As 25 pessoas convocadas para a seleção do júri que iria condenar ou absolver o policial militar Djalma Aparecido do Nascimento Júnior ainda aguardavam o sorteio que definiria os sete jurados definitivos naquela quinta feira, 4 de maio, quando o advogado de defesa do réu apareceu informalmente no plenário. Demoraria cerca de uma hora para o início do julgamento e o silêncio imperava na sala no IV Tribunal do Júri, na Barra Funda, em São Paulo. Ouvia-se no máximo uma reclamação de canto de boca sobre a obrigação de estar ali, e eventuais bufadas solitárias enchiam o ar da sala bege com cadeiras estofadas azuis e luz fluorescente. “Camarão é a mãe, vou logo avisando!”, brada Celso Vendramini em tom de brincadeira, aproximando-se da pequena barreira de madeira que separa o plenário da plateia, enquanto ajeita a toga. A piada faz referência ao apelido que ganhou nos tempos em que foi advogado/jurado do show de calouros do Programa do Ratinho, no SBT. Com a atenção garantida, ele segue adiante, contando aos possíveis jurados que em breve deve apresentar um programa policial na televisão, seu grande sonho: “Vou fazer igual ao Datena e o Marcelo Rezende, mas eu sou melhor”. Já cativa, a audiência (e futuro júri é bom lembrar) acha graça. Ele aponta para mim e para o repórter Iuri Barcelos, que filmava a cena, e diz que estamos fazendo sua biografia. “Eu? Eu sou um picaretão, não sou nada, quem sou eu pra fazerem uma biografia da minha vida?”, pergunta ao público. Ele mesmo responde: é batalhador, sempre teve uma vida dura, quase desistiu da advocacia. Mas superou os obstáculos e atua como advogado criminalista no Tribunal do Júri defendendo policiais e outros agentes da segurança pública. Acrescenta que nunca mais será candidato porque “não nasceu pra ser bandido”, presumindo que as pessoas ali saibam que ele foi candidato a deputado federal, vereador e deputado estadual, respectivamente, duas vezes pelo PPS e a última pelo PDT, sempre sem sucesso. Ele continua falando, e o assunto vai da “roubalheira dos políticos” à dieta que está seguindo por causa do colesterol alto; do remédio que aumenta sua testosterona e enlouquece sua mulher às motos que ainda dirige. Em determinado momento, uma estudante de direito sentada ao meu lado diz que, mesmo que não fosse escolhida para compor o júri, permaneceria ali para assistir ao advogado “figura” em ação. Cumpriu a promessa. Ela ficaria voluntariamente por mais de seis horas na plateia.
Figurão
Aos 67 anos, Celso Machado Vendramini, não é qualquer “figura”. Filho de subtenente do exército, ex-policial militar e hoje com 27 anos de carreira no Tribunal do Júri – como muitas vezes destacou ao longo das quase duas horas de entrevista concedida em seu escritório, no centro de São Paulo, e também nas mais de seis horas em que o acompanhamos em ação no Fórum –, o homem já defendeu mais de cem policiais militares em casos de homicídio doloso, apenas no estado de São Paulo, segundo levantamento feito pela Pública no site do Tribunal de Justiça de São Paulo (sem contar os casos que correm em sigilo). Destes, apenas 16 foram condenados até o fechamento da reportagem (40 ainda estavam com os processos abertos, 32 haviam sido absolvidos e 25 réus defendidos por ele no caso Carandiru tiveram as sentenças anuladas e aguardam novo julgamento). “Posso dizer que em 98% dos casos tive resultados positivos. Nem sempre é uma absolvição, mas, dependendo do caso, uma redução de pena, um crime que passa de doloso pra culposo”, comemora.
Não é tarefa fácil. Nos dois primeiros meses deste ano, as mortes provocadas pela Polícia Militar superaram o número de todos os outros homicídios em São Paulo, segundo reportagem do SBT com base em dados do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP). De acordo com um levantamento feito pelo jornalista André Caramante baseado nos dados do Centro de Inteligência da Polícia Militar paulista, em 20 anos (de 1995 a 2015), a PM de São Paulo matou mais do que todas as polícias dos EUA no mesmo período. “Com uma população 7,5 vezes menor do que os Estados Unidos, onde cerca de 319 milhões de habitantes são atendidos por aproximadamente 17 mil agências policiais, o Estado de São Paulo (43 milhões de moradores) tem uma polícia 53% mais violenta do que todas as norte-americanas reunidas”, informa a reportagem da Ponte – site especializado em segurança pública.
