Quer receber os textos desta coluna em primeira mão no seu e-mail? Assine a newsletter Antes que seja tarde, enviada às quintas-feiras, 12h. Para receber as próximas edições, inscreva-se aqui.
Às vésperas do início da 28ª Conferência do Clima da ONU, a COP28, que será realizada em Dubai a partir do dia 30, dois estudos lançados nesta semana analisam os caminhos que o Brasil está trilhando nesta agenda e quão perto – ou distante – o país está de conseguir cumprir suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (os responsáveis pelo aquecimento global).
Há no ar um certo otimismo com a condução do problema depois de quatro anos em que não apenas a questão climática foi deixada de lado como a contribuição do Brasil para as mudanças climáticas cresceu. De acordo com o novo relatório do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), do Observatório do Clima, durante o governo Bolsonaro as emissões do Brasil subiram a ponto de anular as reduções que tinham ocorrido nos anos anteriores.
“Entre 2019 e 2022, o Brasil emitiu 9,4 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa, retornando ao patamar de emissões dos mandatos de FHC 2 (9,8 bilhões) e de Collor/Itamar (9,1 bilhões) e anulando as conquistas dos governos Lula 2 e Dilma 1, quando as emissões em quatro anos foram de 7,6 bilhões e 7,7 bilhões de toneladas de CO2e, respectivamente”, aponta a análise divulgada na manhã desta quinta-feira (23).
A maior fatia dessas emissões foi resultado da alta do desmatamento da Amazônia nos três primeiros anos do governo. No ano passado, a taxa caiu um pouco, o que levou também a uma queda nas emissões do país de 8% em relação a 2021, mas não a ponto de compensar os ganhos anteriores.
“Os quatro anos daquilo que ficou conhecido como ‘passagem da boiada’ causaram o maior aumento percentual no desmatamento da Amazônia visto em um único mandato presidencial desde o início das medições: 60%”, ressalta o relatório.
O dado de “emissão bruta” leva em conta todos os gases de efeito estufa lançados na atmosfera no período, sem descontar o gás carbônico (CO2) que é absorvido pelas nossas florestas. Quando essa remoção é considerada, temos as chamadas “emissões líquidas”, um pouco menores. É o dado líquido que é reportado pelo Brasil à Convenção do Clima da ONU (a UNFCCC). Em 2022, por exemplo, as emissões brutas foram de 2,3 bilhões de toneladas de gases, enquanto as líquidas foram de 1,7 bilhão de toneladas.
Mas, mesmo se forem somadas apenas as emissões líquidas do Brasil, nos quatro anos de Bolsonaro emitimos quase 7 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (CO2e), de acordo com os cálculos do Seeg, que é praticamente o mesmo que Estados Unidos e Rússia (respectivamente, o segundo e o quinto maior emissor do planeta) jogam na atmosfera juntos em um ano.
Já a emissão bruta (os 9,4 bilhões de toneladas) entre 2019 e 2022 foi um pouco maior do que EUA e Índia (terceiro maior emissor mundial) emitem ao longo de um ano. Fiz essa comparação usando os dados referentes a 2020 da plataforma Climate Watch, um levantamento feito pelo World Resources Institute (WRI) que compila as emissões anuais dos países.
O número chama atenção porque rebate a ideia de que o Brasil é um “jogador café com leite” na crise climática. Segundo o WRI, somos o sexto maior emissor do planeta, emitindo cerca de 3% das emissões mundiais, atrás de China (26%), EUA (11%), Índia (7%), União Europeia (6%) e Rússia (3,8%).
Eu me recordo de que, quando era questionado sobre o aumento das emissões sob seu comando, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles desdenhava o problema, fiando-se nesse dado de 3% como se o Brasil pouco influenciasse o cenário global. Essa ilusão desaparece quando consideramos a soma dos quatro anos e a comparação com os gigantes das emissões. Digo isso porque esses gases têm uma duração longa na atmosfera, de modo que a contribuição acumulada importa, e muito.
Mas a ideia tanto do relatório do Seeg quanto de uma análise divulgada também nesta semana pelo Instituto Talanoa foi olhar para a frente e calcular se ainda temos como voltar aos trilhos e reduzir as emissões a ponto de cumprir as metas que o país assumiu no Acordo de Paris.
O Brasil se comprometeu a chegar a 2025 com emissões líquidas de 1,32 bilhão de toneladas de CO2e e a 2030, com 1,2 GtCO2e. Isso significa que será necessário um esforço considerável nos próximos dois anos e até o fim da década.
“Para cumprir a meta de 2025, para a qual restam apenas dois anos, o país precisará empreender esforços consideráveis de redução das taxas de desmatamento, que não precisariam ser tão grandes se o país não tivesse andado para trás nas emissões”, frisa o relatório do Seeg.
O governo Lula começou bem. A principal fonte de emissões do Brasil, que é o desmatamento da Amazônia, diminuiu neste primeiro ano do terceiro mandato do petista. A taxa Prodes de 2023 (que considera quanto foi desmatado entre agosto do ano passado e julho deste ano) teve uma queda estimada em 22,3% na comparação com os 12 meses anteriores, o que já terá consequências sobre as emissões.
Esse dado não chegou a entrar nos cálculos deste relatório do Seeg, concluído com informações referentes até o ano passado, mas o esforço necessário foi calculado. Para cumprir a meta até 2025, “será preciso reduzir o desmatamento em 49% na Amazônia entre 2022 e 2025, o equivalente à média dos anos de devastação mais baixa do país (2009 a 2012)”, apontam os pesquisadores, liderados por David Tsai, coordenador do Seeg.
Já para 2030, o grupo considera que, se for cumprida a promessa do presidente Lula de zerar o desmatamento em todos os biomas até o fim da década, “o país cumpriria com muita folga” sua meta de redução de emissões. “Isso mostra que há espaço para aumento da ambição climática do país nos sete anos críticos para o atingimento do objetivo de estabilizar o aquecimento global em 1,5 ºC”, escrevem os autores.
O Instituto Talanoa faz uma análise semelhante, ao destacar que o governo de Lula corrigiu os rumos da política climática, mas aponta outros desafios, em especial em adaptação, transição energética e agricultura.
“Este ano a agenda climática saiu de um nicho, dentro do governo, e se espraiou para a política econômica, financeira, tributária. Porém esse avanço está se dando sem meios adequados de governança, ou seja, sem uma coordenação que favoreça a eficácia e o equilíbrio entre o que precisamos fazer para reduzir as emissões dos gases causadores do efeito estufa e o que precisamos fazer para nos adaptarmos ao clima que já mudou”, afirmou Natalie Unterstell, presidente do Talanoa, em comunicado distribuído à imprensa.
Para ela, “em alguns setores, como habitação social, infraestrutura e saúde, ainda estamos na estaca zero, sem qualquer adaptação da política pública, apesar dos impactos que já estamos vendo”.
Os organizadores do relatório veem o “copo meio vazio” no desafio pelos próximos dois anos. Mesmo com a redução de desmatamento obtida neste ano, para alcançar a meta até 2025, o Brasil precisa conseguir cortar mais 480 milhões de toneladas de CO2, que o relatório compara com as emissões anuais da África do Sul. Para o grupo, alcançar a meta de 2030 é possível com uma redução radical do desmatamento, restauração florestal e precificação do carbono, via mercado regulado.
De fato, não é pouca coisa, mas 2025 é justamente o ano em que o Brasil vai receber a Conferência do Clima, em Belém. É quase imperativo que o país-sede tenha bons resultados a mostrar até lá.