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Para historiador, maçonaria hoje é conservadora e provoca polêmica pela autoproteção de membros

Entrevista
18 de outubro de 2022
12:00
Este artigo tem mais de 1 ano

São mais de 300 anos de história enfrentando a desconfiança da Igreja e de governos sem abrir mão de seus princípios espirituais, mas com mudanças na composição social e em suas posturas políticas. Da defesa dos ideais iluministas e contra os absolutismos nos séculos passados, a maçonaria, que participou ativamente de acontecimentos históricos como a Independência e a República, tornou-se uma força política conservadora no século XX. “Depois que chega ao poder, a burguesia, que vai estar maciçamente presente nas lojas, vai virar conservadora e até reacionária em alguns momentos”, explica o historiador Marcos José Diniz Silva, professor e coordenador do Programa de Pós Graduação em História, Cultura e Espacialidades e do Laboratório da História de Religiões da Universidade Estadual do Ceará.

Diniz, que faz questão de destacar que não pertence à irmandade, fez sua dissertação de mestrado e tese de doutorado pesquisando a documentação das lojas maçônicas cearenses. Em entrevista à Agência Pública, ele destaca a perseguição sofrida pelos maçons por igrejas e monarquias, mas lembra que, por sua vez, a presença de membros da irmandade em cargos públicos provoca a desconfiança entre os demais cidadãos, pelo princípio de autoproteção dessa sociedade “fechada, mas não secreta”, composta exclusivamente de homens. 

“As pessoas querem ter mais certeza de que eles não vão se beneficiar entre si”, diz o historiador lembrando que a “forte presença de políticos maçons” em alguns países da Europa, tem trazido à tona a questão do controle social. “Como eles fazem pacto de irmandade, de fraternidade, de segredo, é claro que quando eles estão no espaço público e atuando como irmãos, e às vezes em situação contraditória, e posições antagônicas, você não sabe como eles atuam”, explica.

No Brasil, além da presença de políticos em campanha nas lojas maçônicas (como o vídeo que circulou recentemente com o presidente Jair Bolsonaro em uma delas), também já houve casos em que parte da maçonaria assumiu posições políticas, como ocorreu em defesa do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Por outro lado, o pesquisador afasta teorias conspiratórias, como a suposta adoração do demônio e de ídolos pagãos, atribuindo-as à perseguição da Igreja Católica e, mais recentemente, das denominações evangélicas. Confira a entrevista.

Marcos José Diniz Silva, historiador e coordenador no Laboratório da História de Religiões da Universidade Estadual do Ceará. Marcos José Diniz Silva é um homem pardo com cabelos e bigode pretos, olhos castanhos, ele veste uma camisa de botões e mangas curtas azul claro.
Marcos José Diniz Silva, historiador e coordenador no Laboratório da História de Religiões da Universidade Estadual do Ceará

Professor, a gente vê que tem muita curiosidade sobre a maçonaria e também muita desinformação, né? Ninguém entende direito se é uma religião, se é uma seita, se é uma sociedade secreta… Como é que o senhor definiria a maçonaria levando em conta que ela evoluiu muito desde o começo, desde quando chegou ao Brasil? 

São questões interessantes porque desde que surgiu a maçonaria moderna, sobretudo lá no início do século XVIII, na Inglaterra, de lá pra cá ela sofreu muitas transformações. A maçonaria também influenciou muitos acontecimentos, com uma participação bastante ativa na política, sobretudo no Ocidente. E gerou uma série de polêmicas, de perseguições, de reações da igreja católica, ideias conspiratórias em torno da atuação dessa sociedade, que tradicionalmente foi entendida como secreta, e na verdade é uma sociedade fechada. Atuou, sim, em segredo, nos seus primórdios, enquanto espaço da crítica nos contextos dos absolutismos do Antigo Regime. O que já era suficiente para gerar curiosidade e muita desconfiança por parte dos religiosos tradicionais e dos regimes políticos. 

Quais são os princípios ou as atuações da maçonaria que provocaram essas perseguições? 

A chamada maçonaria moderna, ou especulativa, surge no início do século XVII como herdeira das tradições corporativas medievais: a dos pedreiros livres, dos construtores de catedrais, homens que na época da servidão feudal tinham um ofício, tinham um saber que se guardava secretamente, transmitido de mestre para aprendiz. Essas ordens corporativas de construtores vão influenciar na formação da maçonaria moderna. 

Por que isso provoca perseguições? Porque as corporações estavam muito ligadas à igreja. A igreja católica contratava os serviços desses pedreiros livres que viajavam a Europa inteira construindo catedrais, fazendo obras que duravam décadas… Que, muitas vezes, não conseguiam terminar e seus filhos e os descendentes que se formavam na arte é que as continuavam ou concluíam. E a igreja tinha um controle disso. Até que, no início da era moderna, as construções de catedrais vão ficando no passado, vão diminuindo. E o protestantismo vai trazer uma nova forma religiosa, que não precisa de tanta pompa material para as construções, de tal modo que as tradições desses pedreiros livres vão se reconfigurar na era moderna. 

É quando surge essa maçonaria, que não é mais a “operativa”, mas a “especulativa”. Agora vão entrar filósofos, pensadores, músicos, políticos, Voltaire, Goethe, Herder, Mozart, Haydn, Bolívar, Lafayette, George Washington eram alguns dentre os vários nomes importantes que participaram dessa espécie de confraria, dessa fraternidade masculina, que cultivava conhecimentos muito antigos da sabedoria oriental, das tradições religiosas gnósticas, que tinham uma interpretação de Deus diferente da interpretação de Deus das religiões monoteístas. Uma tradição interpretativa de Deus, da criação, do criador, diferente dessas correntes tradicionais. Isso aí já é algo que é um diferencial, tradição de que a maçonaria não vai abrir mão.

Ela entra no campo das religiões? 

Não chega a tanto. Digamos que ela é uma sociedade que se coloca como filosófica e filantrópica. Nesse campo filosófico, ela tem uma interpretação do homem, da vida, da criação, que vem dessas tradições gnósticas, Deus como o “Grande Arquiteto do Universo”, que organiza, que planeja. Difere da concepção teológica monoteísta de um Deus personificado, de um Deus como representação do próprio homem; enquanto essa tradição esotérica entende Deus como uma inteligência criadora. Mas, a esse tipo de interpretação vão se somar as tradições cristãs e a própria Bíblia, na qual defendem estar a origem da maçonaria, com o mestre Hiram Abiff, do Templo de Salomão. Então, não é uma nova religião; é uma interpretação abrangente da Criação, que vai acolher todos os tipos de crenças religiosas. A diferença religiosa no espaço das lojas se desfaz, porque todos viram irmãos, é uma fraternidade. Mais do que propriamente uma interpretação de Deus, é esse tipo de convivência, essa igualdade de pensamento, de crenças dentro da própria loja que causou grandes preocupações na igreja católica. 

A primeira condenação da igreja católica à maçonaria é de 1738, logo pouco depois da fundação da Grande Loja de Londres, em 1717. E os estudiosos, mesmo do campo católico, como Ferrer-Benimeli e Valério Alberton, mostram que o Papa Clemente XII, que fez a condenação, estava muito mais preocupado com questões políticas propriamente do que religiosas. A bula In eminenti apostolatus specula deixa claro que há uma preocupação com esses homens que se reúnem em segredo, homens de várias religiões. Então, há mais preocupação com o aspecto político do segredo, já que eles se reuniam secretamente para fazer seus trabalhos, suas reflexões, e a isso a igreja não tinha acesso, então ela passa a condenar.

Depois disso, a igreja católica vai ampliando sua coordenação, acusando de maquinação contra a igreja, contra as autoridades. Isso vai ser a tônica das bulas papais condenatórias. Foram muitas, porque existem registros de 1892, da última bula, já com Papa Leão XIII, sempre reforçando essa condenação, alertando os católicos a não participarem da maçonaria porque seria contraditório, seria prejudicial, porque eles não eram cristãos.

A Igreja via os maçons como agitadores políticos?

A maçonaria se constituiu num centro intelectual que reuniu filósofos, iluministas, racionalistas. Constituiu-se em um dos principais núcleos do debate político e da crítica do século XVIII, como demonstra Reinhart Koselleck. Esse tipo de cultura batia de frente com o clericalismo e o dogmatismo católico. O pensamento ilustrado que combate o catolicismo por não aceitar o pensamento racional, e isso, com certeza, era um dos principais motivos dos embates com a igreja. Existia, ali, uma disputa entre uma visão de mundo religiosa, ainda muito forte e uma visão de mundo iluminista, racionalista, científica – vide a Enciclopedia, de Diderot e D’Alembert – que estava se formando entre os séculos XVIII e XIX, e que assustava a igreja. 

