Buscar
Agência de jornalismo investigativo
Da Redação

Deixar de publicar informações vazadas é trair o jornalismo

É dever do jornalista checar a veracidade, analisar o conteúdo, separar o joio do trigo, e publicar tudo o que a população deve saber

Da Redação
1 de julho de 2019
12:56
Este artigo tem mais de 5 ano

Texto especialmente produzido para os apoiadores da Agência Pública. Apoie o jornalismo investigativo e receba materiais exclusivos como este na Newsletter Semanal dos Aliados!

O vazamento de conversas privadas entre membros da Lava-Jato e o agora ministro da Justiça Sergio Moro ao site Intercept trouxe de volta uma questão fundamental ao jornalismo atual que parecia estar dormente nos últimos anos. Surgiram notícias dizendo que o vazamento teria relação com o hackeamento de celulares de procuradores e jornalistas. O Intercept, por sua vez, diz que a fonte é anônima. “Nunca falamos nada sobre nossa fonte, incluindo como eles conseguiram obter esses documentos incriminatórios”, escreveu Glenn.

Mas o debate voltou a toda: um jornalista deve ou não usar conteúdo hackeado como base de reportagens?

Lembro bem de quando tivemos essa discussão pela primeira vez aqui na redação da Pública. Era o ano de 2012 e havíamos recebido do Wikileaks um vazamento massivo de emails internos da empresa de inteligência estratégica Stratfor (O que faz a Stratfor? Prevê guerras e golpes de Estado através de boletins e consultorias contratadas por militares do mundo todo. Funciona quase como um serviço de inteligência privado).

A sensação de ler aquelas conversas era, para dizer o mínimo, desconfortável. Nelas, os analistas riam de líderes globais, brincavam uns com os outros e adotavam apelidos pejorativos para seus próprios clientes. Eu me sentia como se estivesse me intrometendo em um mundo privado, alheio ao meu, ao qual talvez não devesse ter acesso.

Naquele caso, decidimos publicar apenas o que interessava: embora mantenha relações com militares e serviços de inteligência de diversos países, uma das analistas da Stratfor foi recebida com pompa e circunstância no gabinete do GSI, com direito a receber informações confidenciais de funcionários do GSI que são negadas até mesmo aos brasileiros.

Depois disso, o caso mais estrondoso de hackeamento de comunicações privadas foi, claro, o dos e-mails do comitê do partido democrata, publicados pelo Wikileaks às vésperas das eleições americanas de 2016. Entre outras coisas, eles revelaram que o partido promoveu a candidatura de Hillary Clinton em detrimento do segundo candidato, Bernie Sanders. O comitê teve de pedir desculpas publicamente a Sanders.

Lembrando desses episódios, fica patente que o debate chega ao Brasil com bastante atraso.

É claro que serviços de segurança, inteligência, militares, procuradores e policiais vão dizer que não se deve usar conteúdo secreto ou hackeado. Também é inegável que qualquer informação proveniente de um expediente desses, assim como qualquer documento ou “dossiê” confidencial que chega à mesa de um jornalista, anonimamente ou com fonte em off, terá sempre um interesse por trás. Tem visão, tem lado, tem até lucro – ou prejuízo alheio – na jogada.

Mais do que isso: o analista estratégico espanhol Pedro Baños, lista o hackeamento de informações sensíveis por Estados e atores não estatais – e seu posterior vazamento a jornalistas – como mais uma modalidade de guerra não convencional adotada por nações distintas, ao lado da guerra econômica e da propaganda estatal disfarçada na imprensa.

Hoje, todo jornalista que se preze deve ter tudo isso em conta quando recebe e analisa um material vazado, até porque isso o ajudará a entender o contexto da própria reportagem e o papel do jornalismo.

Mas não há nenhuma dúvida do que ele deve fazer em seguida: checar a veracidade, analisar o conteúdo, separar o joio do trigo, e publicar tudo o que a população deve saber, com o devido contexto e o contraditório.
Qualquer coisa a menos seria uma traição ao dever do jornalismo, que é, justamente, buscar compreender a verdade a dar transparência a ela. A essência do nosso trabalho sempre foi e sempre será uma só: publicar, trazer ao público.

Seja Aliado da Pública. Apoie o jornalismo investigativo liderado por mulheres e receba conteúdos exclusivos como este!

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Quer entender melhor? A Pública te ajuda.

Leia também

Wikileaks – Cablegate

Por

O vazamento dos documentos diplomáticos americanos, devidamente contextualizados, deu origem a uma extensa e reveladora cobertura, com mais de cem reportagens

Glenn Greenwald: “a Globo e a força-tarefa da Lava Jato são parceiras”

Por

Em entrevista à Pública, jornalista coautor das reportagens do The Intercept Brasil diz que “a grande mídia não estava reportando sobre a Lava Jato, ela estava trabalhando para a Lava Jato” e que a “arrogância de Sergio Moro causou seu comportamento antiético”

Notas mais recentes

MPF recomenda à Funai que interdite área onde indígenas isolados foram avistados


Reajuste mensal e curso 4x mais caro: brasileiros abandonam sonho de medicina na Argentina


Do G20 à COP29: Líderes admitem trilhões para clima, mas silenciam sobre fósseis


COP29: Reta final tem impasse de US$ 1 trilhão, espera pelo G20 e Brasil como facilitador


Semana tem depoimento de ex-ajudante de Bolsonaro, caso Marielle e novas regras de emendas


Leia também

Wikileaks – Cablegate


Glenn Greenwald: “a Globo e a força-tarefa da Lava Jato são parceiras”


Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes