A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, de anular todas as condenações do ex-presidente Lula na Lava Jato foi o assunto da semana nas redes sociais. A notícia chegou aos Trending Topics – assuntos mais comentados – do Twitter, ficou entre as publicações mais compartilhadas no Facebook, e grupos de Whatsapp de política borbulhavam de notificações.
Postagens contrárias à anulação das condenações de Lula foram responsáveis por 59% dos compartilhamentos no Facebook nas 24 horas após a decisão, contra 26% a favor e 13% neutros. Ainda houve 2% de compartilhamentos de postagens de apoiadores de Ciro Gomes, que aproveitavam a ocasião para defender a candidatura do pedetista. É o que revela levantamento exclusivo da Pública em parceria com Monitor do Debate Público no Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP).
A publicação mais compartilhada entre as postagens de Facebook contrárias à decisão foi do youtuber bolsonarista e vereador do Rio de Janeiro, Gabriel Monteiro. Em vídeo que atingiu mais de 38 mil compartilhamentos até o dia 9 de março, ele defende que a anulação das condenações de Lula é prova de que “o crime compensa sim no Brasil” e chama o ex-presidente de “o maior criminoso da história desse país”.
Entre as 10 postagens de Facebook mais compartilhadas sobre o assunto e contrárias à anulação estão publicações de cinco deputados federais da base governista: Carla Zambelli, Carlos Jordy, Filipe Barros, Otoni de Paula e Paulo Eduardo Martins. Em postagem que atingiu mais de 14 mil compartilhamentos em menos de 24 horas, a deputada responsabiliza Lula pelo aumento do dólar e pela queda na bolsa naquele dia. “Neste momento tão duro para a nossa população, ela ainda tem que arcar com mais um problema causado por um homem que destruiu o futuro dela, do nosso país”, escreveu.
Post de Paulo Eduardo criticando a decisão de Fachin atingiu quase 8 mil compartilhamentos em 24 horas. “A quadrilha vermelha roubou bilhões dos brasileiros”, escreveu, responsabilizando o PT pelos desvios da Lava Jato. Em resposta à Pública, Paulo afirmou que “a repercussão do post reflete a percepção de realidade de uma parte da sociedade”. De acordo com o deputado, “as anulações [das condenações de Lula] nesta etapa processual contribuem para a sensação de insegurança jurídica no país”.
Já Filipe Barros e Carlos Jordy fizeram publicações que questionam a integridade do judiciário brasileiro e do ministro Edson Fachin. Barros parafraseou o presidente Jair Bolsonaro, que acusou o ministro do STF de ter uma “forte ligação com o PT”. Já Jordy publicou trecho de vídeo no qual Fachin, antes de ocupar o cargo no Supremo, pede votos para Dilma Rousseff. No Facebook, a postagem alcançou 5,4 mil compartilhamentos – a 9ª mais compartilhada – e também foi publicada no Twitter, Instagram e Telegram.
“Edson Fachin meses antes de ser indicado Ministro do STF. No mínimo ele deveria se declarar impossibilitado de fazer esse julgamento por SUSPEIÇÃO!”, escreveu o deputado. No entanto, a gravação é de 2010 – 5 anos antes da nomeação do ministro e não meses, como disse o deputado. Na época da nomeação, Fachin se pronunciou sobre o caso.
Outros dois posts com a mesma temática, publicados pela rádio Jovem Pan, ficaram no Top 10 do Facebook. Os vídeos intitulados “Relembre: Fachin já pediu votos para Dilma Rousseff” foram publicados em dois canais da emissora e somaram mais de 22,5 mil compartilhamentos. Ocuparam a 5ª e a 6ª posição do ranking.
O décimo conteúdo mais compartilhado no Facebook foi do deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ) e chegou a 5,3 mil compartilhamentos. No vídeo, cujo título é “Soltar o diabo não foi o suficiente; STF libera Lula para concorrer as eleições”, o deputado exclama: “Que vergonha! Que jogo baixo! Que jogo sujo! A que ponto chega a Suprema Corte de nosso país? A que ponto de manipulação chega a Suprema Corte de nosso país?”.
