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Reportagem

Na Baixada Fluminense, um município no caos

O prefeito e o presidente da Câmara Municipal de Japeri estão presos, acusados de ligação com o tráfico. A taxa de homicídio é três vezes maior do que a média estadual no município, que também abriga um campo de golfe

Reportagem
13 de março de 2019
12:09
Este artigo tem mais de 5 ano

O prefeito de Japeri, eleito para o terceiro mandato, Carlos Moraes; o presidente da Câmara Municipal, Wesley George de Oliveira; e o vereador Cláudio José da Silva, o Cacau – todos do PP (Partido Progressista) – estão presos desde julho de 2018. Os três foram denunciados pelo Ministério Público Estadual por crime de associação ao tráfico de drogas. A situação de caos no município, que tem o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região metropolitana do Rio de Janeiro, se agravou desde então.

O prefeito foi apanhado em conversas telefônicas com o chefe local da facção Amigos dos Amigos (ADA), Breno da Silva Souza – que também está preso –, prometendo ajuda para afastar policiais da favela do Guandu. Em janeiro deste ano, o prefeito foi condenado por posse ilegal de arma de fogo de uso restrito, apreendida no dia da prisão. A pena de três anos em regime fechado foi convertida em pagamento de multa e prestação de serviço à comunidade, mas Carlos Moraes continua detido porque cumpre prisão preventiva no processo principal.

Segundo o vereador Helder Pedro Barros, do PSL, aliado político de Carlos Moraes, o tráfico intensificou em Japeri a partir de 2014 em consequência da implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas do Rio de Janeiro. As UPPs teriam empurrado os traficantes das facções Amigos dos Amigos, Comando Vermelho e Terceiro Comando, que deixaram a capital e disputam território e poder nos municípios da Baixada Fluminense.

Carlos Moraes, prefeito de Japeri foi denunciado por crime de associação ao tráfico de drogas

Por que uma cidade tão pobre desperta o interesse de três facções do tráfico? Uma das respostas seria o roubo de carga, que aumentou na região após a construção do Arco Metropolitano, autoestrada para desafogar o tráfego de caminhões na capital. A obra foi inaugurada em julho de 2014 e liga várias cidades da Baixada Fluminense, como Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Queimados e Japeri, a rodovias federais.

No caminho do tráfico, havia uma escola

Um dos reflexos da violência é o fluxo contínuo de alunos de uma escola para outra. Quando uma facção do tráfico é expulsa de um território, suas famílias e conhecidos batem em retirada para não serem mortos. Os novos chefes se mudam com as famílias e conhecidos para a área conquistada, mas não conseguem manter o controle por muito tempo e logo são também desalojados.

A Secretaria Municipal de Educação não forneceu à reportagem dados sobre a evasão escolar, mas o esvaziamento nas áreas de maior risco é confirmado por professores. A Escola Municipal Governador Leonel Brizola, no Bairro Guandu – outra área da cidade dominada pelo tráfico –, ficou com seis salas ociosas em 2018, que poderiam acomodar 180 alunos em dois turnos.

Estudantes abandonam as escolas sem pedir transferência. A maior evasão ocorre do sexto ao nono ano do ensino fundamental. Segundo a Secretaria de Educação, em 2017 houve redução de 900 alunos nessas séries, em comparação com o número de matrículas do ano anterior.

A redução de alunos no ensino fundamental é um fenômeno nacional, que decorre da queda da taxa de natalidade e do envelhecimento da população. Mas, em Japeri, a queda é acentuada pela violência: em cinco anos, de 2013 a 2017, a quantidade de alunos baixou de 25.158 para 22.159.

Coragem e abnegação

Ser professor em Japeri requer coragem e abnegação. Pequenas conquistas, como a manutenção das paredes livres de pichações e a presença de três alunos do município entre os vencedores da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas de 2018, tornam-se grandes vitórias.

As aulas são interrompidas quando há tiroteios entre facções inimigas ou confrontos entre policiais e traficantes. Não há dia nem hora para acontecer. Isso faz com que exista um clima de tensão.

Em duas escolas da rede pública, a reportagem soube de professores que foram abordados por homens armados e tiveram seus carros requisitados por traficantes. Há uma creche municipal próxima a uma casa abandonada que seria usada como local de tortura por traficantes, segundo informaram moradores.

Funcionários da Secretaria de Educação só conseguem entrar nas escolas em áreas de maior risco com autorização dos traficantes, que bloqueiam os acessos.
“Temos alunos que se sentem seduzidos pelo tráfico, mas nosso papel é mostrar que eles podem viver mais e com melhor qualidade quando se tornam cidadãos de verdade. Buscamos criar projetos para manter o aluno na escola depois das aulas. É melhor ficarem aqui do que serem abraçados pelo tráfico lá fora”, resume uma professora, que também prefere o anonimato.

As escolas oferecem lanche e uma refeição diária aos alunos. A reportagem soube que as mães muito pobres pedem sobras das refeições para alimentar as crianças em casa e, assim, driblar o fantasma da fome.

A violência em números

Nos últimos quatro anos, Japeri registrou taxas de homicídio até três vezes maiores do que a média do estado. Em dezembro de 2018, enquanto governos estadual e federal comemoraram a redução dos assassinatos no país, Japeri apresentou indicadores muito piores do que a média da Baixada Fluminense. O município fechou o ano de 2018 com taxa de 58 homicídios dolosos por 100 mil habitantes, contra taxas de 20 na capital e de 40 na Baixada Fluminense. Somente Queimados, município vizinho, teve indicador pior: 65 homicídios dolosos por 100 mil habitantes. Os dados são do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP).

O contraste entre o campo de golfe de Japeri e as casas simples do município

Para efeito de comparação, segundo dados do site Monitor da Violência, a média nacional de homicídios dolosos em 2017 foi de 26,8 por 100 mil habitantes.

As estatísticas trazem um retrato aterrador, mas ainda assim parcial, da violência no município de Japeri. Segundo relato de moradores, corpos de vítimas de assassinato são cortados e queimados para não deixar rastros. Em 2018, 37 pessoas foram dadas como desaparecidas em Japeri, o que equivale a uma taxa de 36 por 100 mil habitantes. No mesmo período, a Baixada Fluminense teve 33 desaparecidos por 100 mil habitantes e o estado, 28.

Outro indicador grave é o número de mortes em ação policial: 4 em 2016, 20 em 2017 e 47 em 2018, o que corresponde a 45 por 100 mil habitantes. Essa taxa é de 14 na Baixada Fluminense e de 9 na cidade do Rio de Janeiro.

Um oásis de esperança

A busca por um destino longe da violência levou adolescentes a improvisar tacos com paus e galhos de árvores e usar bolas de totó, ou pebolim, para praticar um esporte considerado de elite: o golfe. A iniciativa partiu de jovens moradores de Japeri que davam expediente no Gavea Golf Club, na zona sul carioca, na função de caddy.

O campo de golfe de Japeri é um oásis no município onde cresce a violência

Mais do que carregar uma sacola com pelo menos 10 quilos e 14 tacos, o caddy auxilia o golfista com indicações do uso do melhor equipamento. A paixão pelo esporte levou alguns caddies a organizar seus próprios jogos numa fazenda do município. Em 2001, a vontade de criar um espaço nobre na cidade pobre e atrair empresários motivou o prefeito da cidade, Carlos Moraes – o mesmo que hoje está preso por ligação com o tráfico –, a desapropriar uma fazenda cuja topografia era favorável ao esporte.

Para transformar o sonho em realidade, os próprios caddies fizeram um mutirão para limpar o local, plantar o gramado e ajudar na construção da Associação Golfe Público de Japeri. Empresários adeptos do esporte doaram equipamentos. O campo de golfe destoa da vizinhança de casas simples, com serviços básicos precários e ameaça constante de briga de facções rivais do tráfico.

Para treinar na associação, o jogador tem que estar matriculado e ter boas notas. A família recebe uma cesta básica e os agraciados ganham reforço de matemática de professores voluntários. A escolinha de golfe já teve 120 alunos, mas hoje está atendendo 80. Segundo a presidente da associação, Victoria Whyte, a parceria com empresas vai possibilitar o aumento de jovens no projeto.

Nesse oásis de esperança treina Breno Domingos da Silva, de 21 anos, que já acumulou vitórias em campeonatos estaduais na categoria amador. Mas, para migrar para a categoria profissional, seria preciso ter um patrocinador e um investimento em equipamento que está longe de suas posses. O jovem estuda administração graças a uma bolsa de estudos e é a esperança da família. Seu pai, um pintor de 52 anos, está desempregado, assim como a mãe, de 46 anos. Outros jovens que passaram pela associação não tiveram o mesmo destino de Breno. Alguns se perderam no caminho do tráfico.

Breno serve de exemplo para outros caddies de Japeri
Fotógrafo:

*Colaboraram Angelina Nunes e Claudia Lima

Este texto é resultado do Concurso de Microbolsas de Reportagem Fome, realizado pela Agência Pública em parceria com a Oxfam Brasil.

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