 215), que pretende incluir o Congresso no processo de reconhecimento de terras indígenas, o artigo 231 da Constituição diz literalmente que são reconhecidos aos índios “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las”.
Um grande número de juristas já se posiciona, há anos, pela inconstitucionalidade da matéria, que mesmo assim continua a encontrar defensores na Câmara dos Deputados. Para os especialistas, à luz da Constituição, a PEC 215 afronta não só direitos fundamentais dos índios garantidos na Carta Magna como a separação entre os poderes Legislativo e Executivo impostos pelo texto de 1988.
“Eu diria que a PEC 215 tem algumas inconstitucionalidades, das quais a que mais chama a atenção é a afronta à divisão de poderes”, analisa Carlos Frederico Marés, professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). “A demarcação é tarefa da União, segundo definido pelos próprios legisladores na Constituição.”
Assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Adelar Cupsinski explica que, de acordo com o artigo 20 da Carta Magna, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios se caracterizam como bens da União, cabendo ao poder Executivo apenas o trabalho técnico de demarcá-las. Não caberia análise política sobre os territórios, mas somente trabalho técnico. “Como diz o professor e jurista Dalmo Dallari, as terras já são dos índios desde a Constituição Federal de 1988 – o que falta é somente traçar os limites”, diz.
Robustos estudos técnicos já refutaram a constitucionalidade da PEC 215, que defende a inclusão do Congresso no processo de definição dos limites dos territórios indígenas. O material produzido pelo Instituto Socioambiental, além de argumentação jurídica contrária à matéria, também mostra que 288 processos demarcatórios podem ser paralisados em caso de aprovação da PEC.
Produzida pela Associação Nacional dos Procuradores da República ainda em 2013, outra análise também vislumbra “consequências nefastas” na migração de foro, que sujeitaria os procedimentos ao crivo político dos congressistas. Também conclusivo pela inconstitucionalidade da PEC 215, o texto chama a atenção para a “refutação peremptória dos direitos indígenas originários sobre as terras tradicionais por influentes bancadas”, entre elas a ruralista, o que “ameaçaria a imparcialidade na análise da matéria pelo Congresso”.
A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, dedicada à temática das populações indígenas e comunidades tradicionais, também emitiu nota técnica contrária à PEC 215, uma vez que ela violaria “o núcleo essencial de diversos direitos fundamentais” previstos na Constituição, ao substituir uma decisão técnica por outra política, subordinada “às vontades, interesses e preferências das maiorias legislativas de ocasião”.
Outra análise jurídica, do Ministério da Justiça – responsável por parte da tramitação dos processos demarcatórios e ao qual está vinculada a Fundação Nacional do Índio (Funai), que elabora os estudos técnicos que definem, entre outras coisas, os limites dos territórios indígenas –, utiliza argumentação de ministros do Supremo Tribunal Federal em casos anteriores para defender a natureza jurídica do ato demarcatório, e não política, o que o torna obrigação exclusiva do poder Executivo.