Essa ideia progressista da Maçonaria, que a gente no Brasil associa à atuação da maçonaria pela abolição da escravidão, pela república…

Sim. Antes disso, na própria Independência. Foi de fundamental importância a atuação dos liberais agregados à maçonaria porque as lojas maçônicas se constituíam num espaço de pensamento e de ação política muito importante naquele contexto dos absolutismos. Porque os reis absolutistas estavam aliados à igreja católica, que condenava a maçonaria. Então aqueles espaços da loja se construíram num lugar de treinamento, num espaço de formação de uma cidadania. E de uma experiência parlamentar. A política liberal burguesa tem suas origens, em grande parte, na prática maçônica, nos princípios políticos dos maçons. O que a gente vai ter na Revolução Francesa, por exemplo, os princípios republicanos, os direitos do homem, a vontade da maioria, esse exercício democrático do voto, a representação parlamentar, todas essas novidades foram primeiro treinadas, executadas, nas oficinas maçônicas daquelas lojas. 

E do ponto de vista de classes sociais, lembrando a origem sindical dos pedreiros, ela migrou para outros extratos? 

Bem, quando surgiu a maçonaria especulativa, na Europa do século XVIII, ela agregou burgueses e diversos nobres, então ela tinha, do ponto de vista social, um grupo do mais alto status social. Alguns membros da nobreza de vários países, participaram e assumiram cargos importantes na maçonaria. Ao longo do tempo, ela congregou proprietários de terras, burgueses, depois o empresariado capitalista. No século XX, as sociedades se modernizaram e se urbanizaram muito e o próprio status da maçonaria, enquanto lugar privilegiado de sociabilidade masculina, como havia sido até o século XIX, passou a não ter mais aquela importância. Os homens ricos, influentes, os políticos, não se interessavam mais tanto em participar, e ela passa a receber pessoas de classe média baixa. Na segunda metade do século XX, alguns estudos mostram que a maçonaria começa a receber trabalhadores, desde que possam pagar as obrigações, desde que indicado por seus membros para ser iniciado. 

Então, do ponto de vista social, hoje, ela agrega pessoas de diversos níveis socioeconômicos. No passado era mais a elite econômica e política desses países.

O que o senhor diria que ainda une os maçons do Brasil inteiro?

São milhares de maçons congregados em lojas. Essas lojas formam potências. E nós temos, hoje, no Brasil, três potências, digamos assim, federativas grandes. Logicamente que a maçonaria não tem mais aquela visibilidade, não tem mais aquela presença política ostensiva que tivera nos séculos XVIII e XIX.

Hoje a maçonaria continua funcionando com suas tradições, com seus trabalhos assistenciais, com suas reuniões internas para o desenvolvimento dos seus ritos, com seus simbolismos, e ideais de formação do homem. E a gente sabe que muitas pessoas vão, porque lá conseguem encontrar amizades, conseguem encontrar redes de apoio. Existe uma ideia, grandemente conhecida, de que os maçons se ajudam mutuamente. Entrar para a loja é uma forma de você encontrar amigos que podem te ajudar a ocupar melhores posições na sociedade. Porque ela continua sendo um fator de sociabilidade, faz muitos trabalhos sociais, envolve as famílias. Por exemplo, o homem só pode participar da maçonaria, sendo casado, se a sua esposa autorizar. 

Ah… Mas ela não pode ir. 

Não. Ela frequenta atividades externas, não propriamente os trabalhos maçônicos. São, também, espaços de sociabilidade feminina e familiar. Tem uma coisa também importante que os maçons fazem, é que eles procuram recrutar pessoas que têm, digamos assim, uma boa formação intelectual, que ocupam lugares importantes e influentes na sociedade. Esses são convidados. 

Eu queria que o senhor falasse um pouco mais desse caráter de autoproteção. Não cria dilemas para os que exercem atividades públicas? Os juízes maçons, por exemplo. 

Sim. Esse é um terreno muito interessante e objeto de muita polêmica, de muita desconfiança. Por que, como eles fazem pacto de irmandade, de fraternidade, de segredo, é claro que quando eles estão no espaço público e atuando como irmãos, e às vezes em situação contraditória, e posições antagônicas, você não sabe como eles atuam. 

Então é muito difícil falar sobre isso. Por que a maçonaria tem seus princípios morais, éticos, ensina caminhos para a evolução moral, espiritual. Mas nem todos aproveitam da mesma forma, nem todos praticam da mesma forma. Então é muito complexo saber até que ponto as pessoas se aproveitam do fato de ter um irmão. Você pode imaginar um juiz usar do fato de ter um irmão de loja acusado e aí aplicar a lei em benefício dele, quando não deveria. Por exemplo, em Portugal, recentemente, teve uma polêmica, vive acontecendo isso, da participação de maçons no governo. Acontece alguma crise, uma denúncia de corrupção, vem as acusações de que um maçom beneficiou o outro. Na Inglaterra, também, recentemente, houve uma suspeita de beneficiamento de pessoas ligadas ao sindicato que eram maçons. Então, essas coisas acontecem. Suspeitas, acusações. Por quê? Porque as lojas têm esse elemento fundante da fraternidade, e as pessoas supõem que, necessariamente, eles vão estar se protegendo em qualquer situação. Mas faz parte desse nosso olhar de fora. 