O pesquisador Márcio Moretto Ribeiro explica que a predominância de postagens de conservadores e bolsonaristas no Facebook não é surpresa. “Eles costumam ter mais alcance”, afirma.
Pró-Lula
Do outro lado, a publicação favorável a Lula de maior repercussão no Facebook foi do ex-deputado federal Marco Maia (PT-RS) em que ele cita trecho da carta que Papa Francisco escreveu para Lula em maio de 2019. “O bem vencerá o mal, a verdade vencerá a mentira e a salvação vencerá a condenação”, parafraseou o pontífice em postagem que atingiu mais de 7 mil compartilhamentos.
Os parlamentares petistas Gleisi Hoffmann e Humberto Costa também tiveram publicações de destaque entre os favoráveis à decisão de Fachin.
Análise do Radar – projeto de monitoramento de redes sociais do Aos Fatos – também revelou que mensagens críticas à decisão foram predominantes em 109 grupos de política do Whatsapp. Foram responsáveis por mais de 62% dos compartilhamentos, contra 10% a favor.
No Twitter, o discurso pró-Lula venceu contra robôs bolsonaristas
Ao contrário do que aconteceu no Facebook e no Whatsapp, no Twitter predominaram posicionamentos favoráveis à decisão de Fachin. Perfis de esquerda foram responsáveis por 60% do total de tuítes, enquanto os da direita foram responsáveis por 40%.
“A disputa foi acirrada nas duas redes”, avalia Moretto. A diferença entre as reações nas duas redes pode se explicar pela prevalência maior de pessoas de esquerda no Twitter, de acordo com o pesquisador.
O assunto entrou para a lista de Trending Topics, os “assuntos do momento”, com diferentes termos e hashtags: Lula: com mais de 900 mil tweets; Fachin: com mais de 177 mil tweets; Moro, com mais de 100 mil tweets; Lava-Jato, com cerca de 95 mil tweets. As expressões “O Pai Ta On”, “Lulindo”, “Grande dia” e “Vem 2022” foram usadas em comemoração à anulação das condenações de Lula.
Já os bolsonaristas tuitaram hashtags a favor de Bolsonaro, pela prisão de Lula e contra o STF; e levaram os termos “Forças Armadas” e “Artigo 142” aos assuntos mais comentados da plataforma.
Segundo análise do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), termos a favor de Lula somaram mais de 306 mil tuítes, enquanto as tags e expressões contra o ex-presidente representaram cerca de 160 mil postagens na rede.
O deputado Carlos Jordy (PSL-SP) compartilhou tuíte que afirmava que “o pior golpe de estado é do judiciário que promove a injustiça”. Depois, sugeriu que o ministro deveria “se declarar impossibilitado de fazer esse julgamento por SUSPEIÇÃO!”. O deputado Paulo Eduardo Martins (PSL-PR) criticou o judiciário e até a República como forma de governo. “Não é possível levar a sério ou mesmo vislumbrar um futuro para um país que tenha a estabilidade jurídica de uma biruta de aeroporto”, publicou.
Já Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), deputado federal por São Paulo e filho do presidente, aproveitou o momento para lançar dúvidas sobre a urna eletrônica. “Pouco importa se em 2022 haverá Lula ou não, o foco da democracia tem que estar no voto impresso e auditável”, afirmou em suas redes sociais.
O comentarista da Jovem Pan, Rodrigo Constantino, chegou a considerar uma intervenção militar em um tuíte que foi posteriormente apagado. O jornalista conservador, alinhado com o bolsonarismo, questionou “conta o 177, será que só nos resta o 124?”, em referência aos artigos da Constituição que tratam, respectivamente, de corrupção e da intervenção das forças armadas nos poderes.
À Pública, Constantino disse que postagem “era um desabafo misturado com uma pergunta, não uma afirmação.” “Sou contra a intervenção militar, mas vejo pouca saída concreta também, já que as instituições parecem totalmente dominadas”, afirmou.
Ele também explicou que decidiu excluir o tuíte para não ser interpretado de forma equivocada. Para o jornalista, a decisão do ministro Fachin “é um absurdo, um acinte.”
