Nascido em Duque de Caxias e criado em Belford Roxo, municípios da baixada fluminense, Carlos Roberto Medeiros Teixeira, de 53 anos, é pedreiro e trabalha na área de construção civil. Desde o dia 29 de maio, Carlos está preso na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica (RJ), acusado pelo crime de tráfico de drogas praticado em 2002 na cidade de Vila Velha, no Espírito Santo. Segundo familiares ouvidos pela Agência Pública, ele nunca saiu do estado do Rio de Janeiro na vida. “O único lugar que ele foi mais longe um pouquinho é em Cabo Frio”, conta Gisleide Carvalho, casada com Roberto há 22 anos.
O crime do qual Carlos é acusado aconteceu há 20 anos – em 29 de agosto de 2002. De acordo com o processo, policiais civis da Delegacia Especializada de Tóxicos e Entorpecentes de Vila Velha receberam uma denúncia anônima de que um homem com o mesmo nome do pedreiro, “estaria realizando tráfico de ilícitos de entorpecentes” em sua residência, no bairro Ibes – cerca de 10 km da capital Vitória.
Segundo o relato dos policiais, o acusado não estava na residência. Os agentes foram recebidos por Margareth Bueque Marques Ferreira, costureira que alegou ser companheira de Roberto havia aproximadamente um ano.
Então os agentes fizeram buscas no imóvel encontraram dez papelotes de cocaína, 15 gramas de maconha e duas pedras de crack. De acordo com Bueque, parte da droga era para o próprio consumo e a outra cota para comercialização – que seria feita pelo marido. Ela foi presa em flagrante, mas liberada depois sem pagamento de fiança por ser usuária de drogas.
Quanto a Carlos, o promotor Gilberto Morelli Lima pediu a prisão preventiva, baseada no artigo 312 do Código de Processo Penal. “As provas carreadas aos autos revelam que o denunciado Carlos Roberto Medeiros Teixeira realizava tráfico ilícito de entorpecentes, equiparado ao crime hediondo, contribuindo para um aumento significativo de crimes”, escreveu, acrescentando que “o denunciado atualmente encontra-se em lugar incerto e não sabido”.
20 anos de mandados de prisão preventiva
O mandado de prisão foi expedido em 23 de setembro de 2002 pela juíza Maria Cristina Capanema Ferreira Ribeiro, da 3° Vara Criminal de Vila Velha.
Mas Carlos não foi encontrado na residência onde foram apreendidas as drogas. Daí em diante, começou uma saga para tentar localizar o seu paradeiro. Intimado a comparecer ao fórum da cidade para ser interrogado em 09 de setembro de 2003 e em 22 de outubro, ele não foi encontrado pelos oficiais de justiça.
Em maio de 2006, com a instalação da 7° Vara Criminal de Vila Velha, o caso foi redistribuído e, em 27 de fevereiro de 2008, o juiz Carlo Magno Moulin Lima expediu um novo mandado de prisão. Um ano e meio depois, o delegado titular da Polinter de Vitória, deixou claro que “apesar dos esforços realizados, não foi possível até a presente data efetivar o cumprimento do mandado de prisão”.
Sem qualquer solução quanto ao paradeiro de Carlos, em 07 de maio 2010 o juiz Flávio Jabour Moulin – também da 7° Vara Criminal – emitiu despacho com urgência, expedindo novo mandado de prisão.
Dez anos após a denúncia de tráfico que gerou o processo, o magistrado determinou o cadastramento do mandado de prisão preventiva no Banco Nacional de Monitoramento de Prisão (BNMP), ressaltando que o prazo para prescrição do crime é de 40 anos, isto é: 2042.
Afinal, após duas décadas de tramitação na justiça, em 24 de fevereiro de 2023, o mesmo juiz entendeu que ainda havia motivos para manter o pedido de prisão: “Verifico que o acusado ainda se encontra em local incerto e não sabido, restando clara a sua intenção de se furtar a aplicação da Lei Penal”.
Assim, em 29 de maio deste ano, Carlos Roberto foi detido por agentes da Polícia Federal quando encerrava o expediente na obra que trabalhava como pedreiro, no bairro Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro.