Mas o senhor acha, por exemplo, que seria razoável exigir das pessoas que exercem função pública, que se declarem se são maçons, ou não? 

Esse tipo de coisa já foi ventilado em alguns países da Europa, por conta da forte presença de políticos nas organizações maçônicas. As pessoas querem ter mais certeza de que eles não vão se beneficiar entre si. Mas essa é uma sociedade que tem muita força, já completou trezentos anos e continua firme, mantendo suas tradições, mesmo com as mudanças no mundo. Continua com seus princípios e tradições, com a sua forma de funcionamento. Mas é uma sociedade fechada, não é secreta. Ela tem endereço, ela tem CNPJ, ela tem vínculos conhecidos com personalidades. Hoje os maçons se identificam publicamente, fazem propaganda, carregam adesivo no carro. 

Então não haveria problema em se identificar ao assumir um cargo público. Mas não é todo mundo que declara, não é? 

É. Tem uns maçons mais cautelosos, talvez para não criar polêmica, para não ter que explicar muitas coisas para todo mundo. Porque é muito complexo mesmo, é uma história muito longa. E não é fácil ficar explicando o que é maçonaria, a gente está falando aqui… São muitos séculos de história.

O senhor disse que não é maçom e pesquisou a maçonaria? Foi difícil ter acesso às informações que o senhor precisava?

Existem duas questões quando você vai pesquisar maçonaria no Brasil, por exemplo, como historiador. Em primeiro lugar, a dificuldade de acesso à própria loja, por conta da incompreensão de muitos deles de não abrir o espaço para o público, embora em alguns lugares sejam mais flexíveis. E, segundo, porque diferentemente da Europa, Estados Unidos, no Brasil, geralmente não se tem arquivos reservados, não se tem cuidado com documentação como acontece em outros setores também.

Então é uma dificuldade muito grande encontrar arquivos e ter acesso a eles. Mas se você consegue demonstrar que o seu trabalho é sério, que você vai respeitar o espaço e tudo mais, com muita conversa, consegue ter acesso à documentação.

Eu tive acesso a muitos documentos, a atas de reuniões em lojas daqui de Fortaleza, por exemplo, com as quais fiz meu mestrado e doutorado. Mas ali a gente não encontra novidades. Porque, na verdade, é nas reuniões deles em que se dá esse trabalho, esse pensamento, esse debate filosófico. Eu só tive acesso a esse tipo de conteúdo mais administrativo. Então não tem muito o que esconder do ponto de vista material. Contudo, esse conhecimento que adquiri fora de fundamental importância para o esclarecimento do papel da maçonaria na vida social e política de nosso país.

Como as igrejas hoje vêem os maçons? A igreja católica, a protestante, mais especificamente as neopentecostais? Como é essa relação? 

No código canônico mais recente, de 1983, a igreja católica é um pouco mais flexível com relação a isso, mas mantém a ideia de que os fiéis devem ficar longe de associações que “maquinam” contra a igreja. Isso é um apelo sério. Na década de 1960, os papa Paulo VI e João XXIII, que foram papas ecumênicos, buscaram uma aproximação com a maçonaria, uma relação respeitosa. Mostraram que não havia esse combate ao cristianismo, que poderiam conviver fraternalmente, o que foi muito comemorado pela maçonaria. Mas, por exemplo, a corrente carismática católica, mais fechada, mais próxima do pentecostalismo, mais tradicional nos seus costumes religiosos, por exemplo, são críticos rigorosos da maçonaria. Vê-se vários padres, vários grupos que fazem um trabalho de orientação contra a maçonaria. E, dentro desse contexto cristão, os pentecostais também se colocam contra a maçonaria, embora o protestantismo histórico, nas suas origens, tivesse boas relações com a maçonaria. 

Aliás, os protestantes e os maçons caminharam juntos nos séculos XVIII e XIX, na defesa do estado laico, da tolerância religiosa. Isso foi muito importante. No Brasil, porém, no início do século XX, houve um racha na Igreja Presbiteriana, porque um setor se colocou contra a maçonaria, gerando uma cisão que originou a Presbiteriana Independente, antimaçônica. 

Já o movimento mais recente do protestantismo, chamado evangélico pentecostal e neopentecostal, tem interpretação religiosa opondo o maçom ao cristão.

E essa questão do diabo, do ídolo pagão, tem alguma coisa relacionada a isso na maçonaria? Como aquela imagem que fizeram do Bolsonaro com o Baphomet?