Vendramini é conhecido por defender policiais em casos emblemáticos como o da Favela Naval – quando PMs foram filmados extorquindo dinheiro, humilhando, espancando e executando pessoas na Favela Naval, em Diadema, na Grande São Paulo, em 1997 – e o do massacre do Carandiru, no qual faz a defesa de policiais militares do Comando de Operações Especiais (COE) e do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) que participaram do assassinato dos 111 presos em 1992. Em 2014, foi multado em R$ 50 mil por ter abandonado o plenário durante o julgamento de alguns destes PMs depois de ter brigado com o promotor e o juiz. O caso do Carandiru voltou à mídia em setembro de 2016, depois que o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou os julgamentos que condenaram 74 policiais. Na ocasião, como mostra esta matéria da Folha, os desembargadores Camilo Léllis (revisor) e Edison Brandão votaram pela anulação de todos os julgamentos, por considerarem que não havia como provar quais foram os crimes cometidos por cada um dos agentes, já que não foi realizado exame balístico para saber qual policial atirou em quem. O relator, o desembargador Ivan Sartori, foi além, afirmando que os PMs agiram em legítima defesa. A decisão causou grande revolta em organizações de direitos humanos nacionais e internacionais, e, em abril deste ano, por quatro votos a um, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que os policiais militares serão julgados novamente, ainda sem data prevista. Com isso, Vendramini deverá voltar ao plenário, defendendo a linha de raciocínio de Sartori. Na sala de seu escritório, cercado por livros e emblemas da Rota, o advogado diz estar confiante e acreditar na absolvição dos PMs: “Estamos vivendo um momento diferente. Só os policiais sabem o que aconteceu dentro do Carandiru. Mas houve a condenação, houve a anulação, e, se Deus quiser, vai dar tudo certo para os policiais agora. Deus escreve certo por linhas tortas”.
O PM, a confissão e as provas
O júri sorteado é composto por cinco mulheres e dois homens, que são colocados no lado esquerdo do plenário. De frente para a plateia, ficam a juíza e o promotor e, do lado direito, os advogados de defesa – Celso Vendramini e seu sócio Renato Soares do Nascimento – e o réu, o PM Djalma Aparecido do Nascimento Júnior. A juíza pede que os jurados leiam com atenção o caso que têm em mãos. O réu irá responder ali às acusações de homicídio doloso contra o pedreiro Vagner de Sousa Ribeiro, um homem negro de 32 anos, e de forjar a cena do crime com tiros nas paredes e a inserção de um revólver calibre 32 ao lado do corpo. O caso provavelmente não chegaria ao júri se não fosse a confissão do sargento Marcos Akira Rodrigues Teixeira, que comandava a operação e foi responsável pelos dois primeiros tiros contra a vítima, que antecederam os quatro de Djalma. O episódio (que esta matéria da Ponte conta com detalhes) ocorreu na madrugada da virada do ano de 2014 para 2015, quando os dois perseguiam homens envolvidos na explosão de caixas eletrônicos de uma agência do Banco do Brasil em uma avenida da Vila Jacuí, periferia da zona leste de São Paulo. Em determinado momento da ronda, eles teriam sido chamados por um senhor que dizia que tinha alguém escondido em sua casa. Quando os policiais subiram as escadas, viram um homem de quase 1,80 metro escondido atrás da cama em um quarto escuro e, segundo a confissão de Akira narrada pelo promotor, gritaram para que se levantasse. Inquirido, o homem, desesperado, gritava coisas ininteligíveis e, mesmo rendido, teria sido baleado duas vezes por ele e mais quatro vezes por Djalma. Segundo o promotor, Akira – que seria julgado nos dias seguintes – disse em seu depoimento que o homem estava desarmado e que Djalma teria dado a ele uma pistola para colocar junto ao corpo da vítima. Para melhor forjar a resistência seguida de morte, o sargento efetuou disparos na parede. Os tiros em Ribeiro foram dados de cima para baixo, frisaria o promotor aos jurados, o que apontaria uma possível rendição; e ele tinha também tiros nas mãos, um forte indício de que o pedreiro estava de fato desarmado.
Djalma é um rapaz jovem, branco, de cabelos claros impecavelmente penteados. Nas muitas horas em que permaneceu na sala do júri, manteve os olhos abaixados e não mexeu um músculo do corpo, a não ser por alguns breves segundos de descarga emocional durante a explanação do advogado de defesa. Quando solicitado, deu um depoimento confuso, afirmando que o homem estava armado apesar de o sargento dizer o contrário e que a arma que entregou ao chefe era da própria vítima. Disse ainda que Akira efetuou os disparos na parede enquanto ele estava fora do quarto, verificando o resto da casa, e que não ouviu o barulho dos tiros por causa dos fogos de artifício. E também que pensou que o homem havia atirado contra eles. As testemunhas chamadas – a delegada que investigou a explosão dos caixas eletrônicos e um homem cujo carro foi roubado e usado na fuga e, depois, encontrado perto de onde Ribeiro foi morto – não o relacionaram diretamente ao crime e nem mesmo ao roubo, apesar da insistência da defesa. Durante cerca de uma hora e meia, o promotor falou de forma técnica sobre a confissão de Akira e a execução do pedreiro, sem grandes afetações. Os jurados permaneciam impassíveis. Alguns bocejavam. A solidez das provas, corroboradas pela confissão, parecia apontar para a condenação do PM. Então Celso Vendramini se levantou.
Algumas mortes no currículo
Vendramini conta que aos 24 anos, em 1979, virou policial militar da Rota porque não conseguia emprego. Tinha servido o Exército e “gostado muito do militarismo”. O pai militar e o irmão mais velho, policial militar aposentado, também pesaram na decisão. “Eu amava a Rota, amo até hoje, tanto que eu faço parte dos Boinas Negras, os veteranos. Respondi a alguns processos por resistência seguida de morte, fui baleado, vi companheiros morrerem. Quem entra na chuva é pra se molhar, a gente praticamente caçava os bandidos”, diz com orgulho. Pergunto a quantos processos respondeu por resistência seguida de morte. “Alguns”, diz de forma evasiva. “Mas fui absolvido em todos.” Questiono se alguma vez ele duvidou da própria conduta como policial ou na hora de atirar em alguém. “Eu nunca titubeei. O único dia em que titubeei no meu serviço de Rota eu fui baleado. Foi o Conte Lopes que matou o indivíduo”, responde. O episódio envolvendo Vendramini e o capitão aposentado da Rota Roberval Conte Lopes é narrado no livro Rota 66, do jornalista Caco Barcellos, que o qualifica como “um dos maiores matadores da Polícia Militar de São Paulo”.
Eleito deputado estadual por seis mandatos consecutivos, Conte Lopes é hoje vereador, pelo PP, da cidade de São Paulo. Foi ele que apadrinhou a carreira de advogado de Vendramini, barrado em sua tentativa de se tornar delegado de polícia por causa dos processos a que respondia no Tribunal de Justiça Militar. “Comecei a advogar com 35 anos de idade, passei muita necessidade, menina. O dinheiro não entrava. Então me lembrei de uma pessoa chamada Roberval Conte Lopes, que na época era deputado estadual. Fui até a Assembleia Legislativa de São Paulo e falei: ‘Capitão, o senhor me conhece, sabe que sou uma pessoa honesta. Não tem uma vaguinha pra mim aí?’. Ele disse que não tinha, mas me convidou a ir no programa que tinha na Rádio Atual, chamado Ronda da Cidade. Disse que sempre apareciam uns casinhos lá e eu poderia atender as pessoas. Mais tarde surgiu uma vaga na Assembleia e ele me nomeou assessor jurídico. Fiquei muitos anos com o Conte, até que montei meu escritório em 1994 ou 1995.” Foi também na Rádio Atual que Vendramini conheceu Ratinho, que depois lhe ofereceria participações em seu programa. “Quero deixar bem claro que o que eu fiz na televisão não era o que eu pensava. Não sou contra gay, lésbica. Na televisão eles me pediram pra fazer um tipo que hoje me pesa muito na consciência. Eu tava empolgado com a televisão.”