500 km longe do crime
Antes de ser detido, por volta das 16h, Carlos enviou mensagem à esposa para questioná-la se era necessário comprar “mistura”, pois iria largar o expediente às 17h e passar no açougue. A companheira respondeu que ele poderia ir direto para casa. O pedreiro nem chegou a deixar o local de trabalho; assim que bateu o cartão, se deparou com os agentes da PF na portaria da obra.
Gisleide ficou sabendo da prisão do marido por volta das cinco e meia da tarde, hora em que a sua sogra chegou desesperada em casa pedindo os documentos de Carlos, dizendo que havia sido detido e fora encaminhado para uma delegacia de Nova Iguaçu.
Na delegacia, o único contato que teve com o marido foi para entregar uma marmita que os agentes haviam pedido para ela comprar. “Cheguei perto dele e ele estava pálido, tive medo dele passar mal. Ele disse que não sabia por que estava ali. Só me pediu para cuidar da mãe porque tem um mês que ela perdeu um filho”, conta.
Gisleide e Carlos moram no Rio de Janeiro – a 500 km de Vila Velha – já eram casados e tinham uma filha de nove meses quando os policiais civis foram averiguar a denúncia de tráfico em 2002.
Margareth, quando foi detida pelos policiais, alegou que se relacionava com um homem chamado Carlos havia cerca de um ano.
Os familiares mostraram à reportagem uma prova de que ele era pedreiro e trabalhava regularmente no Rio de Janeiro naquele ano. Conforme consta em registro da carteira de trabalho, entre 21 de maio de 2001 e 25 de março de 2002, o pedreiro Carlos trabalhava como servente no Rio de Janeiro para a construtora Andrade Gutierrez.
Os familiares de Carlos não vêem motivos para o nome dele estar envolvido na história e dizem que a prisão é injusta. A esposa conta que em duas décadas ele nunca foi procurado para prestar qualquer depoimento. “Para você ver, ele sempre trabalhou. Nesses últimos anos entrou em várias empresas, puxavam [atestado de antecedentes] e não saia nada”, conta.
Desde que Carlos foi preso, a família vem sofrendo com a situação. “Nós somos em cinco. Ele é o único que está trabalhando, era a coluna da casa. A gente está triste, toda hora tem um chorando. A gente não pode visitar ele”, diz Gisleide.
De acordo com a advogada de defesa, Viviane de Souza Alonso, a prisão se trata de “um erro judicial e de um processo cheio de brechas e inconsistências: A idade que não bate [no processo, consta que data de nascimento de Carlos é 06/12/1978. No registro de nascimento a data correta é 28/12/1970], trabalho com carteira assinada que ele exercia no Rio de Janeiro na época dos fatos. A defesa já reuniu provas e entrou com o pedido de liberdade provisória, mas segue aguardando a decisão da justiça”.
“Estamos confiantes na libertação dele. Com certeza a gente vai buscar uma reparação por conta dos danos que ele está passando, por causa do constrangimento, o psicológico do meu pai, da nossa família está abalado, além dos gastos que estamos tendo. Com certeza vamos buscar uma reparação depois”, conta Gisele Teixeira, filha de Carlos.
Procurada, a PF do Rio de Janeiro disse à Pública que atuou no caso apenas para cumprir o mandado de prisão que “constava como pendente (em aberto) no Banco Nacional de Mandados de Prisão – BNMP.” Apesar de ter passado por audiência de custódia no Rio, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro respondeu que a responsabilidade pelo caso é da Vara Criminal de Vila Velha.
Após a publicação da reportagem, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo informou que o juiz da 7° Vara Criminal de Vila Velha, Flavio Jabuor Moulin, revogou a prisão preventiva e expediu o alvará de soltura.
Carlos Roberto não foi inocentado da acusação e continuará respondendo o processo em liberdade. A defesa irá fazer as alegações finais e aguardar a decisão da justiça. Até que o processo seja finalizado, ele está proibido de frequentar bares, boates e deverá permanecer em casa entre às 21h e 6h e comunicar qualquer mudança de endereço.