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Teve início nesta quinta-feira (30), em Dubai, nos Emirados Árabes, a Conferência do Clima da ONU (COP28), o encontro anual que reúne representantes de 197 países, mais a União Europeia, na tentativa de frear o aquecimento global.
E, por incrível que pareça, contrariando um pouco o ritmo lento com que esses eventos costumam se desenrolar, começou já com o martelo sendo batido em um acordo: a promissora adoção do, há muito esperado, Fundo de Perdas e Danos – uma fonte para canalizar ajuda financeira às nações mais vulneráveis que já estão sendo castigadas com eventos extremos e não têm mais condições de se adaptar a eles.
Logo mais vou tratar um pouco mais do fundo, mas queria convidar você a dar uns passinhos para trás comigo até para ajudar a visualizar melhor por que esse passo dado assim tão rapidamente é tão importante.
Como o número da conferência revela, o esforço de lidar com a crise climática é uma iniciativa já de longas três décadas. Começou, mais precisamente, em 1992, quando foi realizada no Rio de Janeiro a 2ª Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, mais conhecida como Rio-92. Foi lá que nasceu a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), o braço da ONU que coordena essas negociações e organiza as COPs (a primeira é de 1995).
Desde então, como bem definiu nesta quinta o secretário-executivo da Convenção do Clima, Simon Stiell, ao abrir a COP28 em Dubai, foram dados “passos de bebê”. Nas palavras dele, estamos “caminhando muito lentamente de um mundo instável, que carece de resiliência, [em direção] a elaborar as melhores respostas aos impactos complexos que estamos enfrentando”.
O mais importante desses passos foi o Acordo de Paris, de 2015, mas, como mostramos em reportagem na Agência Pública, em oito anos os países que se comprometeram a fazer esforços para conter o aumento da temperatura a bem menos de 2ºC, na comparação com os níveis pré-industriais, não foram capazes de colocar o planeta no trilho certo para evitar o pior do aquecimento global.
O mundo tem esquentado consistentemente – 2023 muito provavelmente vai se encerrar como o ano mais quente do registro histórico, como o mais quente dos últimos 125 mil anos, segundo análises de uma área da ciência conhecida como paleoclimatologia, que permite comparar o momento atual com registros fósseis. Já os eventos extremos são cada vez mais sentidos em todos os cantos, acumulando perdas humanas e econômicas.
“Estamos à beira do precipício”, sentenciou Stiell. “Se não sinalizarmos o declínio terminal da era dos combustíveis fósseis tal como a conhecemos, saudaremos o nosso próprio declínio terminal. E escolhemos pagar com a vida das pessoas.”
Esse processo lento que o secretário-executivo menciona é angustiante, ainda mais quando se se lembra de que os combustíveis fósseis são a base econômica do país que é o anfitrião da COP deste ano, os Emirados Árabes. O presidente da COP, Sultan al-Jaber, é CEO da maior petroleira do país, a Adnoc e foi acusado, em reportagem da BBC, de planejar usar a COP para facilitar negócios de petróleo e gás.
Mas o enrosco, na verdade, está enraizado nas origens das negociações climáticas. A cada ano, velhos problemas e trocas de acusações se repetem. Só para ficar no que talvez seja mais fácil de entender: países ricos, que historicamente são os maiores responsáveis pela quantidade de gases de efeito estufa que está na atmosfera aquecendo o planeta, são cobrados pelos países em desenvolvimento a fazer mais não só para conter o problema, mas principalmente para colocar mais dinheiro na mesa.
A cobrança é para que eles ajudem os países mais pobres a também fazer sua transição energética e, mais que isso, possam se adaptar aos impactos das mudanças climáticas que já estão sendo sentidos.
É aqui que está um dos principais entraves das COPs, que é a cobrança por financiamento. Quem acompanha essa agenda já deve ter ouvido falar no tal compromisso assumido pelos países ricos, ainda em 2009, de doarem, anualmente, US$ 100 bilhões, a partir de 2020. Não se chegou a esse valor até agora e o cálculo hoje feito é que esse valor já não dá, nem de longe, conta do recado.
