As ligações entre o clã Bolsonaro, seus advogados e a milícia fluminense acabam de ganhar um novo elo: o advogado que assumiu recentemente a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos RJ) no inquérito das rachadinhas, Rodrigo Roca, já defendeu o miliciano Orlando Oliveira Araújo, que liderava um grupo de paramilitares que atuavam em Curicica, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Orlando Curicica, como o ex-policial é conhecido, chegou a ser apontado por uma testemunha como o mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, ocorrido em 14 de março de 2018. Porém, a acusação foi desmentida quando Orlando denunciou uma trama para obstruir as investigações, incluindo uma testemunha falsa. Ainda durante a investigação, foi Orlando Curicica quem denunciou, em 2018, o envolvimento dos membros do Escritório do Crime – grupo de matadores de aluguel formado por policiais militares da ativa e ex-policiais – na execução de Marielle e Anderson.
Hoje ele está preso no presídio federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte.
Rodrigo Roca foi autor de dois pedidos de habeas corpus – impetrados no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 2016 e 2017 – a favor do miliciano no processo que investiga outra execução, a do presidente da escola de samba Parque da Curicica, Wagner Raphael de Souza. Ambos foram negados. Roca também aparece como advogado de Orlando Curicica em uma carta precatória encaminhada ao Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul para ouvir uma testemunha neste mesmo processo.
O advogado afirmou à Agência Pública que entrou no caso para atender ao pedido de um ex-aluno que também havia sido seu estagiário. ”Ele falou, ‘mestre, você faz juri, você me dá uma bola nisso aqui’?”, lembrou. Rodrigo Roca afirmou que não fez nenhuma audiência e impetrou o habeas corpus para tentar trancar a ação penal. Segundo ele, sua passagem pelo processo foi “meteórica”, de oito de setembro de 2016 a nove de maio de 2017. “Nunca advoguei para miliciano, minha passagem pelo caso do Orlando foi essa”, acrescentou. Roca disse ainda que não conhecia Flávio Bolsonaro antes de assumir sua defesa e que entrou por meio da sua irmã, a advogada Luciana Barbosa Pires.
Procurado, Flávio Bolsonaro não respondeu à Agência Pública até a publicação desta reportagem.
Orlando Oliveira Araújo é acusado de ser o mandante do assassinato do sambista, conhecido como Dádi, em 2015. Ele foi morto de forma semelhante a Marielle Franco, a tiros dentro de um carro na Estrada de Curicica. O ex-policial militar teria dado a ordem para matar Wagner de Souza porque a vítima alugou um terreno para um circo sem pedir sua autorização, de acordo com a denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro. O presidente da escola de samba estava acompanhado por uma mulher, que sobreviveu à emboscada.
“O crime foi cometido de forma a impedir a defesa das vítimas, já que os disparos foram efetuados a pouca distância contra suas cabeças”, denunciou a promotoria. Orlando Curicica foi preso em outubro de 2017 por porte ilegal e condenado em 2018. Ele ainda responde a processos por crimes de organização criminosa e homicídio, como o do assassinato de Wagner de Souza. Os denunciados por serem os autores dos disparos, presos desde dezembro de 2018, são Willian da Silva Sant’Anna, o Negão, e Renato do Nascimento dos Santos, o Renatinho Problema.
Defensor de militares
O advogado Rodrigo Roca é conhecido por sua atuação na defesa de militares do Exército no Rio de Janeiro. Entre seus clientes, estão generais acusados de tortura durante a ditadura militar. Foi ele, por exemplo, quem acompanhou as audiências da Comissão Nacional da Verdade, em Brasília, do general Nilton Cerqueira, que comandou a caça a Carlos Lamarca e a repressão à guerrilha do Araguaia e foi citado no relatório final como responsável por crimes contra a humanidade. Roca também advogou para o general reformado José Nogueira Belhan acusado de assassinar e ocultar o corpo do deputado Rubens Paiva, em janeiro de 1971.
Representou, ainda, militares acusados do fracassado atentado a bomba no Centro de Convenções Riocentro, em maio de 1981, durante o regime militar. O alvo era um show em homenagem ao Dia do Trabalho, que reuniu 20 mil pessoas, mas uma bomba explodiu dentro do automóvel dos militares escalados para executar o atentado matando um sargento. O objetivo do atentado era forçar o endurecimento do regime que estava em processo de abertura. O capitão Wilson Machado, que estava presente e era dono do carro, é um dos clientes de Roca. Ele foi denunciado por homicídio doloso duplamente qualificado por motivo torpe, associação criminosa armada e transporte de explosivo. No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça determinou que os militares envolvidos não podem ser julgados com a justificativa de que os crimes já estariam prescritos.
O escritório de Roca, Rodrigo Roca Advogados Associados, está na lista dos cerca de 50 escritórios associados ao Jairo Candido e Advogados Associados que “dedica-se à Assistência Jurídica à Família Militar, atendendo aos militares, familiares, dependentes e pensionistas do Exército e da Aeronáutica”. Conforme mostrou a Agência Pública, Rodrigo Roca representou este escritório na defesa oral dos soldados do exército Hudson Leonardo Camargo Costa e Douglas Moreira Luciano, acusados de matar o adolescente Abraão Maximiano, de 15 anos, em 2011, no Rio de Janeiro. Após a defesa, o caso foi retirado da Justiça Federal e enviado à Justiça Militar, onde foi arquivado.
O advogado já defendeu também o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, nos processos da Operação Lava Jato.
Escritório do Crime
Rodrigo Roca e sua irmã, Luciana Barbosa Pires, assumiram o lugar do advogado Frederick Wassef na defesa do senador Flávio Bolsonaro no suposto esquema de rachadinha – quando funcionários são coagidos a devolver parte de seus salários ao parlamentar – no gabinete do então deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Luciana já advogava para Flávio Bolsonaro no inquérito eleitoral que investiga o senador por lavagem de dinheiro e falsidade ideológica.
Frederick Wassef deixou o caso depois que o ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, foi preso em uma casa pertencente ao advogado, em Atibaia, São Paulo. No inquérito das rachadinhas, Queiroz é apontado como operador financeiro e personagem central na suposta organização criminosa que teria o senador como líder.
O inquérito também reforça a ligação de Queiroz e da família Bolsonaro com Adriano Magalhães da Nóbrega, o ex-capitão do Bope morto em uma operação policial da Bahia em fevereiro. De acordo com as informações dos documentos judiciais que embasaram o decreto de prisão preventiva de Queiroz, pelo menos R$69,5 mil foram depositados nas contas bancárias do ex-assessor por restaurantes administrados pelo miliciano e seus familiares. Além disso, Queiroz teria pedido que a mãe de Adriano – que também trabalhou no gabinete de Flávio – permanecesse escondida no interior de Minas, depois de um decisão do Supremo Tribunal Federal que permitiu a continuidade das investigações.
Adriano da Nóbrega liderava o Escritório do Crime, delatado por Orlando Curicica. Com base nos depoimentos prestados por Orlando, em 2018, o Ministério Público do Rio de Janeiro abriu uma investigação e desarquivou ao menos quatro homicídios que foram cometidos por membros do grupo. Na última terça-feira, a Polícia Civil e o MP-Rio fizeram uma operação batizada de Tânatos, que foi um desdobramento da investigação sobre os assassinatos da vereadora e do motorista, contra os integrantes do Escritório do Crime.