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No último sábado, 8, durante o concurso Miss Universo Brasil, a representante do Mato Grosso, Bárbara Reis, de 25 anos, foi instada a se posicionar sobre o tema “meio ambiente”. A modelo nascida na cidade de Sinop abriu um sorriso e disparou a tecer elogios sobre… o agronegócio do seu estado.
“Que oportunidade incrível de falar sobre o meu estado”, começou. “Eu vejo muita gente falando sobre meu estado, vejo muita história contorcida, distorcida. E Mato Grosso, além de ter belezas exuberantes, nós somos ricos. Ricos em diversos aspectos. Nós somos os maiores produtores de soja, de milho, de algodão, de bovinos. E, além disso, nós também somos exemplo de preservação. Nós temos 60% de toda nossa área preservada. E Mato Grosso é isso. É exemplo de empregabilidade e respeito à natureza.”
Não assisti ao concurso e, em outros tempos, talvez nem tivesse tomado conhecimento do que a moça disse, mas nos últimos meses comecei a acompanhar mais de perto perfis de redes sociais e canais ligados ao agronegócio, assim como veículos jornalísticos que trazem um foco no tema.
Era parte de uma investigação que eu estava coordenando sobre como uma parte do setor tem disseminado e servido de palco para a desinformação ambiental e o negacionismo climático no Brasil. A pesquisa rendeu esta reportagem publicada há duas semanas aqui pela Agência Pública.
Uma das coisas que me chamou atenção na pesquisa foi o papel de jovens influenciadores que vendem uma ideia de que o agronegócio é injustiçado, que há muitas críticas infundadas sobre o setor e que cabe a eles contar a “verdade” sobre o agro. Só que, muitas vezes, essa suposta verdade é cheia de desinformação, que pinta o setor como um grande conservador, que não desmata e não tem nada a ver com os problemas ambientais do país.
Em geral, esses influenciadores que encontrei têm alguma ligação com o mundo rural, nasceram em fazendas, são filhos de produtores. Ainda não tinha me deparado com uma miss. E foi por meio de um desses perfis que soube o que Bárbara Reis falou. Nada demais ela defender o seu estado. De fato, ele é o maior produtor de grãos do país, mas fico pensando em como ela poderia falar de meio ambiente de um modo mais, digamos, preciso.
O Mato Grosso de fato é um estado muito rico em belezas naturais. Tem Floresta Amazônica, tem Cerrado, tem Pantanal, mas todos esses biomas sofreram perdas significativas nos últimos 50 anos. O MT é o segundo estado que mais desmatou a Amazônia historicamente. Representa 31,56% da perda de florestas desde 1988. Já no Cerrado, o desmatamento no estado representa 15% da perda do bioma. Os dois dados são do sistema Prodes, do Inpe.
Outra análise, feita pela plataforma MapBiomas, mostra que entre 1985 e 2021 a área da agropecuária no Mato Grosso saltou de 12,6% para 37%. Já a cobertura florestal caiu 20 pontos percentuais nesse mesmo período.
E não se trata apenas de uma perda do passado, em prol de um desenvolvimento bem-vindo que seria responsável por hoje alimentar o mundo, como o pessoal do agro gosta de dizer.
Dois dias antes de Bárbara defender que seu estado é exemplo de respeito à natureza, o Ministério do Meio Ambiente anunciou que, nos primeiros seis meses deste ano, o Mato Grosso liderou os alertas de desmatamento na Amazônia. Enquanto Pará, Amazonas e Rondônia tiveram uma redução do corte raso, o MT teve uma alta de 7%, indo na contramão do observado como um todo na Amazônia Legal.
O estado liderou também o índice de queimadas na Amazônia e respondeu por 55% dos focos de fogo registrados no bioma no primeiro semestre de 2023. A maior parte disso, cerca de 60%, ocorreu em áreas com registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Nem tudo o que está no CAR necessariamente se trata de um imóvel rural regular. Como se trata de um registro autodeclaratório, tem muito gaiato sem título, que grilou terra pública ou se apropriou de um terreno em área protegida, que faz o CAR para usá-lo como prova de posse. De todo modo, é um indício de que quem está botando fogo e desmatando é proprietário de terra.
Não é assunto, porém, sobre o qual o setor pareça estar disposto a discutir. A fala da miss, que ficou em segundo lugar no concurso, foi rapidamente replicada por veículos ligados à extrema direita e que defendem o agronegócio. É o caso da Revista Oeste, que fez uma matéria ampliando o alcance do que Bárbara disse. Outros perfis ligados à temática também compartilharam o vídeo postado por ela. Se não seguir como modelo, ela até já recebeu uma proposta de nova carreira.
Um dos comentários ao seu vídeo foi da Faculdade CNA, ligada à Confederação da Agricultura e Pecuária, que lhe ofereceu uma vaga. “Ficamos muito orgulhosos e felizes com a sua fala sobre o que o estado de Mato Grosso representa para o Agro e como ele anda de mãos dadas com a sustentabilidade. Caso seja de seu interesse e disponibilidade, queremos te oferecer uma bolsa de estudos, de 100%, no nosso curso de nível superior em Gestão Ambiental. Tê-la conosco será brilhante e iremos juntos continuar defendendo esse Agro Sustentável e Inovador que todos merecem conhecer. Esperamos por você!”.
Ao menos publicamente, até a publicação deste texto ela ainda não tinha respondido.