Países emergentes, por sua vez, se tornaram também importantes emissores de gases-estufa, como a China – hoje o maior emissor – e são cobrados pelos ricos a acelerar suas ações de corte dos poluentes e a contribuir para as fontes de financiamento.
Nesse jogo de empurra e de acusações, os passos são pequenos, como diz Stiell. Mas nesta quinta – no início de uma conferência cercada de desconfianças sobre a legitimidade, a habilidade e a vontade do petroestado de conduzir as negociações de modo a colocar um freio nos combustíveis fósseis –, a adoção, já na primeira plenária, do Fundo de Perdas e Danos é realmente uma boa notícia.
Trata-se de uma demanda antiga, tanto quanto a própria Convenção do Clima, dos países-ilha, aqueles que estão na linha de frente da elevação do nível do mar.
O estabelecimento do fundo tinha sido acordado na COP do ano passado, no Egito, e ao longo deste ano houve uma série de reuniões de um comitê de transição encarregado de propor como poderia funcionar esse fundo. Houve acordo, entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, para que ele fosse criado no âmbito do Banco Mundial, em caráter interino, por quatro anos, sem, inicialmente, a obrigatoriedade de doação pelos países emergentes.
Havia o risco, porém, de que com o início da COP algum país não muito satisfeito com o acordo pedisse a reabertura da negociação, o que atrasaria sua implementação. De modo que a aprovação rápida foi um alívio, com nações ricas, lideradas pelos próprios Emirados Árabes, já anunciando quanto vão doar. O país anfitrião ofereceu US$ 100 milhões, seguido da Alemanha, com o mesmo valor. A União Europeia como um todo (incluindo a Alemanha) chegou a US$ 225 milhões. Reino Unido disse que contribuirá com US$ 50 milhões e o Japão, com US$ 10 milhões.
O professor de relações internacionais Bruno Toledo, analista do ClimaInfo, que vinha acompanhando de perto a negociação do fundo, classificou sua adoção como “um passo muito importante e com um peso significativo”.
Ele lembra que o resultado não foi exatamente o desejado pelos países mais pobres e vulneráveis, que não queriam que o fundo estivesse vinculado ao Banco Mundial, “mas o fato de os países terem concordado com a estrutura proposta para o fundo na primeira plenária da COP mostra que existe a disposição dos governos para finalmente viabilizar uma resposta financeira para as perdas e danos decorrentes da mudança do clima”, disse em nota distribuída à imprensa brasileira que acompanha a COP.
“Ainda que o volume anunciado de recursos seja pequeno em relação às necessidades do futuro fundo, isso põe pressão para que outros países desenvolvidos também coloquem recursos”, diz. Hoje, estima-se que os custos da reconstrução após efeitos devastadores dos desastres climáticos estão na casa de centenas de bilhões de dólares anualmente.
“E, por ser uma decisão sobre financiamento, também pode ter efeito sobre as discussões sobre outros itens relativos ao financiamento climático ao longo desta COP. Se esse momentum se confirmar, as chances da COP28 entregar resultados significativos aumentam consideravelmente”, complementa.
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Minha colega aqui da editoria de clima da Pública, a Anna Beatriz Anjos, e eu vamos trazer, ao longo das próximas semanas, notícias quentes e reportagens e análises mais aprofundadas sobre os desdobramentos da COP28. Toda a nossa cobertura poderá ser acessada aqui.
Anna já está em Dubai e conta que tudo está sendo feito para impressionar. A Expo City, onde ocorre a conferência, parece um misto de “parque da Disney com cerimônia de abertura das Olimpíadas”.
São esperadas 70 mil pessoas, o maior volume já recebido em uma COP. Aproveitemos esse número surreal para fechar com mais uma frase dramática de Simon Stiell: “Sim, esta é a maior COP já realizada. Mas participar de uma COP não conclui a lista de tarefas climáticas do ano. Os crachás que vocês levam no pescoço os tornam responsáveis por entregar uma ação climática aqui e em casa”.