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Desde que tomou posse no cargo, em 3 de agosto, o novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin recebeu em audiência no seu gabinete os ministros Jorge Messias (da Advocacia-Geral da União, duas vezes), Carlos Fávaro (Agricultura), Luiz Marinho (Trabalho e Renda), Sônia Guajajara (Povos Indígenas), Aroldo Cedraz e Bruno Dantas (ambos do TCU) e políticos como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (UB-GO) e os senadores Renan Calheiros (MDB-AL), Zequinha Marinho (Pode-PA), Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e Ana Paula Lobato (PSB-MA).
Os senadores Rogério Marinho (PL-RN) e Tereza Cristina (PP-MS), dois ex-ministros de Jair Bolsonaro, tinham uma pauta específica para tratar com o novo ministro do STF, um recurso extraordinário (nº 1.363.005) ajuizado por um dos principais grupos de açúcar e álcool do país, o São Martinho S.A., contra a União a propósito de um assunto tributário, cujos efeitos interessam aos exportadores de laranja. Atua como amicus curiae a Associação Nacional de Exportadores de Produtos Cítricos. É puro suco do lobby do “agro”. Zanin recebeu os dois senadores em 28 de agosto, quando o processo estava em julgamento no plenário virtual – o ministro não participou daquela votação.
Com o presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Francisco Joseli Parente Camelo, o ministro Zanin discutiu uma “pauta militar no STF”. Zanin recebeu também advogados badalados como Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que o procurou para tratar do recurso extraordinário com agravo (nº 1266095) ajuizado pela empresa IGB Eletrônica S.A., e o advogado pessoal do seu colega ministro Gilmar Mendes, Rodrigo Mudrovitsch, indicado por Bolsonaro ao cargo de juiz na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Mudrovitsch esteve no gabinete de Zanin em duas oportunidades para tratar de três processos: o habeas corpus nº 231.422 (processo sigiloso relativo a réu não divulgado), reclamação nº 61632 (outro processo que tramita sob segredo de justiça, oriundo de Rondônia) e o inquérito nº 4747 (novamente sob sigilo, aberto em 2018).
O advogado de Arthur Lira, Pierpaolo Bottini, esteve com Zanin para tratar de uma reclamação (nº 57303) feita por um cidadão de Pernambuco contra decisão da 4ª Vara Federal de Recife (PE). Pelas iniciais do autor da ação, E. H. F. A. S., muito provavelmente se trata do deputado federal Eduardo Henrique da Fonte de Albuquerque Silva, presidente regional do PP em Pernambuco – Bottini é o advogado do deputado em outros processos. O caso também tramita sob segredo de justiça.
Todas as informações acima sobre o entra e sai no gabinete de Zanin só são conhecidas porque o novo ministro está cumprindo à risca uma sugestão da presidência do STF feita ainda em 2007: a divulgação da agenda diária de compromissos dos seus ministros. O sistema, disponível no site do STF na internet, é alimentado pelos próprios ministros. Zanin, nesse aspecto, é um exemplo positivo.
A publicidade da agenda dos ministros atende ao princípio da paridade de armas num processo judicial. Se uma parte esteve com o ministro, automaticamente a outra vai procurar o gabinete para também ser ouvido. Necessariamente, se não do ponto jurídico, pelo menos do ético, a outra parte deveria ser recebida em audiência o mais rápido possível. Além disso, o tema da transparência dos órgãos públicos às vezes é objeto de julgamento nos tribunais superiores como o STF e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por questão de coerência, um magistrado que não pratica a transparência terá dificuldade na hora de cobrá-la de quem quer que seja.
É bom saber que Zanin escolheu a via da transparência. Ele se alia a outros colegas do tribunal, mas nem todos, que pensam como ele. A Agência Pública pesquisou todas as agendas dos ministros desde o início do ano Judiciário, em 1º de fevereiro. Além da presidente do tribunal, Rosa Weber, que divulga diariamente seus compromissos, o campeão em transparência no período foi o ministro Edson Fachin. Desde fevereiro, ele publicou em cem dias sua agenda diária. Assim como no caso de Zanin, é possível conhecer todos os nomes dos participantes e os processos que foram objeto das conversas nas audiências.
Outros exemplos positivos são a ministra Cármen Lúcia (publicou 80 vezes a sua agenda diária no período) e Luís Roberto Barroso (46 vezes). E paramos por aqui: ou seja, apenas cinco (a saber: Rosa, Fachin, Cármen, Barroso e Zanin) dos 11 ministros do Supremo publicam com frequência suas agendas. O ministro Dias Toffoli publicou apenas nove vezes no período – é difícil acreditar que, desde fevereiro, Toffoli tenha feito apenas nove audiências no seu gabinete.
O grupo formado por cinco ministros não divulgou no sistema uma linha de seus compromissos desde fevereiro: Gilmar Mendes, Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Kássio Nunes Marques e André Mendonça. Em agosto, a Polícia Federal descobriu, ao apreender e-mails do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, que três ministros do STF tiveram encontros com Bolsonaro “fora da agenda”: Marques, Mendonça e Mendes.
Ministros do STF estão entre as autoridades mais poderosas da República, com decisões que impactam todos os quadrantes da vida nacional. Ocupam o topo da pirâmide salarial no serviço público, com um salário astronômico de R$ 41 mil mensais, que deve passar a R$ 46 mil em fevereiro de 2025. Vencimentos de R$ 600 mil ao ano, fora os penduricalhos, são de fazer inveja a altos executivos de empresas privadas. Numa conta de padaria, André Mendonça receberá, em valores nominais, cerca de R$ 15 milhões até deixar o cargo, aos 75 anos de idade.
Quando um ministro não divulga sua agenda diária, está dizendo que os cidadãos comuns não merecem pelo menos saber com quem eles se encontram dentro de prédio público em razão da sua função pública.
Hoje não há nada no mundo que obrigue um ministro do STF a divulgar sua agenda. Depende exclusivamente da sua vontade. É muito diferente dos mais de 600 brasileiros que ocupam cargos de confiança no Executivo, dentro do grupo conhecido como “alta administração federal”. Desde o ano 2000, eles devem observar um Código de Conduta que hoje tem 180 páginas. O artigo 11 estabelece que os agentes públicos submetidos ao código “deverão, ainda, divulgar, diariamente, por meio da rede mundial de computadores – internet, sua agenda de compromissos públicos”.
O comportamento desses funcionários públicos, nos quais se incluem todos os ministros do Executivo, é fiscalizado, do ponto de vista da ética e da transparência, pela Comissão de Ética Pública, que funciona desde 1999 numa sala no Palácio do Planalto. Não há nenhum mecanismo semelhante a isso para acompanhar o comportamento dos ministros do STF. Eles não se submetem, por exemplo, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A Pública indagou ao STF sobre a divulgação das agendas. O tribunal respondeu, na íntegra: “Não existe regra interna, mas em sessão administrativa realizada em 23 de abril de 2007 a então presidente Ellen Gracie fez, a pedido do ministro Cezar Peluso, uma sugestão de divulgação da agenda de compromissos no site, ficando a critério de cada ministro manifestar seu interesse. Atualmente, cada ministro define a divulgação de seus compromissos diários. Por limitações técnicas, há até pouco tempo as agendas passadas não ficavam mais disponíveis para consulta, mas o setor responsável trabalhou nos últimos dias em uma solução e conseguiu disponibilizar as agendas desde 2010 para consulta no site”.