Além de políticos e influenciadores, os termos e hashtags contra o Supremo, contra Lula e a favor da intervenção militar e de Bolsonaro foram tuitados por perfis inautênticos. A ferramenta “Bot Sentinel” identificou comportamento automatizado nas hashtags #Bolsonaro2022; #STFVergonhaNacional; #STFVergonhaMundial e #BolsonaroPresidenteAté2026.
Levantamento do PegaBot, projeto do ITS, ainda identificou a presença de comportamento inautêntico na #LulaNaCadeia e nos tuítes com os termos “Forças Armadas” e “Artigo 142”. Cerca de 540 perfis que utilizaram a hashtag apresentam alta probabilidade de existência de automação (acima de 70%), responsáveis por mais de 1500 tuítes. Já para os termos intervencionistas, foram identificados mais de mil perfis com provável automação, responsáveis por mais de 3 mil tuítes.
No Whatsapp, pedidos para Forças Armadas fecharem STF
Menos de cinco minutos depois do anúncio da anulação das condenações de Lula, mensagens críticas ao ex-presidente e ao Supremo Tribunal Federal já circulavam em grupos de Whatsapp pró-Bolsonaro. Um PDF com a decisão do ministro Fachin foi encaminhada junto com uma mensagem que dizia “STF tem que ser fechado”.
O pesquisador e professor de estudos das mídias na Universidade da Virgínia, David Nemer, que acompanha os grupos, explica que normalmente eles ficam em silêncio quando são pegos de surpresa com alguma informação de última hora – como a notícia da anulação das condenações de Lula –, aguardando a geração de conteúdos por parte de influenciadores. No entanto, dessa vez foi diferente por se tratar de Lula, que, segundo ele, é “um dos inimigos principais do WhatsApp bolsonarista”.
Nemer analisou 27 grupos bolsonaristas durante as primeiras horas após a decisão de Fachin e constatou quatro temas predominantes: o primeiro deles foi o pedido de ajuda ao Exército e às Forças Armadas para fechar o STF; o segundo foram acusações de que o Supremo estaria ligado ao Partido dos Trabalhadores (PT); e o terceiro foram chamados para a população se manifestar. “São sinais de que o bolsonarismo está se radicalizando, está indo para o extremo”, avalia o pesquisador.
Para ele, ainda que não haja uma data determinada – algumas postagens com menor repercussão falam em carreatas em algumas cidades no final de semana – haverá manifestações, já que existe um padrão na organização. “Foi dessa forma que foram originadas as manifestações antidemocráticas do ano passado”, relembra.
O quarto tema identificado por Nemer foi a culpabilização de Lula e do PT pelo colapso na saúde. Circularam diversos memes sobre o dinheiro gasto com estádios de futebol durante a Copa do Mundo e “nada para hospitais”. “Como o Lula agora não é mais condenado, então é preciso falar que ele é o culpado, que ele é o corrupto”, explica.
Fraude eleitoral e voto impresso
Também circularam nas redes sociais publicações que sugeriram, sem evidências, que a decisão de Fachin faria parte de uma “conspiração” para fraudar as eleições presidenciais de 2022 e favorecer Lula. Outras postagens pediam pelo voto impresso para evitar a suposta fraude no próximo pleito. “Lula ladrão, seu lugar é na prisão. Sem voto impresso [Lula] tá eleito”, dizia uma sequência de mensagens encaminhadas em grupos de Whatsapp.
Segundo David Nemer, a narrativa do voto impresso veio depois de parlamentares como Eduardo Bolsonaro publicarem a favor da medida.
“Não é um discurso novo, mas que eles repaginam o tempo todo para manter a base motivada a lutar por eles”, explica Nemer.
Para o pesquisador, a presença de temas eleitorais nas mensagens faz parte do modus operandi do bolsonarismo. “O Bolsonaro nunca saiu desse modo de campanha. Ele sempre foi essa pessoa que cria a divisão justamente para manter a base dele motivada a lutar por ele”.
A Pública entrou em contato com todos os parlamentares e influenciadores que tiveram posts citados na matéria, mas somente Marco Maia, Paulo Eduardo Martins e Rodrigo Constantino responderam no prazo determinado.