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Após intensa campanha de fabricantes de agrotóxicos e de produtores rurais, votação acirrada dentro da agência confirma o banimento do agrotóxico letal. Retirada do produto do mercado deve ocorrer no dia 22 de setembro

Reportagem
15 de setembro de 2020
18:28
Este artigo tem mais de 4 ano

Após intensa disputa nos bastidores, a Anvisa decidiu manter a proibição do agrotóxico paraquate a partir de 22 de setembro. A decisão foi tomada hoje em reunião da diretoria colegiada com um placar apertado: 3 votos por manter a proibição, 2 votos por adiar em um ano. O adiamento abria a possibilidade de liberação do produto, já que o prazo seria justamente para a indústria de agrotóxicos apresentar novos argumentos em defesa do paraquate. 

Os dois votos a favor do adiamento, portanto favorável aos fabricantes de agrotóxicos, vieram de diretores indicados pelo presidente Jair Bolsonaro: o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres e a diretora Meiruze Sousa Freitas. Entre os três diretores que votaram contra o adiamento, também há dois indicados por Bolsonaro.

O presidente da Anvisa Antonio Barra Torres votou em favor da indústria de agrotóxicos, mas foi vencido pela maioria

Este assunto era objeto de intenso lobby dentro da agência, como revelou a série de matérias da Repórter Brasil e Agência Pública. Empresas fabricantes e produtores rurais chegaram a fazer mais de 20 reuniões na Anvisa desde que a proibição foi publicada, em 2017. Neste ano os esforços do lobby se concentraram em torno do argumento de que haveria novas pesquisas que, em tese, poderiam provar que o agrotóxico é seguro. O principal estudo que justificava o adiamento, porém, foi suspenso pelo Comitê de Ética da Unicamp após as revelações de conflito de interesse feitas pela reportagem

A maior dúvida agora é sobre o que vai acontecer com os estoques de paraquate. Com a promessa de que o lobby conseguiria adiar a data, muitos produtores rurais compraram o produto para a próxima safra. Além disso as empresas fabricantes, entre as quais a Syngenta é líder de mercado, continuaram fabricando e importando o produto. Apenas em 2019, foram mais de 8 mil toneladas de paraquate importadas da Inglaterra para o Brasil pela Syngenta.

Novas vendas ficam proibidas a partir de 22 de setembro, mesma data em que pode ser definido um novo prazo para a utilização dos estoques pelos produtores rurais que já compraram o paraquate. A defesa do uso dos estoques na próxima safra apareceu em junho em manifestação da Anvisa por meio da Advocacia Geral da União e foi reforçado na reunião de hoje por alguns diretores da agência e por representantes da indústria que se manifestaram em vídeos gravados. O principal argumento é o risco de perda econômica dos produtores rurais.

Meiruze Sousa Freitas, uma das diretoras da Anvisa, também foi voto vencido. Ela argumentou por adiar a proibição até 2021, conforme pedido pelos fabricantes e produtores rurais

O procurador federal Marco Antônio Delfino de Almeida considera essa uma “emergência pré-fabricada”. “O paraquate não é um medicamento que eu tenho em casa e posso usar a qualquer tempo, ele tem um prazo específico de utilização e o agronegócio tinha pleno conhecimento do prazo para a proibição”. As empresas tiveram três anos para planejar essa retirada.

“Ainda não acabou”

Mas o problema não são apenas os estoques, alerta o procurador federal. Responsável pelas ações judiciais que chegaram a impedir que a Anvisa votasse pela prorrogação, ele acha que ainda é cedo para respirar aliviado sobre a proibição do paraquate como um todo. “Infelizmente, ainda não acabou. Em seus votos, dois diretores voltaram a citar a pesquisa que já foi suspensa”. 

Paga pela Associação Brasileira de Produtores de Soja (Aprosoja), a peça central do lobby em defesa do paraquate era uma pesquisa que analisava amostras de urina de parte dos trabalhadores da soja para verificar a presença do agrotóxico. Feito na Unicamp, o estudo foi suspenso após revelações da reportagem da Repórter Brasil e da Agência Pública.

Além do conflito de interesse, a pesquisa apresenta erros na metodologia para garantir a segurança das amostras, segundo com João Ernesto de Carvalho, professor e ex-diretor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp. Segundo ele, a coleta de urina foi realizado por terceiros, o que não pode acontecer em um estudo desta importância. “Quando você vê o nível de interesse que existe num produto deste, o poder econômico que está por trás, é muito simples sabotarem as amostras, e os pesquisadores não tiveram o mínimo de cuidado com isso”. Carvalho acredita que essa falha será decisiva para o cancelamento final da pesquisa.

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Embora ela já tenha sido suspensa pelo comitê de ética, ainda será preciso passar por um processo oficial de cancelamento que ainda não foi finalizado devido à pandemia. Procurada pela reportagem, a Unicamp enviou nota afirmando que  “o projeto está suspenso no âmbito da Unicamp conforme decidido pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade. O trabalho do Comitê é independente e soberano em relação a outras instâncias da universidade. Todas as informações pertinentes sobre as deliberações do CEP/Unicamp foram devidamente encaminhadas aos pesquisadores”.

Enquanto os trâmites de cancelamento não forem completados dentro da universidade, o procurador teme que a indústria possa continuar usando-a como argumento pela liberação do paraquate. Possivelmente por meio de ações na justiça.

Pesquisa com trabalhadores rurais que aplicam paraquate na soja foi suspensa pela Unicamp após revelações de conflito de interesse

Campeão de vendas e de mortes

Na semana passada, a Repórter Brasil e a Agência Pública revelaram que o paraquate foi o produto proibido na Europa e fabricado no continente que mais teve autorizações para exportação para todo o mundo. Foram 32 mil toneladas, ou 40% do total das exportações da União Europeia de agrotóxicos proibidos em 2018. De acordo com os dados obtidos pela reportagem, mais da metade (77%) saiu da fábrica da Syngenta na Inglaterra.

O paraquate também foi, de longe, o mais exportado para o Brasil: 9 mil toneladas autorizadas em 2018. De acordo com o Ibama, foram vendidos no Brasil 13 mil toneladas nesse ano, ou seja, a produção da Syngenta correspondeu a 68% das compras deste químico no país. 

Este mesmo produto foi o agrotóxico autorizado no Brasil que mais tirou a vida de brasileiros na última década. Foram 530 intoxicações registradas pelo Ministério da Saúde, sendo que 138 acabaram em morte. Dessas, 93% foram caracterizadas como suicídio.

Lançado em 1962, o paraquate foi proibido em 2007 na União Europeia e começou a ser reavaliado no Brasil em 2008. Pesquisas indicam que a exposição crônica, que atinge normalmente trabalhadores rurais, está associada ao desenvolvimento de mutações genéticas e a doença de Parkinson nos trabalhadores rurais que o aplicam.

A Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida mobilizou diversos pesquisadores e instituições para pedir que a Anvisa mantivesse a proibição ao agrotóxico. No último mês, a organização reuniu mais de 200 assinaturas de entidades, deputados e universidades em uma espécie de resistência à pressão do lobby da indústria. “Comemoramos a decisão, apesar de lamentarmos o esforço despendido em assunto que já deveria estar resolvido há anos”, afirma nota da organização.

Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto.

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Pedro França/Agência Senado
Cindy Cornett Seigle

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