Banhada pelas águas do rio Jequitinhonha e com cerca de 41 mil habitantes, a cidade de Almenara em Minas Gerais, é uma das mais populosas do Vale do Jequitinhonha. De passagem pela região, logo após ver a afirmativa do presidente Jair Bolsonaro de que “passar fome no Brasil é uma grande mentira”, conheci Elane Santos. Perguntei a ela sobre o que disse o nosso presidente. Ela foi taxativa: “ele nunca veio no Vale do Jequitinhonha e parece que nunca andou pelas ruas do país”.
Enquanto amamentava a pequena Ester, de 9 meses, o olho marejou, mas ela manteve-se firme. Hoje, com 21 anos e mãe de quatro filhos, Elane mora com o companheiro Leonardo Fagundes, 30 anos, e tem que conciliar despesas com aluguel e alimentação. Mas Elane está desempregada e Leonardo é trabalhador rural diarista: “trabalho a cinquenta conto por dia e não é sempre que tem oportunidade por aqui”. Há dois meses, quando a família só tinha arroz para comer, ela conseguiu recadastrar no programa Bolsa família e a renda subiu para R$ 458.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a renda domiciliar per capta de Minas Gerais em 2018, foi de R$ 1.322. Longe dessa realidade, Elane disse que às vezes, quando o mês é bom para o companheiro, a renda da família chega a R$ 800, “mas o certo mesmo é o Bolsa Família”.
“Meu marido ficou desempregado e a gente foi despejado”, relata Marleide Maria, de 37 anos, há dois morando em um barraco improvisado com cobertor e madeirite, de cerca dois metros por sete, no Acampamento Princesinha do Vale, zona rural de Almenara.
Mãe de oito filhos, três do primeiro casamento e cinco com Sebastião Rodrigues, de 38 anos, ela lamenta a falta de oportunidades para quem tem menos estudos e nasceu em família pobre no Brasil. A renda fixa da casa também é o Bolsa Família de R$ 624. “Com esse valor temos que dividir um pouquinho pra cada coisa, tem a fralda, o leite, a merenda”. Por causa dos filhos pequenos, Marleide não procura trabalho fora. Cuida de uma horta para vender produtos na feira da cidade aos sábados. Quando cheguei para conversar ela estava na lida, buscando água nos baldes para banhar as verduras, porque eles não têm acesso à água encanada.
Marinez Souza, diarista de 38 anos, seus filhos Jeciane Souza e Maicon Souza, e o seu companheiro Alexandre Vieira acabaram de entrar para o Acampamento Princesinha do Vale. O barraco improvisado com cerca de três metros quadrados vai abrigar a família cuja renda fixa é R$ 200 do Bolsa Família.
Segundo uma definição do Banco Mundial, são extremamente pobres os que tem renda per capta inferior a U$ 1,90 por dia, ou R$ 140,00 por mês, como o casa dessa família.
Marinez diz que se sua família dependesse só dos ganhos da cidade passariam fome. “Tem que partir pra roça mesmo, pois é da roça que vem a plantação”. Seu companheiro Alexandre vive de bicos e está há mais de três semanas sem conseguir qualquer atividade remunerada. Quem primeiro sente são as crianças, pois estão em períodos de férias e sem a merenda escolar, essencial para complementar a parca oferta de alimentos em casa.
Em sua afirmação sobre não existir pobreza e ou fome no Brasil, Jair Bolsonaro disse que “aqui não temos pessoas esqueléticas andando pelas ruas”. Mas o presidente está equivocado: as escalas de insegurança alimentar abrangem situações desde alimentação de má qualidade até a fome em larga escala. Conviver com fome e o medo de inanição são características da insegurança alimentar. E as três famílias com as quais conversei se enquadram claramente nesse perfil; o medo é sempre maior pelo fato de terem muitas crianças.
Perguntei como é quando os filhos pedem e você não tem para dar. “Tem que rezar nos pés de Santo Antônio”, disse Marleide. A fé parece que também dá força para superar as adversidades e manter um astral elevado em meio a tanta dificuldade, pois na hora de fotografar os sorrisos apareciam com relativa espontaneidade. “Como faz para sorrir assim?”, perguntei. “Joelho na terra e oração”, respondeu Marleide. Sorrindo.