Vendramini afirma que defende os casos por convicção, e não por dinheiro, e insiste que só aceita aqueles que não ferem seus princípios morais. Pergunto quais princípios seriam esses, lembrando um caso em que ele defendeu um PM vestido de Papai Noel que atirou em uma mulher a mando do pai dela, que não queria incluí-la na pensão. Ele diz que não aceitaria defender “alguém que, porque deixou de raciocinar por alguns segundos, matou um pai de família, um menino trabalhador, por embriaguez, crime de estupro”. E emenda: “Mas, quando o policial está agindo dentro do estrito cumprimento do seu dever legal, da legítima defesa, eu defendo com gosto, viu? O policial não precisa esperar o marginal puxar a arma pra atirar nele, não. O policial é, na rua, advogado, promotor e juiz em segundos. Aquela coisa de filme americano em que o policial puxa a carteira e diz os direitos dele, isso é historinha da carochinha. A situação na rua é diferente”. Quando pergunto se não há excesso de violência por parte de alguns policiais ou mesmo pela Polícia Militar enquanto corporação, ele reage: “Ninguém está cometendo excesso. Ninguém está cometendo excesso. A criminalidade está aumentando! Será que ninguém enxerga isso, meu pai? A cada dia eles estão mais armados, aumenta a criminalidade, aumenta o confronto com a polícia, e a polícia age em legítima defesa. O que as pessoas querem? Esses policiais mereciam uma homenagem, uma medalha! Agora, o policial que partir para o lado do crime, que seja preso, condenado e expulso da polícia. Mas não se pode dizer que a polícia está agindo mediante excessos. Que excessos? Se a criminalidade está aumentando?”. Pergunto sobre os excessos fartamente documentados contra manifestantes em protestos. “Acho que [a conduta policial] está muito frouxa! Eu sou democrático. Quando você tem uma passeata na rua, pacífica, com pessoas cantando, protestando, que para o trânsito, tudo bem, isso é do jogo. Mas, quando começam a quebrar patrimônios municipais e particulares, bancos, começam com a vadiagem, o quebra-quebra, na minha opinião, a polícia tinha que descer o porrete. Não desce porque tem medo da imprensa e dos órgãos de direitos humanos. Temos que agir com rigor quando é pra agir com rigor. Esse negócio de ficar jogando bombinha, só isso não adianta nada, viu? O camarada tem que sentir ali. Eu tenho um caso aqui em SP de um coronel que estava discutindo com manifestantes e tomaram as coisas dele, quebrou a clavícula. Aí está o exemplo. Ele tentou conversar. A polícia não prende porque não quer. É só se infiltrar no meio dessa raça que prende todo mundo. ‘Ah não tem onde prender.’ Amarra no poste, na árvore, manda embora. O que não pode é meu direito de ir e vir, o meu patrimônio ou o seu serem violados por pessoas que não têm dignidade alguma. Acho que a polícia tinha que agir com mais rigor. Eu fui do Choque. Na minha época, participei de várias greves desde 1979. A Tropa de Choque não era isso que você vê hoje, não. A Tropa de Choque era diferente. Era bem diferente.”
De tudo um pouco
De volta à sala do júri, a fala de Vendramini começa com um longo agradecimento aos presentes (juíza, promotor, todos os profissionais que estavam no plenário, ajudantes, a moça que lhe deu uma maçã quando ele se sentiu um pouco tonto), seguido de uma homenagem a todas as mulheres (cinco dos sete jurados eram mulheres, além da juíza), que, “como dizia sua querida mãe”, seriam as responsáveis por mudar o mundo. Em tom muito mais informal e íntimo do que o do promotor, como se fosse uma continuação da primeira conversa que teve com a plateia antes de o julgamento começar, cita de cor versos de Ruy Barbosa, relembra seu primeiro júri, sua carreira, seus mestres no direito, os grandes promotores do Ministério Público de São Paulo. A emoção sobe quando ele conta que foi da Rota e chegou “a tirar a vida de marginais”, mas é quando se dirige direto aos jurados que o jogo começa a virar. Ele se diz inconformado com o fato de estarem todos ali “trabalhando de graça” e de, além de serem obrigados a estar lá, “ainda ganharem um lanchinho ruim”. Pede desculpas por isso. Agora ele tem toda a atenção dos jurados. Todos os olhos e corpos estão voltados para ele. As cabeças acenam, concordando. Então ele passa a falar da “vergonha que está esse país”, a “roubalheira”; fala de Lava Jato, corrupção, Moro, Dilma, Lula, agradece à PM presente ali, diz que não gosta de bandido e que os policiais, sim, são “verdadeiros heróis” que nos protegem de morrer nas mãos de um “de menó”. Diz que precisamos tomar a iniciativa de mudar as coisas para não acabarmos reféns do crime organizado e dos colarinhos-brancos. Diz que o país vai mudar e que a PM vai estar lá. Se diz um homem cristão que acredita no “arquiteto do universo”. E que nós, a imagem e semelhança dele, somos também deuses. Aí parte para o que interessa. Aponta o PM que está sendo julgado e diz que “aquele menino”, aquele policial, foi enganado pelo chefe. “Se existe vítima ali é ele”, continua. Seu erro teria sido acreditar na palavra de Akira. Lembra a história da mãe que foi presa sob a acusação de ter dado cocaína para seu bebê: anos depois, quando exumaram o corpo, descobriram que havia sido um engano. Cita casos de outros policiais que “estão sendo processados por cumprir seu dever”. Diz que, se “esse menino” for preso, pode ficar 17 anos na cadeia. O réu começa a chorar. Vendramini declara que quer ver “políticos corruptos presos”, fala do impeachment, fala do goleiro Bruno, fala do José Dirceu. Diz que não tem dó de bandido. Diz que é a favor dos direitos humanos quando os direitos são para todos os humanos. Djalma, ele insiste, nunca respondeu a um processo. Acreditou no chefe. A vítima tinha tatuagens pelo corpo, uma delas era um palhaço. Pergunta se os jurados sabem o que significa a tatuagem de palhaço – segundo pesquisa da PM que “decifra” tatuagens, o palhaço é símbolo de roubo e morte de policiais. E diz novamente que o policial não precisa esperar o meliante puxar a arma para “meter bala nele”.
Lavagem de roupa suja
Explorar os clichês, veiculados nos programas populares de TV, é tática, mas também convicção. “Os jurados votam de foro íntimo, não votam tecnicamente. A população julgando é maravilhoso”, dizia ele na entrevista feita dias antes no escritório. Na mesma ocasião, partiu para o ataque contra as organizações de direitos humanos dizendo concordar com as afirmações do deputado Jair Bolsonaro de que, se for eleito presidente, não vai dar um centavo para essas organizações porque os direitos humanos têm que ser para todo mundo, para o bandido e para “os cidadãos de bem”. “Essas organizações só sabem falar de policial, são unilaterais. O meu direito termina onde começa o seu, e o seu termina onde começa o meu. É assim que eu penso. Direitos humanos, humanos direitos.” A conversa envereda pela política, e ele lembra que foi candidato por três vezes e que “não quis receber dinheiro sujo”, preferindo gastar R$ 15 mil do próprio bolso na campanha a deputado estadual em 2014. Pergunto o que ele faria se tivesse sido eleito. Ele responde que investiria em educação, saúde e na reformulação do Código Penal. “Sou a favor da redução da maioridade penal. Na verdade, eu gostaria que não houvesse idade penal. Se um garoto de 6, 7 anos de idade matar uma família inteira, tem que ter prisão perpétua, pouco me importa se ele tem 6 anos de idade.” Também se diz a favor do porte de arma domiciliar, prega o aumento de pena e o fim da progressão de regime no sistema penitenciário. “Que se construam mais presídios! Isso não é problema meu. É como Jair Bolsonaro costuma dizer: quem não quer ir pra cadeia não cometa um crime. Mas discordo do Bolsonaro porque acho que o preso tem que ter uma vida digna dentro da prisão. Pra ele pelo menos tentar ressocializar. Fazer os presídios com infraestrutura, com diversão, encontro íntimo. E os rebeldes você coloca em regime diferenciado. Não se pode colocar hoje alguém num presídio brasileiro. São pocilgas. Se não for bandido, vai virar. Dê toda estrutura, mas cobre do preso! Aqueles que não quiserem, regime diferenciado. Eu gosto muito de uma arruaça, minha filha! Você votaria em mim?”
O voto final
Já no fim da conversa, com a câmera desligada, Vendramini conta que pretende lançar um livro sobre suas peripécias no Tribunal do Júri. Peço que ele conte rapidamente alguns desses casos e ele diz que certa vez, após uma briga acalorada com um promotor, “quase chegou às vias de fato” e, ao deixar o plenário, forçou a porta, derrubando um juiz que estava do outro lado. “Fui à sala dele e pedi perdão de joelhos. Ele me perdoou.” Conta, rindo, emendando outro caso: “Tinha uma promotora famosa, ela usava um batonzão vermelho assim na boca enorme, e eu estava falando com os jurados. Ela saiu da tribuna dela e se posicionou do meu lado e ficou me olhando com a boca aqui perto. O rosto colado. E eu dizia: ‘Doutora, a senhora poderia voltar para a sua tribuna, está me incomodando’. E ela respondia: ‘Eu fico onde eu quero’. E eu falava: ‘Volta para o seu lugar doutora, a senhora já está me irritando!’. E ela perguntou: ‘O senhor vai me agredir?’. Respondi: ‘Não, vou dar um beijo nessa sua boca gostosa!’. E agarrei ela! Aí ela ficou: ‘Você é louco, você é louco’, e entrou correndo na sala dela. Os jurados riram…”
Naquela quinta-feira, no IV Tribunal do Júri na Barra Funda, os jurados votaram em Vendramini. Apesar das provas apresentadas pelo promotor e da confissão de Akira, o PM Djalma foi absolvido.