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Depois de quatro anos de desmonte e passagem da boiada sob Jair Bolsonaro, a área ambiental do governo federal viu um renascimento no primeiro ano do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, em especial com o bom desempenho no combate ao desmatamento da Amazônia e na atuação diante da crise climática. Mas os desafios devem se intensificar a partir de 2024. Cerrado, área energética, pressões do Congresso e eleições municipais devem ser importantes pontos de conflito.
A queda de mais de 50% nos alertas de desmatamento (até o fim de novembro, na comparação com o mesmo período do ano anterior) do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi o resultado mais visível de um trabalho que começou logo no início do ano, com o restabelecimento de políticas ambientais, da fiscalização em campo e da retomada do Fundo Amazônia.
Foi o ano da retomada da atuação do Ibama, um dos órgãos mais vilipendiados no governo Bolsonaro. A queda do desmatamento está ligada diretamente à retomada vigorosa das atividades de comando e controle. Números passados com exclusividade à Agência Pública mostram que, somente na Amazônia Legal, os autos de infração do Ibama até 4 de dezembro foram 114% superiores à média dos quatro anos anteriores.
As multas passaram de R$ 3 bilhões – valor 67% acima da média de 2019 a 2022 –, e os embargos ficaram 73% acima. Também houve aumento de 153% na destruição de equipamentos ligados a crimes ambientais e de 72% na apreensão de produtos do crime, como madeira e gado criado ilegalmente.
Sinais de que, com o Estado atuante, o crime ambiental arrefece. Mas foi um pouco à base do sangue, suor e lágrimas. As equipes estão defasadas e chegaram a ameaçar fazer uma espécie de “operação padrão” no início do ano, cuidando só de operações burocráticas. Os fiscais clamam por um novo concurso – que o governo promete realizar em 2024. “Os servidores se desdobraram para conseguir alcançar esses números. Muitas vezes colocaram a própria vida em risco”, reconhece Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama.
Para 2024, vai ser preciso não apenas manter esse esquema de comando e controle funcionando, como ir além, iniciando para valer políticas de incentivo à manutenção da floresta em pé, com a implementação do PPCDAM, o plano de combate ao desmatamento relançado neste ano.
Por outro lado, o desmatamento no Cerrado se manteve como um incômodo alerta de que a sanha do agronegócio não vai ser contida facilmente. Os alertas de corte da vegetação do bioma até o fim de novembro cresceram 40% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o Deter. Lá também houve aumento dos autos de infração do Ibama (45%), mas a dinâmica é outra, com boa parte da supressão ocorrendo de modo legal, com autorização dos órgãos ambientais do Estado, em especial no oeste da Bahia.
“Na Amazônia, o desafio é aplicar os instrumentos econômicos. Comando e controle sozinhos não dão permanência à queda do desmatamento. Já no Cerrado os números estão inaceitáveis. Há limitações por parte da atuação do governo federal [porque o Código Florestal é mais permissivo lá], mas será preciso fazer um pacto com os governos estaduais”, afirma Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.
Fora que, em ano de eleições municipais, esses desafios aumentam – em geral, o desmatamento cresce em período eleitoral.
Mas não para aí. A agenda para 2024 vem com várias outras complexidades. A crise climática, que neste ano já provocou um desastre atrás do outro, não dá sinais de arrefecer. O El Niño, combinado com o aquecimento global, ainda promete muita seca e muita chuva para o ano que vem, tornando premente a adoção de um plano de adaptação no Brasil – que já está sendo construído, mas ainda não tem data para ser lançado.
Essa tarefa, aliada à criação de planos setoriais para o combate às mudanças climáticas, é fundamental nos passos que o país precisa dar em 2024 tendo em vista a realização da 30ª Conferência do Clima da ONU, que será realizada em Belém em 2025.
Como anfitrião do evento que já é considerado o mais importante desde a adoção do Acordo de Paris, em 2015, espera-se que o Brasil sirva de exemplo para os demais países e dite o tom da conferência, propondo metas próprias mais ousadas de ação contra o aquecimento global.
Para isso, vai ser preciso continuar atuando contra o desmatamento, adotar medidas para proteger a população, mas também começar a se entender com a polêmica agenda energética. O Brasil quer liderar nas renováveis e no hidrogênio verde, mas não abre mão do petróleo. As contradições que se fizeram presentes o ano inteiro entre o combate à crise climática e os sonhos de aumentar a exploração de petróleo no Brasil devem ficar ainda mais evidentes no ano que vem.
A Petrobras vai continuar pressionando o Ibama por liberar licença para prospectar na foz do Amazonas – desejo também de políticos locais do Amapá e do Pará –, assim como deve insistir nos planos de ser o quarto maior produtor de petróleo do mundo, o último a parar de explorar o recurso. Mas, como resume Suely, “não dá para querer ser líder climático e petroleiro ao mesmo tempo”. É incompatível. E em algum momento o clima vai cobrar a conta dessa incoerência.
Mas esta é a última coluna do ano e não é tempo de desesperança. Passei o ano inteiro escrevendo aqui como nossa janela de atuação está se fechando, mas não percamos de vista que ainda é possível fazer muita coisa para evitar os maiores danos, para mudar a forma de encarar o desenvolvimento econômico e mudar de patamar. A volta das políticas ambientais é um alento de que isso ainda está ao alcance.
Então, com esse tico aqui de esperança, deixo os meus desejos de um feliz 2024. Boas festas enquanto o mundo não aquece ainda mais e a cerveja não acabou. Nos vemos de novo em 11 de janeiro.