O uso do Baphomet é uma coisa bem antiga, faz parte das mitologias pagãs, dos ritos de fertilidade. E nas primeiras acusações e denúncias à maçonaria feitas pelos adversários, em fins do século XIX e primeiras décadas de do século XX, eles usaram esse tipo de simbolismos pagãos para vincular à maçonaria, dizendo que eles faziam pactos demoníacos e que aquela seria uma representação do diabo. De lá para cá várias vezes esse símbolo foi usado para relacioná-los aos maçons, sugerindo que cultos satânicos podiam estar presentes na maçonaria. Mas são manipulações para atacar, desqualificar. Contribuindo com essa política das teorias conspiratórias. Mas isso tudo faz parte da mitologia política e dos imaginários. Isso já é motivo de estudos, de estudos clássicos como os de Raoul Girardet. As teorias conspiratórias fazem parte desse amplo espectro das mitologias políticas. E aí são utilizadas tanto por religiosos quanto por regimes políticos. É importante lembrar, por exemplo, que nas ditaduras, no nazi-fascismo, a maçonaria foi muito perseguida. Diziam que, como sociedades secretas, maquinavam contra o estado, eram subversivas. Então, os maçons estão sempre sob esses olhares de desconfiança. São trezentos anos de embate, de luta, sobrevivendo a esses contextos. 

Por sua vez, eles têm uma tradição de exercer atividade política. Hoje em dia, por exemplo, há relação com partidos, com candidatos? 

Certo. Nós temos as duas coisas aí, né? De um lado, você tem, teve, essas perseguições, mas a gente não pode deixar de reconhecer que, desde que surgiram as lojas maçônicas no século XVIII, o espaço das lojas, o espaço de pensamento livre, de debate racional, de debate do liberalismo, das formas políticas que dali nascem, a maçonaria foi uma grande impulsionadora das revoluções liberais do século XVIII e XIX. Então a maçonaria foi um espaço, ao longo do tempo, revolucionário. A questão é que, com o desenvolvimento da sociedade moderna e capitalista, a burguesia se acomoda no poder, passa a defender a ordem e a propriedade. Então ela vai se tornando conservadora. Ela era revolucionária, liberal contra os absolutismos, mas depois que chega ao poder, a burguesia, que vai estar maciçamente presente nas lojas, vai virar conservadora e até reacionária em alguns momentos. Porque houve momento em que havia o pensamento mais crítico, libertário, de esquerda, nós tivemos até anarquistas que participaram da maçonaria como Proudhon, Ferrer Y Guardia, Bakunin.

Bakunin era maçom? 

Sim. A maçonaria na Espanha, por exemplo, era bastante anticlerical e tinha muitos anarquistas. Então essas correntes críticas anticlericais e até materialistas, em parte estavam na maçonaria latina, que era mais política, anticlerical, enquanto a maçonaria inglesa, a matriz, já é mais religiosa, filantrópica. Aqui, no século XX, ela se acomodou numa posição conservadora, mantendo-se mais à distância do debate da vida política, não se manifesta enquanto maçonaria. Vez por outra acolhe políticos, atualmente, políticos mais conservadores e se manifestam, como nos últimos anos alguns grupos defenderam o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Há algumas correntes que se manifestam. E outras não. Essas adesões e essas presenças políticas em lojas maçônicas causam controvérsia não só fora, mas também internamente. Muitas vezes não há consenso sobre o envolvimento político. Porque a Ordens têm um princípio o não envolvimento em política e religião.

Vídeo antigo mostra Bolsonaro discursando no que parece ser um templo maçônico

O senhor se surpreendeu quando o senhor viu o vídeo do presidente Bolsonaro indo fazer campanha em uma loja maçônica? Ou isso é comum?

É, isso acontece. A questão é que, por exemplo, o vice-presidente Hamilton Mourão é maçom. Então, eles têm ligações, sim. O ex-presidente Temer, também é maçom. Como muitos outros. Tem esse gancho com as lojas maçônicas, e aí em determinado momento alguns candidatos, ou vários candidatos, tem apoio, são filmados como foi o presidente atual. Isso gera esse debate, porque são envolvimentos políticos diretos e explícitos com a maçonaria, o que não é comum. Isso remete para as pertenças religiosas e a polêmica reacende. E esse fato vem confirmar, mais uma vez, que a ordem maçônica continua a ser, depois de três séculos, uma instituição ainda marcada pelo poder, pelo segredo e pela polêmica. 

Arquivo pessoal
Roque de Sá/Agência Senado
Roque de Sá/Agência Senado

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