O deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) nomeou no dia 27 de junho em seu gabinete um militar da reserva apontado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) como membro de um grupo “extremista violento” que ameaçava a transição de governo, revela uma apuração da Agência Pública, feita com base em documentos enviados à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro.
A contratação ocorreu 21 dias após a CPMI do 8 de janeiro, da qual Ramagem é membro titular, pedir acesso a todos os relatórios da Abin sobre a tentativa de golpe – com materiais que citam diretamente David Nascimento da Conceição, agora funcionário do deputado.
Reservista da turma de 1996 da Brigada de Infantaria do Exército, Conceição hoje trabalha como secretário parlamentar de Ramagem, conforme o Diário Oficial da União e o site da Câmara dos Deputados. Segundo os relatórios de inteligência, o militar seria um dos “boinas vermelhas”, definidos pela Abin como “um grupo extremista composto por reservistas do Exército” com conexões com outros movimentos extremistas no país, como o Ucraniza Brasil.
Os “boinas vermelhas” teriam “disposição para envolvimento em ações violentas” em meio à posse do governo Lula, de acordo com um dos 11 relatórios produzidos pela Abin entre 27 de dezembro passado e 2 de março deste ano. Com quase 400 páginas, o conjunto de documentos revela a atuação de empresas do agronegócio e do garimpo ilegal na tentativa de golpe, a presença de grupos extremistas em Brasília (DF) antes do 8 de janeiro, além da listagem de empresas que teriam financiado ônibus e caminhões em direção à capital federal no período.
O suposto “boina vermelha” também trabalhou para a campanha de Ramagem à Câmara dos Deputados em 2022. Conforme prestação de contas do parlamentar à Justiça Eleitoral, Conceição atuou como “gestor de mídias sociais” por um mês, de primeiro de setembro a primeiro de outubro. Pelo serviço, teria recebido R$ 6 mil.
Procurado pela reportagem, o deputado Alexandre Ramagem disse, por meio de nota, que seu funcionário “é ex-militar, paraquedista do exército Brasileiro” e que “a boina vermelha é tradição da Brigada Paraquedista”. “O Sr. Davi do Nascimento Conceição não tem qualquer relação com os atos ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023, muito menos com grupos extremistas”, acrescentou. A Pública também tentou contato com o militar reformado, mas não obteve retorno até a publicação do texto.
Nas redes sociais, David Conceição se apresenta como o humorista “Tarja Preta 22”, onde tem publicado anúncios e vídeos sem conotação política – não há, por exemplo, nenhuma menção ao seu trabalho para o deputado Ramagem em suas redes. Uma das raras exceções foi um vídeo postado no fatídico 8 de janeiro, no qual ele chama o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes de “careca safado” e o desafia a prendê-lo.
Com salário estimado de R$ 2.173,26 por seu cargo no gabinete, Conceição hoje atua como secretário parlamentar de Alexandre Ramagem. Além de titular na CPMI, Ramagem é homem de confiança do clã Bolsonaro. Ele também foi diretor geral da própria Abin no governo passado, quando se envolveu em escândalos revelados pela Pública em mais de uma ocasião.
“Meios para planejar, executar ou prestar suporte a um ato extremista violento”
Produzido em 27 de dezembro de 2022 e classificado como “reservado” pelo então diretor substituto do Departamento de Inteligência da Abin, o relatório consultado pela Pública contém uma ficha com dados de David Conceição e de outros sete militares reservistas do Exército, todos supostamente “boinas vermelhas”. À época, ainda segundo a inteligência do governo, o grupo apresentava “indicativos de mobilização para violência” no “acampamento em frente ao Quartel General do Exército”.
A Pública já revelou como o acampamento golpista se manteve em meio a desencontros entre órgãos de segurança, com suspeita de conivência por parte dos militares da ativa do Exército.
“A presença desse grupo extremista na capital federal eleva o risco de ocorrência de ações violentas na posse presidencial”, alertava a Abin, que destacava que parte dos “boinas vermelhas” estava “nas proximidades da sede da Polícia Federal, no Setor Comercial Norte de Brasília, na noite de 12 dez. [sic] 2022, quando houve tentativa de invasão do órgão policial” após a prisão do indígena Sereré Xavante, um dos líderes do acampamento golpista.
O relatório da Abin enviado à CPMI traça um perfil dos “boinas vermelhas”, também conhecidos como os “paraquedistas”.
Os extremistas seriam “reservistas autônomos que compartilham posição político-ideológica semelhante, discurso radical de deslegitimação do Estado de Direito e propensão à ação violenta”, e teriam participado de diversas manifestações em Brasília. Uma delas teria sido a comemoração de 7 de Setembro, ainda em 2021, tida como marco da radicalização do discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) contra outras instituições da República.
“Em certos momentos, integrantes do grupo buscaram assumir a liderança das manifestações, coordenando a segurança das pessoas e, por vezes, mediando a comunicação com representantes do governo federal, do governo do Distrito Federal e das forças de segurança”, ressaltou a Abin.
Conforme o órgão, os “boinas vermelhas” tinham “capacidade, motivação e meios para planejar, executar ou prestar suporte a um ato extremista violento” em meio à posse de Lula.
“Ademais, [o grupo militar] pode atuar como indutor de atos de vandalismo e obter a adesão de participantes da ocupação que originalmente não demonstravam propensão à violência”, de acordo com o relatório de inteligência.
No fim de dezembro passado, a Abin também identificou que o grupo extremista, então “presente na Praça dos Cristais”, no Setor Militar Urbano em Brasília, “usava imóveis emprestados” na cidade antes de acampar em frente ao QG do Exército – onde estaria “estocando combustível na tenda que utiliza”.
“Seus membros expressam discurso de ruptura constitucional e demonstram disposição para envolvimento em ações violentas. Além disso, cultivam imagem de prontidão, de que aguardam uma suposta ordem presidencial que os acionem”, relata ainda a Abin.
Ainda segundo o relatório enviado à CPMI, um dos líderes dos “boinas vermelhas” seria o candidato derrotado a deputado federal pelo Rio de Janeiro em 2022 Marcelo Soares Correa, o Cabo Correa Mourão (PMB).
Tido como “porta-voz” do grupo extremista, a Abin destaca ainda que Correa organizava e integrava “manifestações contrárias à mudança de governo no Brasil após as eleições”, com um histórico de atos contrários ao sistema democrático no país.
“Em 16 nov. [sic] 2016, Correa participou da invasão do plenário da Câmara dos Deputados com um grupo de 50 manifestantes que pediam intervenção militar”, registra a agência de inteligência, que relata ainda que o mesmo militar “já defendeu manifestações no Brasil à semelhança do modelo adotado na Ucrânia em 2014 e no Egito em 2011, o qual resultou em insurreições civis”.
Ao jornal O Globo, a defesa de Cabo Correa junto ao TSE disse que não tem notícias do paradeiro dele desde janeiro passado – não se sabe, porém, se perderam contato com o “boina vermelha” antes ou depois do dia 8 de janeiro.
Depois de dois meses de funcionamento, a CPMI do oito de janeiro fez uma pausa durante o recesso parlamentar informal — que segue até 1º de agosto.