O segundo dia do festival Pública +10 começou com uma conversa entre o ator, roteirista e escritor, Gregório Duvivier, e a poeta, cantora e compositora, Bell Puã sobre a juventude. O debate faz parte da comemoração de aniversário da Agência Pública, primeira agência de jornalismo investigativo sem fins lucrativos do país.
O evento teve início no primeiro sábado de março, em formato online de acordo com as recomendações sanitárias, e continua no próximo sábado (20/3) com mais dois debates para discutir o presente e o futuro do Brasil.
“A juventude acredita em quê?” Essa foi a pergunta norteadora do debate entre Duvivier e Puã, mas os convidados, mediados pela jornalista Fabiana Morais, decidiram começar por responder o contrário: “eu gosto de pensar no que a juventude não acredita para pensar no que ela acredita”, disse a poeta, que faz parte do projeto Reload. “A juventude não acredita muito em si mesma”, completou.
Ao que o âncora do programa Greg News concordou: “O jovem de hoje acha que o mundo vai acabar antes dele”. No entanto, mais do que as outras gerações, os jovens tendem a acreditar mais na ciência e no aquecimento global, diz Duvivier.
Desconfiança na imprensa tradicional
Para os debatedores, a nova geração tem grande desconfiança na imprensa tradicional. “A grande mídia no Brasil não tem o melhor dos históricos de apoio a regimes ditatoriais e sempre servindo a grandes interesses”, explica Bell Puã. “O que se perdeu foi a criatividade, o diálogo com a população”, diz ela, criticando o velho e tradicional formato do jornalismo.
Para Duvivier o auge da descrença na grande mídia para as gerações atuais aconteceu durante os protestos de junho de 2013. “A gente viu acontecer um processo bárbaro de criminalização de manifestações”, lembra ele, citando também as relações da imprensa com políticos corruptos, em especial a rede Globo e o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.
O apresentador acha que outros eventos políticos também ajudaram na descredibilização da imprensa, como o impeachment de Dilma Rousseff e a eleição de Jair Bolsonaro. “Essa desconfiança do jovem com a imprensa é muito merecida”, justifica Duvivier.
Para o escritor, a imprensa não lembra de seus leitores jovens. “O jornalista muitas vezes não presta atenção em quem chegou agora. O jornal é muitas vezes um bonde andando, que é difícil de pegar. Você dificilmente para para explicar uma coisa pela primeira vez no jornal”, criticou.
Em uma perspectiva mais otimista, ele lembrou do surgimento de novos veículos jornalísticos na última década, “que prezam não pela imparcialidade, mas pela seriedade, pela apuração, pela checagem”. Entre eles, Duvivier citou a Pública, a Ponte Jornalismo e a Agência Lupa, de checagem de fatos.
Humor e poesia como estratégia
Os debatedores também conversaram sobre como trazer essa juventude descrente para perto do debate progressista. “O humor é chave”, defendeu Duvivier. “Tanto o humor quanto a poesia, eles puxam o tapete das certezas do espectador. Você tem acesso a um olhar fresco sobre a realidade. Um olhar não viciado.”
“A esquerda, talvez por ter ficado tanto tempo no poder, ficou meio engessada”, criticou Gregório.”Para ganhar a juventude você tem que ser menos iconoclasta e irreverente, tem que ter uma dose de anarquismo e nada pode ser muito sagrado e eu acho que a esquerda passou a sacralizar algumas coisas, tornando alguns temas tabus.”
Enquanto a esquerda falhou em atrair os jovens, outros atores como a direita e as igrejas conseguiram conquistá-los mais. “Se a gente pensa na esquerda, na imprensa, no Estado e em Deus. Em quem a pessoa com pouca perspectiva vai acreditar?”, questionou Bell Puã.
“O doutor só fala pro doutor”, criticou a poeta, e citou o rap como um caminho. “É uma linguagem incrível que chega na pessoa que está vendendo fruta na feira e chega no doutor.”
Além do humor e da poesia, as redes sociais apareceram como uma ferramenta para chegar no jovem e simplificar a linguagem. No entanto, os entrevistados defenderam que, fora de um contexto de pandemia e isolamento social, essa não é a estratégia ideal. “Onde a comunicação acontece melhor é no analógico, no face a face”, defendeu Gregório, citando o teatro como uma alternativa.
Além do distanciamento promovido pelas redes, o escritor ainda lembrou da “gigantesca” exclusão digital no Brasil, mencionando pacotes de dados que restringem o uso da internet às grandes plataformas, como Whatsapp, Instagram e Facebook, e limita o acesso a portais
O debate terminou com tom de esperança, falando da representatividade da juventude na política, com lideranças políticas jovens, mas também através de figuras mais velhas. “Tem pessoas velhas muito mais jovens que muito jovem por aí”, defendeu Gregório, citando pessoas como Lula, Guilherme Boulos, Eduardo Suplicy, Drauzio Varella, Luiza Erundina e outros.
A íntegra do debate está disponível no canal de Youtube da Agência Pública.
Pública +10
Nomes como Ailton Krenak e Anielle Franco estão entre os convidados dos próximos debates do festival Pública +10, em comemoração aos dez anos de Agência Pública. As conversas continuam no dia 20 de março, onde os participantes irão debater sobre “Barbárie na Política” e “Negacionismo Científico”. Para conferir os horários, os participantes e fazer sua inscrição gratuita, acesse o link.